Cultura(s), Lei Seca e a (falta de cerveja na) Copa do Mundo 2022

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Todos em clima de Copa!

Porém, desabastecidos de cerveja no país-sede…

Um fato trágico! Não tem quem discorde, principalmente quando a notícia vem com 48h de antecedência ao início do mundial (no último domingo).

No dia de hoje, já no quarto dia de evento, é pouco provável que alguém já tenha se acostumado a ser abstêmio diante dos jogos, principalmente aqueles que os acompanham nos estádios.

O que está havendo é a instauração de uma verdadeira lei seca!

Algo muito antigo, que já vigorou em outros locais de forma rígida, como nos Estados Unidos, entre 1920 e 1933, e até hoje ainda vale em situações excepcionais aqui no Brasil, em época de eleições.

Spoiler: ela nunca deu certo em nenhum lugar do mundo!

Se alguém tinha alguma dúvida que a cultura cervejeira impacta de algum modo a cultura de maneira mais ampla, não há melhor exemplo do que esse. Então, vamos debater um pouco a hipocrisia cultural quando se trata de elementos cervejeiros hoje!

Culturalismo, cerveja e grandes eventos

Se existem 3 temas dos quais eu posso me orgulhar em minha carreira acadêmica são esses três: culturalismo (o tema do meu doutorado: https://rb.gy/q3yeus), cerveja (com mais de 4 mil exemplares degustados: https://untappd.com/user/ericksen e mais de 100 textos escritos nesse blog: https://papocultura.com.br/author/lauro-ericksen/) e grandes eventos (já fui a 3 copas do mundo in loco).

Apesar de desnecessária a carteirada, acho justo tecer alguns comentários sobre a quase que total ausência (ou proibição) de consumo de cervejas (e demais bebidas alcoólicas) nos Estádios do Qatar.

Compreender melhor os elementos culturais não é simplesmente aceitar violações ou desrespeitos em virtude do “respeito às outras culturas”. Aceitar tal ultrajante premissa, principalmente quando se fala do país-sede da Copa do Mundo de 2022 (Qatar), equivale a naturalizar o trabalho escravo, punições à expressão de afetividade (sejam entre casais heterossexuais ou não), e, claro, sobre o tema do texto: o consumo de cerveja!

Eu coloco a liberdade de se consumir cervejas, seja no entorno ou nos Estádios da Copa, como equivalente aos demais direitos humanos também violados (trabalho escravo ou afetividade). Incrivelmente, o grupo partidário que foi derrotado em outubro imagina que liberdade é outra coisa…

Ter a liberdade de consumir cervejas no ambiente mais propício (da Copa do Mundo) é um direito humano inexpugnável. Todo aquele que assim o quer, deveria ter a liberdade de consumir o líquido sagrado das multidões, independentemente de seu credo ou religião.

Se é pecado para os muçulmanos, isso é um problema deles próprios, não queira esfregar seu alcorão no meu copo… todo culturalismo tem suas peculiaridades, que valem dentro do seu próprio sistema criado por premissas humanas. E cada um é livre para segui-lo ou não, jamais para o impor aos demais. Isso vale para qualquer outro tema, não apenas para cervejas, saliente-se.

Lei Seca, proibição e contrabando

Existe um ditado que diz que: o que é proibido é mais gostoso.

Eu não diria que é necessariamente mais gostoso, mas diria que é mais chamativo.

No caso em repercussão da Copa do Mundo de 2022, eu não acredito que a maior parte das cervejas que estão sendo contrabandeadas (há relatos de uma Budweiser valer o equivalente a 100 reais no câmbio negro) são mais gostosas. Elas apenas estão sobrevalorizadas pela proibição.

Certamente que qualquer pessoa que tenha noção de como funciona um sistema proibicionista sabe que ele não preza pela qualidade, e sim, pela escassez. Quanto mais difícil de se conseguir o item, mais caro ele vai custar. Assim, pouco importa a sua qualidade, já que coisas sem tanto esmero tendem a valer muito.

O mesmo se aplica ao caso narrado. A proibição da venda de cervejas, limitando-as a alguns hotéis para estrangeiros e aos camarotes dos estádios (pois é, se você for rico, pode beber sua cerveja tranquilamente), faz com que um mercado paralelo seja criado (não usem o termo mercado negro, ele é depreciativo e racista).

A cultura proibicionista faz o consumidor se comportar de maneira errática. Ora desordeira como um adolescente que falsifica uma identidade de maioridade civil (para beber clandestinamente) e ora como um animalesco “queremos cerveja”, como bradaram os torcedores do Equador na abertura contra os donos da casa.

Ademais, o Gianni Infantino, o presidente da FIFA, que se disse perseguido na infância por ser ruivo (?!), teve o despautério de dizer que acha que os torcedores se não conseguem ficar 3 horas sem beber cerveja ao menos conseguem sobreviver a isso… ridículo!

Inobstante, o proibicionismo fomenta o mercado paralelo. O qual já foi responsável por criar monstros mafiosos como Al Capone em Chicago. Talvez não crie alguém tão singular no Catar, mas só por fomentar o contrabando e a inflação desmesurada dos preços das cervejas, já é possível notar como ele é danoso à toda a cultura cervejeira.

Mas lá pode cerveja sem álcool…

Existem alguns argumentos bem ruins para se defender a proibição da venda de cerveja na Copa do Mundo do Qatar. Talvez o da possibilidade da venda de cervejas sem álcool nos estádios seja o pior deles.

Primeiramente, ele é ruim porque é mandatório. Não é uma opção do expectador beber uma cerveja sem álcool (algo que eu até já defendi que vale a pena provar, vide: AQUI). Simplesmente não há opção. Ou se bebe cerveja sem álcool ou se bebe água (o que eu acho bem compreensível, caso se tenha que escolher entre uma Bud sem álcool e água de torneira).

Secundariamente, porque é um argumento hipócrita. Principalmente quando comparado com outro argumento frequentemente utilizado pelos defensores dessa medida: precisamos respeitar a cultura Catari. Existem duas variantes menos pomposas dessa falácia: “meus estádios, minhas regras”, ou “os visitantes devem respeitar o local dos jogos”.

Tal argumento é abjeto e falacioso porque ele é hipócrita. Se ele fosse minimente coerente a proibição de venda e consumo de álcool deveria ser total, em nenhum local, a nenhuma pessoa ou sob quaisquer circunstâncias as bebidas alcoólicas poderiam ser consumidas. Todavia, isso inexiste.

As cervejas (e demais bebidas alcoólicas) são proibidas nas áreas mais populares, nos entornos dos estádios e nas áreas comuns dos estádios. Mas, não são vedadas nos hotéis de luxo ou nos camarotes dentro dos estádios. Ou seja, você pobre de direita, que parcelou sua viagem pro Qatar em 24x sem juros não pode beber. Mas, um riquinho no camarote pode sim.

Como diria o meme: enfim, a hipocrisia.

Saideira

Existe algo que combine mais com a Copa do Mundo do que uma boa cerveja?

Acho que só o hexa! E claro, ele combina com uma ótima cerveja também.

Cerveja é um elemento cultural inarredável da cultura brasileira, e de muitas outras culturas. Vedar o consumo de cerveja equivale a matar o direito humano de liberdade mais básico que qualquer um deve ter acesso.

Mas, na cabeça de algum Sheik qualquer, é uma ótima ideia proibir o seu consumo na época da Copa do Mundo de 2022 para satisfazer a vontade de Allah

Aliás, eu jamais estaria a defender um grande conglomerado capitalista como a InBev (patrocinadora oficial do evento, com sua marca Budweiser). É uma questão muito mais ampla de se ter a liberdade de apenas poder beber uma cerveja em paz assistindo um jogo de futebol… paz!

Recomendação Musical

Usando a noção de desobediência civil de Thoreau e de Luther King Jr., o mais indicado a ser feito diante de uma cultura proibicionista e pouco afeita aos direitos humanos, como a do Qatar na Copa do Mundo de 2022 em relação às cervejas o mais indicado é cantar:

Breaking the Law!

Na voz icônica do mestre Rob Halford, do lendário grupo de NWOBHM: Judas Priest.

Fica esse hino como recomendação musical de hoje! Sempre quebrando as amarras da hipocrisia contra a cultura cervejeira!

Nada mais representativo do que isso diante das atrocidades!!!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês