TERRA ESTRANGEIRA: Uma outra economia dos sorrisos

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Sintra – Portugal, 12 de Julho de 2006

Almoçageme esteve fria por dois dias, com a névoa cobrindo totalmente a visão do Convento dos Capuchinhos, no Parque Nacional de Sintra, lá em cima da serra. Isso já torna a minha primeira impressão do verão português bem mais gelada do que a do pior inverno que eu tenha passado em Natal.

Então, como estava frio e nublado, fizemos aquilo que parecia mais racional em uma situação climática desfavorável e fomos em busca de um café na rua Brandão de Vasconcelos, no caminho para a praia da Adraga. Logo na entrada do café já percebo que não deve ser fácil a vida de um bebum em Portugal. Uma lei (seria uma lei municipal?) proíbe a venda de bebidas para menores e para pessoas visivelmente embriagadas. Também é proibido que menores e essas tais pessoas “visivelmente embriagadas” bebam em público. Não que você não possa se embriagar, mas o que não se pode fazer é estar visível quando estiver se embriagando. Isso, diga-se de passagem, torna qualquer carnaval uma atividade criminosa, ao menos pelas ruas estreitas, espremidas entre as colinas da beira mar e aquela serra que teimosamente se esconde da nossa vista atrás da névoa.

Se beber em público é proibido, fumar, por sua vez, é totalmente liberado.

Bem… eu sempre soube que essa paranoia antitabagista é mesmo uma coisa anglo-americana. Em Portugal não há muito pudor em se fumar em público e todo mundo fuma em lugares fechados e ninguém diz um ai sobre isso. Não tem renite, asma, coceira, tosse ou crise alérgica que impeça a turma de botar a fumaça pra fora com força no ambiente interno dos cafés. No Brasil, pode até dar cadeia, degredo, confisco de bens e confinamento em campos de extermínio de fumantes. Já beber…

O fato é que meus cigarros acabaram e, como eu sou um fumante vagabundo (desses que fumam dois ou três cigarros por dia), vou tentar ficar essa viagem na contra mão só pra carimbar o coro dos contentes. Se não posso me embriagar em público pelas ladeiras de Almoçageme, como se estivesse no carnaval do pelourinho, então também não vou fumar para não dar o braço a torcer.

O importante é que no café da rua Brandão de Vasconcelos há dois sujeitos que parecem ter saído de um cartum dos anos 50. Um careca de óculos e um outro de barba fechada e olhos apertados. Eles existem. Devem ser os donos do lugar. Quem sabe irmãos? Quem sabe primos? Sócios? Ou até mesmo um casal que resolveu abrir um negócio? Vai se saber…

Um (o de careca de óculos) fica sempre no balcão. O outro (o de barba fechada) atende aos clientes. Ficamos um pouco constrangidos quando tentamos pedir alguma coisa para comer. O sujeito de barba fechada parecia muito irritado. Puto com alguma coisa. Sisudo, ele nos atendia com palavras curtas e diretas, como se estivéssemos a cometer algum tipo de ofensa pessoal em tentar saber o preço do polvo ou se o bacalhau era ou não era salgado demais.

Fiquei com medo de perguntar aonde ficava o banheiro e levar uma patada.

Mas rapidinho a impressão de grosseira se desfez. Helena (minha filha de dois anos) irritada e com sono, começou a chorar na cadeira. Então, o barbudão com cara de mau, chegou junto e começou a brincar com ela.

Foi ai que eu entendi. Eles não são grossos. Não são rudes. São só sérios.

Há como se perceber bem a natureza de um povo pelo modo como ele lida com a economia dos sorrisos.

Nós, brasileiros, sorrimos o tempo todo. Facilmente. Por qualquer coisa. Por nada. Em outros lugares do mundo o sorriso é mais caro. Talvez haja um estoque limitado de sorrisos, o que faz com que as pessoas relutem e desperdiçar sua cota.

Quando Levi-Strauss conheceu os Bororo, tribo do estado do Mato Grosso, ainda na década de 30 do século passado, registrou que eles passavam boa parte do dia a se bater jocosamente, se pegar trocando carícias  nas redes e “rindo à toa”, sem um motivo aparente.

Mal costume de brasileiro esse meu de achar que a simpatia ou a sensibilidade de alguém pode ser medida só por um sorriso. Tem vezes que a seriedade também guarda sua dose de doçura, assim como às vezes o sorriso é a véspera da facada, ou do escarro, como poetava Augusto dos Anjos.

Isso a gente aprende rápido no Brasil.

Pablo Capistrano

Pablo Capistrano

Escritor, professor de Filosofia e Direito do IFRN. Dramaturgo do grupo Carmin de Teatro.

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