Croniketa da Burakera #32, por Ruben G Nunes
Dia-sexta. Tardemansa. Dia de esticar pensares e sentires. Dia de encher as neuras d’alegramentos.
Chamei o garçon e pedi uma uiskdose. A primeira chamada foi pros Orixás. Tomei então três longas lapadas de boa. E soltei as amarras…
gira gira girador gira girando regirando transgirando porragirando…
essas estrelas todas-aí pelos infinitaços
esses garranchos de luz pra cima da gente…
esses todos poemas de estrelas, véi…
tá tudo mais prum udigrudi-carnespiritual
uns espalhamentos azuados, bixo
tipo o reconvexo do Caetano Veloso…
… e vamunessa, riponga-véi!…
Entro em uiskmeditation.
A voz do tempo sussurra em mim. Olho o mar imenso e necessário. O mar me olha. Poseidon, o deus grego dos mares, emerge súbito. Seu poderoso olhar de tempestade e calmaria vasculha a tardemansa. Com retumbante voz estremece o horizonte. De seu tridente raios fagulham.
Poseidon era um danado de um mulherengo. Sempre foi. Tal qual seu tio Zeus – deus dos deuses gregos, o poderoso chefão da deusalhada.
Através tempos, histórias, noites, dias, o Deus dos Mares, vivia chamando suas amantes, tanto deusas, quanto humanas, pruns vaivem d’amorpaixão. Rolandofornicando por sobre o fantástico vemvai das marés, Poseidon urravagemia.
Nesses divinos amassos se ouvia no eco surreal dos séculos a Canção do Mar.
Com exceção da imortalidade e de seus superpoderes, os deuses e deusas gregas não eram tão diferentes dos humanos. Não criaram o mundo como os deuses de todas as religiões. Não eram criadores. Eram guerreiros, conquistadores de povos e reinos. Eram alegres, explosivos, imprevisíveis, beberrões. E vingativos. Nunca mentiam. A não ser na guerra e no Amor. Em suma: tutti buona gente… mas uns sacanões...
Epifanias, farras e vuco-vucos divinos, rolavam a miúdo, no Monte Olimpo, condomínio da deusalhada grega. Lá na região da Tessália, banhada pelo mar Egeu.
Dionisio ou Baco, era o Deus do Vinho, da embriaguez, dos delírios místicos, e dos excessos sexuais. Filho de Zeus, o chefão dos deuses. Nas cerimônias religiosas em sua homenagem, Baco levava para as Bacantes ou Mênades,, suas adoradoras fanáticas, a loucura divina que impregnava o vinho. Aí a coisa esquentava. Um forrobodó daporra, véi!
As mulhas de responsa na sociedade grega de Atenas, donzelas e matronas, se aloucavam com o vinho. Era o espírito do Deus Baco que através do vinho nelas penetrava até o talo.
Na tragédia As Bacantes, 405 AC , Eurípedes, dramaturgo grego, assim descreve as cantorias das bacanais:
Com a tua taça de vinho erguida no ar
E a tua orgia enlouquecedora,
Ao florido vale de Elêusis
Tu chegas. Salve Baco! Salve Pã!
Ó que alegria, que alegria,
Desmaiar, exausta, nas Montanhas,
Quando o fauno sagrado nos envolve
E tudo o mais se desvanece!
O Deus Baco baixava na cerimônia com seu exótico séquito de dáimons ou entidades de forças primordiais. Como seu filho Príapo, que tinha um membro descomunal e antigravitacional, i.é imbroxável. Ou como seu amigo Pan, que tinha compulsão sexual insaciável. Além de faunos e sátiros, tarados, meio-homens, meio bodes.
Daí que no culto a Baco – ou bacanais – as bacantes dançavam nuas nas montanhas num selvagem êxtase místico e multisexual. Era um chega-mais adoidado. Esfregação total. Com muito vinho e cheiro de vulvas num cio carnespiritual desenfreado.
Emprenhação geral, na Grécia antiga. Deusas e mulhas embucham. Sereias cantam. Ninfas, náiades, dansam. Gaivotas esvoam.
Cronos, Deus grego do Tempo, se espicha pelas eternidades. Voa, corre, lentipassa, nunca para quieto. Como um pichador compulsivo, está sempre riscando os muros da eternidade com fios e fiadas de momentos, coisas, espaços, destinos, gentes. Que ele mesmo devora.
Dona História, uma velhona ainda nos trinques, mas meio doidona. Fica lá nas varandas do Infinito trançando-e-retrançando os fios e fiadas do Tempo. E faz crochê e tricô com a humanalhada. Tece narrativas, estórias e histórias. Tudo embaralhando. Tudo cascaviando.
Por conta dessas doiduras de vem-e-vai da Dona História, o Tempo-Espaço fica que nem bêbado perdido. Fica num vai-e-vem-porraloca, lá nos imaginares, pensares, sonhos e realidades de cada um.
Inclusive nos imaginares e pensares desse cronista…
Enquanto isso, nessas cenas de vai-vem-vem-vai do Tempo-Espaço, o mundo cresce-encolhe. E se esparra. Os Deuses gargalham, bebem, fornicam, corneiam. E uivam no espaço sem-fim. Uivam pelo sentido-do-sem-sentido de sua divina solidão.
O Infinito se coça.
Encharcadas de vinho, cantando, dançando, nos delírios de suas nudez, de seus hinos religiosos – quem–sabe-talvez? – algumas bacantes, lá pelo séc. XVIII aC, captassem no vai-e-vem da História o Pata Pata maluquete de Miriam Makeba, de 1967. Quem-sabe-talvez?
Oncovim???!!!… Oncovô???!!!… Oncotô???!!!… Quo vadis, cumpadi ¿¿
Filha do Khaos (o Nada, o Vazio), Nix, a deusa grega da Noite Profunda, quando surge se deita, imensapoderosa, sobre Poseidon, o Deus dos Mares.
Irado, Poseidon, urra.
Expansos ambos, Nix e Poseidon, triscam olhares ambos… e se cincham ambos, um no outro, ambos… transas, escanchos, enganchos… chaca chaca la buxaca & êxtases… em adágio majestoso lentíssimo, ressoam sinfonias… sonhos, estrelas, espumas… ambos…
Nix e Poseidon s’esparracham, cochicham, s’enredam. O Infinito goza.
O mar-massaplenaprofunda vai e vem, em seu eterno movimento. Ou sereno em seu ondear macio. Ou raivoso, nas chicotadas das ressacas.
Vem e vai o mar, vai e vem a Vida.
Vai e vem o Amor, vem e vai o mar,
O mar parece sempre nos trazer recados do destino. Sempre. Esparramando paixões. Branquespumando saudades.
Nos rala-e-rola divinos, por todas as praias, quantas paixões Poseidon e Nix ligaram-desligaram-religaram… tresligaram… com conchavos de luas, estrelas, gaivotas, bares, poetas, marujos. E dos sonhos.
Quantos brilhos d’olhos se enroscando, acenderam-se-apagaram, em suas praias, em suas lonjuras, nos seus vários cais, trapiches, cafofos.
Pés descalços n’areia molhada. Quantos rastros de saudades…
Para além de todas as iras e delírios do Deus Poseidon, o mar-hoje se humanizou. Há ainda tempestades e tsunamis. Mansidão e Violência. Belezas e perigos. Há marés de calmarias, há marés-de-almirante, há marés grandes ou brabas, há marés de reponto.
Mas há também em nosso tempo toda uma oceanografia e tecnologias que buscam salvaguardar os navegantes dos humores de Poseidon. Há previsões do tempo, tabelas, radares e computadores. Faróis iluminando as noites dos mares.
Nas diferentes intensidades de suas marés, o mar sempre, sempre traz, em si diluído, toda a história humana de glórias, guerras, conquistas, de desejos e paixões, de ternura e Amor. E de saudades.
Os antigos, bem antigos, achavam que os vários fluxos das marés vinham da respiração de um monstro mítico, enorme, que habitava as profundas do mar.
A Ciência, hoje, nos diz que na verdade duas forças gigantes repuxam o velho mar como num cabo de guerra. O sol e a lua.
Mas a Arte também nos diz que sol, lua, o rosário d’estrelas e galáxias que o mar reflete em seus luscos-fuscos são eternas fontes de poesias, músicas, sentires, inspirações e mistérios, que nos movem.
Há no mar tantas tragédias, como o afundamento do Titanic. Há no mar tantas belezas como o manso pôr-do-sol no horizonte, ou a lua cheia lentimovente boiando nas quietudes das marés.
O mar-hoje é feito d’amores-perdidos-e-achados e do balanço das saudades. O mar-hoje batepapo e tomauma com a gente. Poseidon agora usa jeans e camisinha Jontex. Nix, Deusa da Noite, usa calcinha preta, rímel, faz streaptease.
Poseidon e Nix são energias d’amores. Num vai-e-vem eterno dentro de cada um de nós e nos nós-de-nós, que nos engancham forever. Mas que liga-desliga-religa… que nem tomada do coração…
Aqui, onde eu e o mar nos olhamos e uiskconversamos, é o Cais 43. Ponta do Morcego, Natal, Rn, Brasil-Esquina. Bar dos que embarcaram em suas saudades.
Parece um navio atracado, E os garçons se vestem de marujos. Com caxangá e tudo.
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Sua crônica soa como uma música tecendo o tempo, misturando ritmos.