Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão…
Rubem Alves
Uma das muitas alegrias do retorno presencial às atividades na UFRN é poder frequentar a livraria do campus, também conhecida como Cooperativa Cultural. E que saudade eu estava de poder ir até lá para encontrar amigos/clientes, tomar um café, folhear livros, revistas, conversar com os vendedores/livreiros, as meninas do caixa (Adriano, Lannye, Gislayne, Andrade, Lidiana). Fazer cópias e comprar artigos de papelaria é outro serviço que utilizo bastante desde os tempos da graduação em Letras. Agora estudante de Biblioteconomia, retomei essa rotina e é sempre muito divertido bater um papo com as meninas do caixa ou mesmo com Berg, que cuida da copiadora. Berg é uma figura.
E foi justamente por causa de umas cópias que acabei conhecendo duas pessoas muito especiais na última vez em que estive na livraria. Eu estava na fila do caixa quando escutei uma mulher falando sobre os acompanhamentos para o café. Um assunto do maior interesse, afinal, eu também gostaria que além das coisas doces, houvesse pão de queijo no cardápio. Ela estava acompanhada de um amigo e, enquanto pediam o café, retomaram a conversa. A pauta: livros, mais especificamente o livro “Mentes inquietas”, da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, indicação de um aluno que ela gostaria de levar para casa naquele dia.
Conversa vai, conversa vem, o professor acabou me convidando para sentar à mesa com eles. Mesmo com receio de estar incomodando, aceitei o convite (afinal, o papo estava ótimo), e essa foi a melhor escolha daquele que parecia mais um dia comum na universidade. Nesse momento, fiquei sabendo o nome dos dois amigos que conversavam animadamente na fila do caixa: Jeanete e Ricardo.
Durante a nossa conversa, que girou basicamente em torno de livros, ressaltamos a importância desses encontros presenciais, especialmente depois de dois anos afastados por causa da pandemia. Tão bom poder olhar nos olhos das pessoas enquanto conversamos, observar seus gestos, sorrisos, silêncios. E uma das coisas boas desses momentos são os afetos. Que alegria poder abraçar nossos amigos novamente!
E a conversa foi ficando cada vez mais instigante. E haja indicação de livros. Naquele vai e vem de assuntos, acabamos por descobrir alguns amigos em comum, festejando essas coincidências com uma foto enviada a dois desses amigos. A professora Jeanete Alves, do Departamento de Estatística, é amiga de Tereza Custódio, escritora e professora aposentada (foi minha professora de Espanhol no Cefet). Nos reencontramos depois de uns vinte anos na Academia de Letras e hoje somos amigas e participamos de algumas entidades literárias, o Mulherio das Letras, o Candeeiro Clube de Leitura e a União Brasileira de Escritores (UBE/RN). Jeanete foi colega de departamento/amiga do ex-marido de Tereza, Wilton Queiroz, que partiu durante a pandemia. O professor Ricardo Amaral, do Departamento de Geologia, é amigo de Arthur Cortês, jornalista que conheci há alguns anos no lançamento do livro de Adriano Cruz, também jornalista e escritor, amigo dos tempos de Cefet. Mundo pequeno. Ricardo também é amigo de Manoel Silva, mais conhecido como “Poeta da Passarela”. Aliás, ele e Arthur dois fizeram um minidocumentário sobre o poeta de Touros, o qual está disponível no Youtube. Uma obra sensível que nos faz refletir sobre o valor da arte/poesia e a trajetória dos nossos artistas, especialmente aqueles que não conseguem viver de sua arte, como é o caso de Manoel, que atuou como garçom durante muitos anos e, mesmo depois de aposentado, continua vendendo seus cordéis. Manoel resiste e segue levando seus versos para os transeuntes que atravessam diariamente a passarela que dá acesso a dois shoppings da cidade, seja indo ou voltando da labuta diária.
Voltemos ao papo na livraria. E o tema da conversa girou basicamente em torno da arte. Falamos de literatura, cinema, cultura popular. Eu e Ricardo somos pernambucanos e o Carnaval do Recife e outras manifestações culturais da terra de Lia de Itamaracá, Antônio Nóbrega, Ariano Suassuna, não poderiam ficar de fora dessa pauta. Também falamos da Aldeia Catu, em Canguaretama, e de algumas comunidades quilombolas do RN (tenho vontade de conhecer esses lugares e entender um pouco mais sobre nossa ancestralidade). E por falar em comunidade quilombola, mencionei o trabalho de Suély Souza, outra amiga em comum. Professora de Artes do IFRN, ela estudou uma comunidade quilombola de Parelhas no doutorado, sua terra natal, e sua tese resultou no livro Quilombo Boa Vista dos Negros: cultura, escola e cidadania. Um dos temas investigados pela autora foi a aplicação da Lei nº 10639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas. Tive a honra de ser a revisora dessa obra publicada pela Caravela Selo Cultural, em 2021, sob a batuta do editor José Correia, que tem feito um trabalho primoroso quando o assunto é literatura potiguar. Agradeço ao amigo Aldo Lopes, escritor dos bons, a indicação para o trabalho. Aldo é um mestre da narrativa. Com sua prosa elegante e concisa, ele arrebata o coração dos leitores. Aliás, seu último livro de contos, ainda inédito, está uma maravilha. A obra está concorrendo a uma premiação num concurso literário do estado de Pernambuco.
Voltando à conversa com Jeanete e Ricardo. Turismo de aventura, ideias de projetos para seus respectivos departamentos envolvendo arte e cultura foram outros temas abordados naquela tarde inspiradora. E as dicas de livros/autores foram muitas: Drauzio Varella, Newton Navarro, Ana Cláudia Trigueiro, Tereza Custódio, Nelson Patriota. Mostrei livros de alguns desses autores, entre eles meu mestre Navarro, um dos artistas mais completos do Rio Grande do Norte. Aliás, queria ter mostrado a eles o livro “Frutos de amor amadurecem ao sol”, com as belas pinturas de Navarro, organizado por Angela Almeida e publicado pela EDUFRN em 2015. A obra estava em falta na livraria. Mas os interessados no trabalho do artista podem acessá-la AQUI, no repositório digital da UFRN.
E como se não bastasse o presente que recebera naquela tarde, um encontro inusitado com duas pessoas incríveis, ainda tive uma surpresa ao final do nosso encontro. Descobri que Ricardo Amaral é pai de uma amiga do ensino médio, Maíra Rada. Eu a conheci no Grupo de Teatro Falas e Pantomimas, dirigido pela professora Maria Isabel Dantas na época. Próximo de nos despedirmos, ele comentava que enviaria o livro comprado naquela tarde para sua filha que mora no Rio, que mandaria a nossa foto pra ela e tals. Quando ele disse o nome dela, não sei por que perguntei: “É Maíra Rada?”. Aí foi aquela alegria e, claro, mais uma foto para enviar junto com o exemplar do livro que ele acabara de comprar. Ricardo e Jeanete saíram com “O baú de Filomena”, de Tereza Custódio, e eu com uma obra-prima de Newton Navarro, “O solitário vento do verão” (contos), lançado pela EDUFRN em 2013, livro que ganhei do meu saudoso amigo Nelson Patriota, mas emprestei e não recebi de volta. Espero que o livro esteja circulando em mãos de leitores que se apaixonem pela prosa de Navarro e façam seus escritos ecoarem pelas terras de Poti e pelo Brasil afora. Aliás, como diria Mário de Andrade falando sobre o coqueiro Chico Antônio, o Brasil precisa conhecer melhor Newton Navarro.
Encerro a crônica de hoje com o coração transbordando de alegria e com a certeza de que outros encontros virão. Se forem na Cooperativa, melhor ainda. Espero, também, que o nosso pedido de inserção do pão de queijo no cardápio do Café seja atendido. Agradeço a Jeanete e a Ricardo pela partilha de hoje. Agradeço, também, o afeto e a confiança para uma conversa tão descontraída com alguém que acabaram de conhecer.
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Essa crônica foi muito além de um mero encontro entre um casal e a revisora/cronista Andreia Braz… Com sua verve e sua memória afetiva, a cronista Andreia nos propicia uma série de encontros dentro desse encontro. Uma narrativa fantástica que vai espiralando e passeando por inúmeras personagens que lhes são caras… Parabéns, querida amiga… Você é “a cronista”! Grande abraço!