Ruben G Nunes: 36 anos de um livro inovador

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O sociólogo, literato e professor Antonio Candido afirmou no seu livro “Literatura e Sociedade”: “Se não existe literatura paulista, gaúcha ou pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira manifestando-se de modo distinto nos diferentes Estados”.

Ao mesmo tempo que nos alegramos, refletindo com a brilhante afirmação do mestre Candido, reconhecemos que, infelizmente, muitas vezes, essa constatação é ignorada, simplesmente pelo fato de estarmos distante dos grandes centros culturais do Brasil. Na maioria das vezes, nossos escritores são injustamente subestimados, sobretudo por residirem em um país com dimensões continentais, como o nosso. Quando passamos um olhar pelas regiões periféricas do território nacional, vemos no Rio Grande do Norte, uma espécie de barreira intransponível, construída por um injusto pensamento provinciano, menosprezando o que é feito pelo seu povo, valorizando apenas o que vem de fora.

Enfim, refletimos sempre sobre essa questão, para tentar compreender porque determinados trabalhos literários, dos mais variados gêneros e autores, produzidos aqui no Estado, não conseguem ultrapassar a barreira cruel desse muro imaginário. Dentre inúmeros casos que já citamos, temos mais um: o livro ‘Gestos Mecânicos’, publicado em 1983, pelo escritor Ruben G Nunes.

GESTOS MECÂNICOS

Gestos Mecânicos é um romance que se destaca na carreira do veterano autor que, no início dos anos 80, deu um salto significativo na sua produção literária, ao escrever uma ficção em que se percebe a influência de James Joyce, o célebre autor de ‘Retrato do Artista Quando Jovem’ e ‘Ulysses’. Com esse livro Ruben G Nunes ganhou o “Prêmio Elias Souto” e o “Prêmio Câmara Cascudo” do ano de 1981.

Partindo de algumas experiências pessoais, Ruben G Nunes recriou o real, dando origem a um fato ficcional, e através dele conseguiu transmitir suas ideias e emoções ao mundo. É desta maneira que a literatura se revela como um objeto vivo, uma verdadeira relação eficaz do escritor com o seu meio. Com bastante desenvoltura, o escritor narra alguns dos principais fatos e figuras da cidade do Natal, das décadas de sessenta, setenta e oitenta, com destaque para os personagens, alguns bastante conhecidos no meio cultural, e especialmente à sua linguagem.

Carioca radicado em Natal, Ruben Guedes Nunes, Oficial da Marinha, aqui veio residir em 1960 já como 1º Tenente, na Base Naval. Ruben criou raízes em Natal, enveredando pela literatura, em estreia com o livro de poemas, ‘Tempos Humanos’ (1971) prefaciado por Câmara Cascudo, que exalta a beleza do trabalho literário do então jovem escritor.

Nos anos seguintes Ruben dá inicio a sua saga de ganhador de concursos literários, ao obter menções honrosas no Prêmio Câmara Cascudo 1978 e Prêmio Fundação José Augusto 1979. Ainda nessa década é um dos premiados no concurso “5 Contistas Potiguares”, promovido pela Fundação José Augusto. Porém, é no início dos anos 80 que ele dá um salto significativo na sua produção literária, e entra para a história da literatura potiguar, ao escrever Gestos Mecânicos.

Outro romance de valor do autor, ‘Dotô, Casa Comigo?’ venceu o Prêmio Câmara Cascudo em 1982, mas só foi lançado em 2003. Dotô, Casa Comigo? nos dá “a visão impactante do pequeno mundo de um manicômio a sugerir reflexões, contando a história de um amor fraturado”, como foi dito em estudo sobre a ficção potiguar (p.226). De permeio, uma narrativa de ficção científica.

LITERATO MAIS PREMIADO DO RN

Professor aposentado do Departamento de Filosofia da UFRN, graduado em Filosofia, Mestre em Filosofia Politica, Doutor em Filosofia da Educação, Pós-doutor em Metafísica pela PUC/RS, Ruben G Nunes, publicou também ‘Re(des)construção da Filosofia’ (ensaio) dentre outros trabalhos na sua área de atuação como pesquisador.

Mais recentemente, em 2015, lançou um novo romance, ‘O Ponto Oco’ (Prêmio Câmara Cascudo de 2007), e em 2017, um livro de Poemas/Crônicas, ‘Xanavá – Porra de Poemas -Croniketas da Burakera’. Está incluso no trabalho ‘Ficcionistas Potiguares’ (2010) de Manoel Onofre Júnior, é citado por Tarcísio Gurgel no livro ‘Informação da Literatura Potiguar’ (2001), e foi incluído na ‘Coletânea Novos Contos Potiguares (2017), organizada pelo jovem escritor mossoroense Thiago Jefferson Galdino, obra que traz contos inéditos de novos, e também, de veteranos, e nos deu interessante depoimento para o livro ‘Impressões Digitais – Escritores Potiguares Contemporâneos, Vol. 1’ (2013).

Ruben G Nunes, que escreve semanalmente para o blog “Papo Cultura”, do jornalista Sergio Vilar, anuncia ainda para este semestre a segunda edição de ‘Gestos Mecânicos’, pela CJA Edições.

Concluímos alertando aos leitores para o risco de um romance da categoria de ‘Gestos Mecânicos’, entre outras boas obras, ser ofuscado pela falha na distribuição dos livros, bem como pelo fato de o autor não morar num grande centro cultural. Citando o escritor Rômulo Wanderley, autor de ‘Panorama da Poesia Norte-rio-grandense’ (1965), “jamais se escreverá corretamente a História da Literatura Brasileira enquanto não se fizer o exato balanço das nossas literaturas regionais”.

Muita coisa, da maior importância (que é o caso do romance de Ruben G Nunes) “estanca” na província, não conseguindo ultrapassar os limites que injustamente a separam dos grandes polos culturais.

Escritores de inestimável valor veem suas obras fulminadas por uma tremenda conspiração de silêncio, apenas porque não trocaram o “sossego” da província pelo tumulto das grandes metrópoles.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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2 Comments

  • Ily Maros

    Excelente texto, que de forma sucinta e desafiadora descreve e mescla a história literária e de vida desse nosso marujo – escritor.- desfilósofo. Parabéns!

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