O serviço da cerveja em vários estilos

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Salve, salve, cervejeiros!

Alternativamente, o título do texto de hoje poderia ser (na verdade, era esse, e eu acabei mudando de última hora): como servir corretamente sua cerveja.

Acredito que qualquer um dos dois transmite adequadamente o espírito do que tem que ser dito. Existem certas peculiaridades em servir uma cerveja artesanal, e tais peculiaridades podem (aliás, variam) variar em função do estilo da cerveja.

Por vezes, não varia especificamente em função do estilo, e sim das técnicas de produção atualmente aplicadas a certos estilos (ainda que não obrigatórias). O que faz com que as cervejas daquele estilo, em sua maioria, necessitem que o serviço seja feito de uma melhor forma para que se tenha uma melhor experiência de degustação.

Pode parecer besteira, ou apenas um cuidado exagerado, alguns podem dizer. No entanto, o serviço adequado da cerveja engrandece de sobremaneira a experiência. Com um serviço bem feito, atentando para as peculiaridades dos estilos e das técnicas produtivas de cada cerveja, o resultado obtido após o líquido ser vertido no copo ou na taça é excepcional.

Por causa dessas filigranas e dessas especificidades que o texto de hoje foi pensado e elaborado.

Então, vamos aprender a servir algumas cervejas?

Estilos clássicos: Weissbier e estilos belgas

Inicialmente, vamos começar falando do tema a partir dos clássicos. Para tanto, vamos falar do estilo clássico alemão Weissbier, as famosas cervejas de trigo, e dos estilos belgas, que tendem a seguir o mesmo padrão de serviço entre eles.

Primeiramente, cabe destacar que ambos os estilos tratados nessa seção tendem a ter uma mesma característica prevalente, a grande quantidade de sedimentos, advindos das leveduras utilizadas, já inativas. Ainda que ambos tenham essa característica em comum, o serviço será diferenciado entre eles.

Inobstante, quando se opera o serviço das Weizen, tem-se toda uma ritualística diferenciada. Seu copo imponente, bem “acinturado”, já que no meio ele é mais fino, é o primeiro cartão de visitas do serviço.

Ele deverá ser inclinado em 45 graus e a garrafa deve ser servida quase que em sua totalidade, deixando apenas um pouco de líquido a ser revirado com os sedimentos. Aí vem a parte mais charmosa de todo o procedimento.

A garrafa deve ser balançada, com movimentos circulares, promovendo o revolvimento do que nela sobrou e em seguida o líquido deve ser vertido com o copo já em pé. Esse é o toque final no serviço, o qual promove a turbidez singular pela qual as cervejas de trigo são famosas.

Já os estilos belgas, que normalmente também possuem uma grande deposição e leveduras no fundo da garrafa, devem ser servidos de uma maneira bem diferente das cervejas do estilo Weissbier.

A princípio, recomenda-se que a garrafa não seja muito agitada ou revirada, já que, por contarem com uma alta carbonatação (na maioria dos estilos), além de juntar o líquido com os depósitos no fundo da garrafa, também gerará mais gás ao servir.

Como nesses estilos belgas a turbidez não é uma característica inata (exceto na Witbier, ressalte-se), tampouco convidativa ao visual, não há a necessidade de revolvimento do final da garrafa, junto com as leveduras. Nesse caso, pode-se servir até o máximo de líquido livre de resquícios sólidos em suspensão.

Claro que, deve-se fazer a ressalva de que, havendo o serviço do final da garrafa, com possíveis leveduras, não se prejudica de um todo a degustação da cerveja. Contudo, é de bom tom tentar evitar o serviço com os dejetos finais da garrafa para os estilos belgas.

Russian Imperial Stout’s (ou, geralmente, Pastries com adjuntos)

Um dos estilos modernos que gera uma maior quantidade de dúvidas sobre como deve ser servido são as Russian Imperial Stout’s (RIS), em destaque as cervejas do segmento Pastry Stout. A depender do tempo de decantação, nas RIS que não levam adjuntos, é bem pouco provável que haja muita deposição de sedimentos, então sobre elas não há muitas observações a serem tecidas.

O mesmo não pode ser dito sobre as Pastries Stout’s, uma vez que, em virtude da quantidade e da natureza dos adjuntos, é bem provável que haja bastante resíduos decantados, ainda que ela não tenha passado muito tempo de envase (ou enlatamento).

Nesse ponto, há opiniões dissonantes. Há quem diga que o ideal é não servir a parte residual dos adjuntos, e há quem entenda que é benéfico servir completamente. Eu, particularmente, acho que depende. Depende tanto dos adjuntos, quanto do perfil que se pretende reforçar na degustação.

Exemplificativamente, o uso de baunilha em fava usualmente gera bastante resíduo no fundo das latas ou garrafas das cervejas do estilo em apreço. Eu acredito que o acúmulo dos restos do produto utilizado não gera nenhum aroma ou sabor depreciativo na cerveja, não a deixa mais adstringente nem nada do tipo.

Então, acho recomendável servir por completo. A não ser que a pessoa que irá degustar se incomode com o aumento da turbidez e consequente aspecto que isso gera no resultado final. O decréscimo, na situação vislumbrada, seria meramente estético e visual, não impactando sobremaneira o aroma ou sabor.

Como mencionado, servir ou não a integralidade do líquido vai variar pelo adjunto. Caso sejam frutas, a recomendação também é de servir totalmente. Um exemplo de adjunto que eu não recomendaria servir é a lactose, a qual pode condensar e decantar com o passar do tempo. Como ela tem um aspecto viscoso, dá uma sensação grudenta na boca, nada recomendável.

Assim, ao se falar das Pastries Stout’s, a recomendação de servir ou não o residual é bastante variável, tanto em função daquilo que se pretende reforçar em termos de análise sensorial, bem como da natureza do adjunto utilizado na produção.

Smoothies/Pastries Sour’s e seus pedaços de fruta

No caso do estilo em questão, serve a mesma recomendação feita para as Weizen e também para as Pastries com adjuntos.

As cervejas que se encaixam nesse “estilo” provavelmente são as que possuem um maior volume de carga de resíduos após o seu envase ou enlatamento. A maior quantidade de sedimentos depositados no fundo do recipiente, diferentemente da maior parte dos estilos anteriormente comentados, não deriva nem de levedura nem de acúmulo de proteínas.

No caso das Smoothies é comum que muita fruta in natura seja utilizada nas mais variadas fases do processo produtivo, inclusive, na maturação. Toda a carga vegetal inserida na maturação tem pouca ou quase nenhuma dissipação ou integração no produto final. Em virtude disso, existe um “excesso de trüb” (leia mais sobre o que é trüb CLICANDO AQUI) na cerveja, que, nada mais é, do que pedaços inteiros das frutas utilizadas.

Como é normal haver a decantação dos sólidos em suspensão, mesmo que a cerveja seja consumida tão logo esteja pronta, as Smoothies apresentam uma quantidade altíssima dos sedimentos, das próprias frutas usadas na sua confecção. Assim, como se trata de um adjunto e de uma forma de produzir a cerveja, não há motivos para não servi-la com tudo que houver no fundo da lata ou da garrafa.

Aliás, a recomendação a ser dada, nesse caso, nem é o mero revolvimento do líquido no final do serviço. Aconselha-se que a lata (ou garrafa) antes de sequer ser aberta deve ser virada de cabeça para baixo, para que haja uma melhor integração entre os sólidos suspensos e o líquido, uma homogeneização mais uniforme de todo o líquido.

Certamente que mesmo chacoalhando a cerveja antes de servir é possível que ainda sobre algo no fundo do recipiente após todo o líquido ser vertido. A recomendação persiste de forma mais enfática, caso fique algum pedacinho de fruta sem cair no copo, raspe com uma colher o que tiver na lata ou garrafa!

Só para constar, a última frase é apenas uma licença lúdica, não precisa de tanto, basta revolver bem o líquido e tentar servir até o último resquício de sedimento.

Como servir sua Hazy IPA

De todos os estilos comentados até agora, eu acredito que este seja o que merece mais atenção e cuidado ao ser servido: as Hazy IPA’s. Apesar de ser o estilo mais em voga no momento, ainda é o que gera mais dúvidas sobre como deve ser servido.

A dica de serviço primordial para as Hazies é: não servir toda a lata/garrafa de forma alguma!

Não se trata de uma mera recomendação, para se ter uma melhor percepção sensorial da cerveja a ser bebida é fundamental que ela não seja servida em sua integralidade.

Ademais, é de uma importância que a lata/garrafa não seja agitada e seja mantida na posição vertical durante todo o seu armazenamento. Essa necessidade é acentuada em virtude da decantação, que, se porventura houver (e certamente haverá), fará com que resquícios de levedura e a maior parte das proteínas (polifenóis) fique concentrada no fundo.

Não servir o recipiente cervejeiro em sua totalidade ajudará bastante na (não) percepção intensificada do Harsh (leia mais sobre ele aqui também). É o excesso de material particulado advindo dos lúpulos que ocasiona a percepção adstringente em boca, que ocasiona o malfadado Harsh.

Claro que é possível, nos casos de cervejas menos equilibradas, perceber o indesejado Harsh mesmo que um serviço correto e irretocável tenha sido efetuado, evitando a parte que continha o trüb. Todavia, em um serviço executado de forma escorreita, as chances de diminuir a percepção indesejada são maiores ainda, favorecendo uma degustação ainda melhor.

A melhor experiência possível de se degustar sua Hazy IPA é bebê-la e poder apreciar ao máximo suas notas lupuladas. Conseguir alcançar as notas florais, frutadas e até mesmo o Dank exige não apenas habilidade sensorial, mas também um serviço bem feito, que tente evitar ao máximo o excesso de carga vegetal trazido pelo trüb e, consequentemente, a prevalência do Harsh.

Daí a necessidade de não servir a lata por completo, deixando sempre pelo menos uma medida pouco precisa de “aproximadamente dois dedos” no recipiente. Se, porventura, antes mesmo dessa medida aproximada já for notável algum sedimento na taça ou no copo, tem-se uma sinalização clara de até onde a cerveja deve ser servida.

Saideira

O texto de hoje buscou trazer algum conhecimento mais prático, indicações de como servir corretamente alguns estilos cervejeiros. Claro que ele não desceu às minudências de tentar abordar rigorosamente todos os estilos contidos nos manuais cervejeiros. Além de não haver espaço hábil para tanto, ficaria um tanto quanto repetitivo.

Por causa disso, o foco foi trazer os estilos mais habituais do momento e também aqueles que geram alguma dúvida. Em geral, recomenda-se a liturgia básica quando não se souber que há alguma peculiaridade para o estilo: inclinar o copo em 45 graus até servir ¾ da garrafa ou lata, e no último quarto tentar servir o líquido sem despejar os resíduos (que tendem a ser leveduras ou proteínas).

Os estilos mais em voga ou que possuem alguma particularidade interessante foram mencionados e tais especificidades mencionadas. As quais, costumam a ter um tratamento diferenciado, levando a totalidade (ou não do líquido) a integrar o serviço completo do ritual cervejeiro.

Espero que o texto sirva como um guia prático e ajude quem tem alguma dúvida na hora de executar uma das partes mais importantes da degustação: fazer um serviço bem feito é essencial!

Recomendação Musical

Coincidentemente, a noção de “fazer o serviço” das cervejas, ou seja, a melhor forma de deixa-las pronta para se beber, trouxe-me a memória, ainda que de maneira aleatória, a música Soldiers Under Command, da banda de Glam Metal cristã chamada Stryper.

Algo relacionado a serviço e estar sob comando (de Jesus) … talvez essa seja a mensagem que de modo transversal passou na tangente do meu pensamento.

Decerto, de forma também justaposta, a música, de uma banda cristã que toca Heavy Metal, de alguma forma fala sobre o próximo domingo de eleição. Quando teremos um lobo em pele de cordeiro se fingindo de cristão… certamente, os verdadeiros soldados da fé rejeitam esse “capetão”, taokei?

Fica a dica para liquidarmos a fatura no primeiro turno mesmo!

Enfim, apreciem essa bela música com uma cerveja muito bem servida com as técnicas sugeridas!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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