Retrospectiva 2020: TOP 5 das melhores cervejas

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Hey, Kiddos!

Certamente, é uníssono se dizer que o ano de 2020 foi igual o nome do ator que interpreta o protagonista do filme Matrix, no particular modo de dizer do saudoso “Mumu da Mangueira”: Keanu Reeves! Difícil contestar que não, pelos motivos que todos sabemos…

De toda maneira, buscando entrar no clima de final de ano, vamos montar um top 5 das melhores cervejas do ano, pareadas com um álbum musical (e uma música representativa dele), atribuindo notas e justificando as notas dadas.

No final, será apresentada a “decepção”, a contraposição dialética hegeliana do top: o fundo do poço – eu sei que vocês estavam com saudade, eu estive bonzinho demais nas últimas publicações.

O requisito de análise do top 5 é: a cerveja foi lançada em 2020 (e o álbum também), e degustada (ouvido) ainda em 2020. Perdoem a maior extensão de hoje, não foi fácil resumir tudo isso.

#1 – Gran Finale da Artorius

Ainda que tenha “Finale” no nome, é a Gran Finale abre a enumeração das melhores do ano. No meu Untappd, foi a única cerveja a atingir nota 5/5, numa escala de 100 pontos, eu daria 100 pontos também. Trata-se de uma English Barley Wine Barrel Aged, maturada em Barris que anteriormente continham vinho do porto (Ex-Port).

O estilo, por si só, já é um deleite, e ele foi trabalhado de forma majestosa pelo cervejeiro, conferindo notas amadeiradas, doces e de muitas frutas vermelhas, uma cerveja com o barril bem integrado e de alta complexidade. Uma experiência única, que realmente mereceu uma coluna dedicada quase que inteiramente a ela (clique aqui).

Incrível ver o patamar (#otopatamar) que uma cervejaria potiguar foi capaz de alcançar com esse petardo! Parabéns aos envolvidos!

#1 musical – Kaatayra

Na minha lista geral de avaliações musicais (ainda que inicialmente dividida por estilo), o top 1 foi para o álbum Só Quem Viu o Relâmpago a Sua Direita Sabe de Kaatayra, one-man band de Brasília, formada por Caio Lemos.

O destaque dessa obra prima é o fato de ser um álbum de Black Metal totalmente acústico (e ainda assim ser Black Metal, afinal, uma palhetada em tremolo é perceptível mesmo no violão) e cantado inteiramente em português.

Além disso, inseriu de forma magistral elementos diversos, como field recordings (sons da natureza), vocais limpos e rasgados, e misturou ritmos regionais brasileiros, desde a bossa nova e samba até o xaxado e o baião. Alcançou 98 pontos numa escala de 100.

A música de degustação é: Desnaturação de Si-Mesmo, com direito a um interlúdio de samba (a partir de 7:00 minutos de execução).

#2 Odyssēa 2020 da Trilha

Odyssēa 2020 é uma Russian Imperial Stout envelhecida em barris Ex-Bourbon da cervejaria Trilha. Uma cerveja complexa, com o barril bem presente, corpo altíssimo, parecendo petróleo, licorosa, alcoólica e muito potente.

Eu me arriscaria em dizer que ela é o mais próximo que uma cerveja nacional conseguiu chegar do arquétipo cervejeiro de uma KSB da Founders!

No aroma, Bourbon está muito bem colocado em evidência, muito chocolate, torra alta. No sabor, mais barril dando a presença, mais cacau, café leve, Bourbon, aquecimento, nozes. Corpo alto, carbonatação boa, excelente!

Ela atingiu 4,75/5 no Untappd, numa escala de 100 pontos, recebe facilmente 97 pontos.

#2 musical – Lord Vigo

Para acompanhar uma cerveja de alta complexidade, brindo-vos com o segundo álbum mais bem avaliado (atingiu 97 pontos numa escala de 100), da banda alemã de Epic Doom Metal, Lord Vigo, um álbum conceitual cyberpunk, inspirado no filme Blade Runner.

Destaque para os vocais barítonos surpreendentes, baixo pulsante, teclados tech-noir e bateria sincopada. A música de indicação é At The Verge of Time.

#3 Lover-Licious da Dogma (parceria com a 3 Sons Brewing Co.)

Trata-se de uma NEIPA feita em collab entre a Dogma e 3 Sons Brewing Co.na série small batch, exclusiva do Brewpub da Dogma em São Paulo.

A Lover-Licious foi uma IPA que se destacou pelo frescor e pelo alto padrão, notas frutadas intensas e um corpo sedoso, despudoradamente juicy! Sem harsh algum. No Untappd, ela alcançou 4,75/5, numa escala de 100 pontos, atinge facilmente 95 pontos.

#3 musical – The Weeknd

Seu pareamento musical se encontra com o álbum After Hours do artista canadense The Weeknd, que atingiu 97 pontos, com seu pop/R’n’B com toques de synth pop oitentista, e a música a ser recomendada não poderia ser outra que não Blinding Lights, com seu refrão chiclete que lembram os bons tempos de Michael Jackson.

#4 Morning Gringo 2020 da Dogma

O Brasil é um país que é necessário dizer o óbvio, e o óbvio é que a Dogma é a melhor cervejaria nacional, e por esse motivo, emplacou mais uma no top 10.

A Morning Gringo, uma RIS com adição de Maple (xarope de Bordo) e café, já vai no seu terceiro lote. Ela foi lançada inicialmente em 2018, e eu tive o prazer de degustar todos os três.

O lote de 2020 mantém o sarrafo lá no alto, atingindo 4,75/5 na escala do Untappd, e 93 pontos numa escala de 100.

No aroma, Maple bem acentuado, café proeminente, chocolate amargo perceptível. No sabor, o dulçor e o Maple predominam, café em segundo plano, ainda assim, bem evidente, chocolate mais suave. Corpo denso, amargor alto, bem oleosa.

#4 musical – Haken

Como acompanhamento musical temos o heavy metal progressivo da banda britânica Haken, que atingiu um total de 95 pontos na escala de 100 com seu sugestivo álbum nomeado de Virus.

Um álbum complexo, com momentos jazzy e às vezes um pouco funky, alguns solos de baixo e batidas eletrônicas programadas. Como música de degustação deixo a também sugestiva: The Strain.

#5 – Kiwi Brother da Croma

Para fechar nossa retrospectiva das 5 melhores do ano, temos mais uma NEIPA, dessa vez da Croma. A Kiwi Brother foi uma das quatro cervejas da Croma da série Brother, que contava também com a Aussie Brother, Yankee Brother e Max Brother. No Untappd, ela foi agraciada com 4,75/5, e numa escala macro de 100 pontos ela atinge 92 pontos.

A Kiwi Brother é uma Juicy IPA com os lúpulos neozelandeses Nelson Sauvin e Motueka. No aroma, ela possui uma explosão frutada, com kiwi, caju e jaca logo de cara. No sabor, um adocicado médio-alto, amargor zero, uvas verdes de média intensidade, um corpo bem juicy, e uma percepção bem sedosa, em um corpo médio-alto, dotada de herbal muito sutil, com mais frutas, especialmente o Kiwi que nomeia a cerveja.

#5 musical – Enslaved

O pareamento musical dessa cerveja é com o álbum Útgarðr dos veteranos do Enslaved, um dos camaleões da história do Black Metal Norueguês, que evoluíram da second wave dos anos 90, passando por uma fase de Viking Metal, para uma sonoridade bem mais progressiva e um pouco eletrônica.

Útgarðr atingiu 94 pontos na escala de 100. Como música de destaque que resume bem a nova sonoridade da banda, para degustação, fica a sugestão de se ouvir Urjotun.

A Decepção: as cervejas do projeto All Together

“De boas intenções, o inferno está cheio” diz o ditado popular. De forma mais sofisticada, Sartre diz: “o inferno são os outros” na sua peça Huis Clos (Entre quatro paredes, na tradução brasileira).

A prova desses adágios foi o projeto cervejeiro mundial All Together. All Together foi uma cerveja elaborada pela cervejaria americana Other Half Brewing, a qual disponibilizou duas versões dessa cerveja: uma New England IPA e outra West Coast IPA.

As receitas estão abertas ao público e o objetivo é que cervejarias, no mundo inteiro, fabriquem a All Together e doem parte dos recursos gerados pelas vendas.

O site do projeto mostra em sua interface um mapa com a localização de 855 cervejarias participantes espalhadas por 53 países diferentes; 16 delas funcionam no Brasil (no total foram bem mais, que sequer constam no site).

Em teoria, uma ótima ação social, uma cerveja renomada mundialmente cede duas receitas e parte dos lucros auferidos deveriam ser doados para ajudar a reparar a crise econômica do COVID-19, destinando os valores às pessoas do meio cervejeiro que ficaram em dificuldade por causa dele (garçons, ajudantes, dentre outros).

O que poderia dar errado? (Quase) tudo eu diria… difícil é dizer o que deu certo, muito em virtude do silêncio sepulcral no mundo cervejeiro, afinal nenhuma cervejaria fez o mea culpa publicamente.

Tive o desprazer de provar aproximadamente 12 cervejas desse projeto, de cervejarias renomadas como Salvador, Dogma, Trilha, Everbrew, Octopus, HopMundi, até cervejarias mais simplórias, como Locals Only, Dom Haus e Cia Hop. E a classificação dessas cervejas pode ser dividida em: ruins, péssimas e impróprias para o consumo humano.

O que mais se viu foram alterações nas receitas dadas (uso de lúpulos de safras antigas e/ou barateamento de insumos), cervejas oxidadas, cervejas fora de estilo, cervejas com clorofenol (a famosa CloroquIPA que o gado adora, com aquele gostinho de água sanitária – aliás, algumas dela foram direto para o ralo e funcionaram melhor que Coca-Cola como desentupidor) e outros off-flavors inaceitáveis.

Em síntese, um show de horrores, não havia um padrão mínimo de qualidade a ser oferecido ao consumidor. 90% das cervejas desse projeto deveriam ter sido recolhidas e quem comprou deveria ser ressarcido. Esta é a verdadeira boa intenção que fracassou.

Quanto ao repasse de parte dos lucros, vi algumas cervejarias prestando contas e outras não – seria Mamon agindo? Então, se não há accountability (responsabilização pelo que foi feito) o projeto por si só é uma decepção.

O que se promete deve ser cumprido. Nota 0 para as cervejas e para o projeto no geral (para a execução, não para a ideia, que, aliás, é ótima).

Decepção musical

Musicalmente, se eu fosse recomendar uma decepção a ser escutada (o que, obviamente, eu não faço, pois só dou boas dicas musicais a vocês) seria o álbum mais recente do Ozzy Orbourne, chamado Ordinary Man. Talvez o título indique o que o álbum é: ordinário. Coitado do Ozzy, está meio obsoleto, vai ter que ganhar o título Det Som Engang Var do ano.

A música menos ruinzinha é a faixa título (Ordinary Man), a qual o sir Elton John ajuda a salvar, tocando piano e cantando em dueto com o Madman. Numa escala de 100 pontos, ela ganha, com muita boa vontade, 20 pontos.

A Saideira

Certamente que esse foi um dos textos “mais autorais” já publicados nessa coluna (já dizia Kierkegaard: “a subjetividade é a verdade”[1]), e de certa forma um universo cervejeiro peculiar foi criado, com a difusão de termos como Det Som Engang Var para se referir a algo que já foi bom, ou o termo particular da ansiedade por lucros do nosso “querido” Mamon, as críticas ao Hype mercadológico, além de algumas outras pitadas “semi-filosóficas” aqui e ali.

Derradeiramente, o intuito foi fazer um apanhado de um ano todo, de mais de 400 cervejas degustadas e mais de 200 álbuns musicais ouvidos. Apresento-vos, portanto, a retrospectiva 2020: a nata da nata, ou o crème de la crème, em termos cervejeiros e musicais de 2020.

Este foi o TOP 5 do ano. E o seu qual seria? Concorda com esse? Tiraria alguma indicação? Acrescentaria alguma? Comentem se gostaram.

Desejamos um feliz 2021 a todos (vem vacina!)! E nos vemos de novo no ano que vem!

Saúde!


[1] KIERKEGAARD, Søren. Post Scriptum no científico y definitivo a “Migajas filosóficas”. Trad. Javier Teira e Nekane Legarreta. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2010. p. 151.

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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