Uma crônica cervejeira: o Beer Geek

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A história (ou seria estória?) de hoje, não aconteceu.

Mas poderia ter acontecido. Na verdade, não sei se aconteceu ou não.

Mas que poderia, poderia…

Poderia ter acontecido em qualquer bar de cerveja artesanal do Brasil… do mundo, talvez até em Marte. Isto é, somente no caso de os marcianos também gostarem de cevada maltada, lúpulo, misturado na água com leveduras.

Talvez o espécime que eu encontrei seja um marciano. Talvez não, provavelmente se trata de alguma outra forma vivente muito mais peculiar.

Seu visual de lenhador très chic, barba longa, mas que usa boné de aba reta me lembra algo diverso do que um marciano me recorda. As infinitas tatuagens, o óculos de armação grossa até o fazem que eu o confunda com um indie comum.

Ingenuidade minha.

A silhueta denuncia suas “horas-bar”.

Não! Enganei-me, ele parece mais um hipster ávido por torpor etílico.

Sua paixão exacerbada pelas novidades cervejeiras é algo ímpar.

Um desavisado poderia se indagar:

— Esse nauseabundo não bebe corote?

(Apóstata!)

Apenas o vi de relance, mas seus atributos culturais-estéticos denunciam:

— Um Beer Geek!

(Exclamo eu em voz alta, sem perceber).

O que será isso? Será que ele respira oxigênio ou apenas exala as mais altas novidades do mundo cervejeiro?

Que monstro é esse?

Será que seu carro é movido a gasolina ou a hype? Não sei, não tive coragem de perguntar. Ele poderia querer começar a me falar de como trouxe 50827293 garrafas de cervejas ceradas de alguma cervejaria modinha dos EUA.

Melhor não arriscar.

Ou falaria das cervejas que alguém trouxe em uma mala amiga “proibidona” para ele… quem saberá? Se foi assim, o pagamento pelo líquido sagrado foi mega superfaturado e inflacionado.

Oremos.

Ele iria repetir descoordenadamente palavras como Troon, Bottle Logic, Epic, Side Project ou qualquer outro nome de cervejaria hypada, que preferencialmente não faça delivery… o bom mesmo é sofrer na fila de espera de algum evento cervejeiro.

Melhor não perguntar nada.

Ele procurava seu bando. Outros Beer Geeks tão singulares quanto ele. Afinal, li em uma revista de amenidades que a reprodução da espécie, ainda que possa se dar assexuadamente por cissiparidade, precisa de alguma panelinha pro hype prosperar.

Cerveja boa não é a cerveja que de facto é boa. Para o Beer Geek que se empenha em ser o que ele não poderia não ser, cerveja só presta é quando é exclusiva. Só ele e os amiguinhos dele são dignos do deleite do líquido sagrado exclusivo.

Por isso mesmo ele se orgulha de sua “autêntica exclusividade”, por mais que se trajem todos iguais. Falem de modo igual e se regozijem igualmente.

Pois, do que seria a exclusividade se não houvesse a novidade?

(Nada!). Grita uma voz no silêncio.

O Beer Geek rangeu dentes e se contorceu ao ver o display do bar. A cada cerveja pouco exclusiva mostrada ele lembrara daquele seu passeio por Vermont no ano passado…

Poxa!

Ele recordou que deveria ter trazido mais uma bagagem extra para acomodar aquele exemplar cervejeiro entupido de Marshmallow e de favas de baunilha encontradas apenas nas cavernas de Madagascar. Infelizmente, a cota havia estourado. Igual seu limite do cartão de crédito no mês corrente.

Não deu, ficou na vontade, por isso o ranger e o tilintar nauseante.

Seus amigos Beer Geeks chegaram, o grupo de maritacas se formou. O ritual, ops, o Bottle Share começara.  Apenas coisas exclusivas que não se vende nos bares de Pindorama seriam sacrificadas e suas garrafas abertas no altar de Mammon.

Se fosse para beber o que qualquer um pode beber… era melhor beber água. Ele nem estaria ali…

Diante de tanta fugacidade não-trivial, recolho-me à minha ignorância, fecho a conta e saio.

Só sei que nada sei, diria o filósofo.

Eu completo:

— E talvez nem isso.

Vou para o bar da outra esquina e peço apenas um pastel de queijo.

Pensei até em pedir uma Heineken gelada, mas acho que seria julgado mentalmente pelo Beer Geek que estava a uns 200 metros de mim.

Melhor não pedir.

Sou vacinado, não é? Mas, vai que isso é contagioso.

Marcianos, descubram logo a cerveja e venham me buscar.

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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3 Comments

  • Odilene Monteiro

    Como não se deliciar com cada fala tua? Tão crítico, sagaz e maroto (no seu melhor sinônimo)! Alvos atingidos? Creio que não, afinal, não vieram aos montes vomitar aqui nos comentários, sufocados por seus egos inflados de arrogância e estupidez! Um texto bárbaro! Sempre repetitivamente: parabéns!

    • Lauro Ericksen

      Obrigado pelos comentários elogiosos! É o combustível da minha escrita.

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