Precisamos debater o Teatro Sandoval Wanderley ou um novo teatro

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Eu podia tá roubando, matando ou ratificando o manifesto da Rede Potiguar de Teatro para ficar bem na fita com a classe. Até porque é uma declaração legítima e um debate necessário, de simbologias para além do fim do Teatro Sandoval Wanderley.

Mas tenho opinião contrária e me sinto também no dever, por ofício, de expô-las. Talvez incentive a discussão necessária em torno do tema, contra ou pró, antes das primeiras ações efetivas do município e da iniciativa privada para derrubada do Teatrinho.

Na minha concepção a situação se assemelha a do Hotel Reis Magos, no aspecto de prédio tradicional falido. Há também aquele sentimento nostálgico de reviver velhos tempos, da saudade da época glamourosa do equipamento e daí a dificuldade em aceitar o fim.

Foto: João Maria Alves

No caso do TSW há ainda o componente cultural. E o pior: a substituição do cultural pela simbologia mor do neoliberalismo: um shopping.

Mas a César o que é de César. O Alecrim, durante décadas, alimentou o mercado e se tornou um bairro eminentemente comercial.

Hoje o Sandoval está cercado por um Banco, um camelódromo e outros comércios. Com o Teatro reformado, qual a logística de estacionamento e segurança?

Esse adendo cultural morreu por ali e não será a retomada do teatro que irá resgatar essa aura. Evidente, há uma memória sócio-afetiva que será apagada. Em troca, a construção de um teatro novo, em um bairro vocacionado à cultura que, ao contrário do Alecrim, tem alimentado essa essência ao longo de décadas. E mais: substituirá uma fachada em ruínas, colaborando para melhor imagem da Ribeira.

O Alecrim vai ganhar uma estrutura nova para reforçar o que já existe. A “gentrificação” citada é algo concreto, consolidado no bairro. Não é o shopping que irá trazer. Já faz parte da dinâmica e isso já conta décadas. Não se estará demolindo um equipamento pleno que oferece opção de entretenimento com forte engajamento comunitário. Ou eu seria radicalmente contra.

O Teatrinho, aposto, sequer faz parte do imaginário popular dos cada vez mais raros residentes do Alecrim. A Prefeitura retirará do local um prédio morto, vivo apenas na memória e no saudosismo da classe cultural e antigos frequentadores que, em essência, não são velhos moradores ou comerciantes do bairro. Ou seja: não há nem haverá esse envolvimento.

Portanto, penso eu, o Sandoval perdeu sua função social. Sim, o poder público deixou isso acontecer. Não essa gestão, ou também essa gestão. Fato: o Alecrim foi tomado pelo comércio e, no meu exercício de vislumbre, pouco adiantaria a retomada do teatro.

Se entenderam bem, não sou favorável à troca de um teatro por um shopping (ou o que for). Fosse essa troca na Ribeira os argumentos seriam outros. Sou favorável à troca de um equipamento falido funcional e socialmente, por um prédio de mesmo cunho cultural e novo, em bairro mais vocacionado a recebê-lo e aberto e apto à presença da população e dos artistas.

Outro aspecto – um meio termo

Shopping é um fantasma existencial particular no qual não faço questão de superar. Não gosto. Acho sem vida ou de vidas superficiais, motivadas por fins não só de consumo, mas de vaidade. Um lugar sem céu, sem vento natural, sem realidade pura, portanto, alienante.

Mas a construção de um shopping num bairro voltado ao comércio me parece congruente, a priori. Tenho alguma cisma pela possibilidade de ferir a essência do Alecrim – esta, sim! – do comércio popular. Não seria melhor organizar o comércio, como o próprio prefeito fez na feirinha livre no bairro das Rocas?

Mas tomando a concretização do shopping, um argumento que vi na timeline do facebook é bem interessante: por que não um teatro dentro do shopping? Menos mal! Aí sim, teríamos estacionamento, mais segurança e um atrativo à população e aos comerciantes do bairro; clientes do bairro teriam comodidade para ir ao teatro e etc.

Teatro dos Quatro, na Gávea – RJ

O shopping, como se sabe, é ponto de encontro – principalmente em Natal, onde tudo gira em torno do Midway, inclusive manifestações contra governo capitalista. O equipamento daria vida ao local (mesmo que seja a vida que falei acima) e atrairia gente do bairro ao teatro pós expediente, por exemplo.

O teatro, por si só, não tem essa atração, infelizmente. Precisa da força sedutora do shopping. Então, penso, que assim como se vê em outras praças Brasil afora, um teatro, mesmo pequenininho e aconchegante, no shopping, seria ótima opção para o bairro. Uniria o útil ao consumo desagradável.

Agora, seja no shopping, na Ribeira ou no Alecrim, esse novo teatro terá qual essência? Qual a abertura, valor de pauta e incentivos à produção teatral local? Qual trabalho de formação para a comunidade? Esses temas talvez mereçam igual atenção.

Essa é minha opinião. Segue abaixo o Manifesto da Rede Potiguar de Teatro. Importante que se leia e se forme a sua visão a partir dos seus conceitos. E principalmente, que se debata o tema antes que seja tarde demais. A postagem da Rede já conta com mais de 200 compartilhamentos!


Manifesto da Rede Potiguar de Teatro

O prefeito Carlos Eduardo realizou uma reunião com artistas da Rede Potiguar de Teatro, em 2015, e prometeu viabilizar a revitalização do Teatro Municipal Sandoval Wanderley, a construção de um novo teatro na Zona Norte e a continuidade do projeto Natal em Cena. Nos anos seguintes as promessas não foram cumpridas. Ele vetou a reforma do teatro prevista na Lei Orçamentária em 2016, cancelou o Natal em Cena, fechou a escola de teatro municipal e NÃO VAI construir um novo espaço teatral na Zona Norte.

Não sendo suficiente o fato da cidade estar carente de espaços destinados a apresentações e performances teatrais, ventila-se a possibilidade do Sandoval Wanderley dar lugar a um shopping. Sim, um SHOPPING! A Prefeitura pretende transformar o Sandoval Wanderley em um shopping, modificando a identidade popular do bairro, prejudicando comerciantes autônomos e apagando a memória social do bairro histórico do Alecrim. O nome disso?! Gentrificação.

Seguindo o script em situações onde há o conflito entre direitos paisagísticos, ambientais, históricos e culturais e direitos patrimoniais, imobiliários e empresariais, lança-se a FALSA PROMESSA da “geração de emprego e renda”, muito frequentemente utilizada para justificar o dilaceramento do patrimônio público pelo capital financeiro. Primeiro, a simplificação: “o bem está ocioso, sua reforma custa caro e precisamos dar uma finalidade ao imóvel”, conferindo-lhe função social. Todavia, esta função social já existe (ou existia): a de ser um espaço destinado à realização de atividades culturais. O que houve com ela? Por que não mais existe? Alguém a inviabilizou? Por qual razão?

Embora as cidades sejam o principal local onde há a reprodução da força de trabalho, nem toda melhoria das condições de vida se torna acessível por meio de melhores salários ou mais distribuição de renda, de maneira que dependem em larga escala da efetivação de políticas públicas urbanas como transporte, saneamento, educação, moradia, saúde, lazer e cultura. O que ocorre, todavia, é a apropriação desigual de todo o grande patrimônio urbano construído histórica e socialmente pela dinâmica da renda imobiliária ou de localização.

A transformação do Sandoval Wanderley em um shopping diz respeito a algo que vai muito além do simples debate acerca dos valores de uso e de troca de imóveis urbanos. Ao contrário do que costuma pregar o discurso da “geração de emprego e renda”, trata-se de uma disputa que tem como pano de fundo qual o modelo de cidade desejamos: se fundado no aprofundamento dos laços comunitários e sociais ou na sua transmutação em um imenso espaço destinado à satisfação pessoal por meio do consumo.

É o nosso direito de optar por uma cidade ajoelhada aos imperativos da especulação e dos interesses empresariais enquanto falso valor civilizatório e gerador de empregos, ou por uma cidade voltada ao gozo não patrimonial de espaços públicos destinados à concretização de direitos individuais e coletivos como a cultura e o lazer.

É o direito à cidade que está em jogo, por isso essa campanha contra a demolição do Teatro Sandoval Wanderley vai muito além dos anseios da classe artística. Essa luta é pelo bairro do Alecrim!

#NatalSalveOSandoval
#SalveOAlecrim
#NenhumTeatroAMenos


SAIBA MAIS (fonte: Wikipédia)

O Teatro Sandoval Wanderley foi o segundo a ser construído em Natal, em 1962 — o primeiro foi o Teatro Alberto Maranhão, em 1904 —, e tem capacidade para cerca de 150 espectadores. Leva o nome do ator assuense Sandoval Wanderley, que criou os grupos Conjunto Teatral Potiguar (em 1941) e o Teatro de Amadores de Natal (em 1951).

Durante as décadas de 1980 e 1990, o teatro foi amplamente utilizado para peças infantis e de grupos teatrais pequenos, e para gravação de programas de TV e apresentações musicais de gêneros diversos, como grupos de chorinho e bandas de rock.

O teatro ficou abandonado durante muitos anos até ser interditado por tempo indeterminado pelo Corpo de Bombeiros e Ministério Público, em 2009.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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