Das saudades cinzentas do cais do porto

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Falar da saudade é remoer sentimentos confusos. Se há uma nostalgia gostosa a se lembrar, há também uma sensação doída de um tempo de nunca mais.

Nestes tempos frios, de céus cinzentos, de maior recolhimento e introspecção, as saudades do ontem afloram com mais intensidade. É que o passado aparece colorido nas lembranças e tentam contagiar a tristeza nestes invernos, como se o verão carregasse um resto de alegria que ainda passeava pelos corredores da alma.

Mas há também, e o amigo leitor deve concordar, aquelas recordações mais corroídas, saudades de pedra, melancólicas como um cais de porto nestes dias cinzentos de inverno. E o cais parece carregar as saudades do mundo. O mar daquelas beiras não é rio, de correntezas sempre mais agitadas e fugidias. O mar do cais é cansado, fatigado das aventuras. Se em algum instante parece apressado é quando rebenta nas falésias. É que quando o mar se aproxima do cais, ele acelera seu compasso lânguido na ânsia da chegada, do encontro com a areia da praia, seu porto seguro.

Se o mar carrega também o instinto de destino, um quê de solidão visível apenas nas beiradas do porto, assim também são as embarcações. Egressos de viagem, ali encontraram seu porto, seu descanso. No cais, os grandes saveiros ou os pequenos paquetes parecem morrer de tédio, ancorados naquela paisagem de cinza e ventos gelados. Parecem saber de sua missão de carregar esperanças efêmeras e deixar saudosos os que do cais acenam num último suspiro de alegria, quando de viagem regressa.

É que é do cais, amigo leitor, de onde partem os acenos mais tímidos, as palavras mais caídas. É do cais onde os sonhos e esperanças renascem para corroer lembranças pelos restos dos anos. Do cais, os sussurros de náufragos estão à escuta e os ventos, mesmo adormecidos, são mais livres. É daquela paisagem triste de esquina marítima de onde parte a construção de um passado de lembranças doídas, cristalizadas, quase mortas, cinzentas como o cais do porto, ou geladas como as saudades.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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