Da (in)segurança nas relações amorosas

relações amorosas

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

A busca por segurança emocional em um acompanhante amoroso segue sendo intento do homem, porém as mídias, os apelos, e toda a informação e emancipação sexual característica da sociedade atual tornam as relações menos atraentes e confortáveis. As pessoas não se sentem mais presas umas as outras por convenção social ou segurança. Mulheres emancipadas, patriarcado em franca queda, e menos controle religioso tornam as relações mais fluidas e pueris.

Como diz o icônico sociólogo Zigmunt Bauman “Para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis […] um é segurança e o outro é liberdade, você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois. […] Cada vez que você tem mais segurança você entrega um pouco da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade você entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde algo”.

Sentir-se só no mundo, o medo de olhar para o lado e não ter uma mão para alcançar. Dos sentimentos que assombram a mente humana a solidão é provavelmente o mais assustador. Buscamos sempre o acolhimento de quem nos tem estima, e não ter algo semelhante é fonte de imensa angustia

O ser humano existe através de suas relações sociais, mas aparentemente não basta ser rodeado por carinho de terceiros, é necessário ter um par, aquele que está ali por e pra você em qualquer momento, o ser humano que completará o dueto, a outra parte de um quebra cabeças de emoções, e assim tornar a vida plena

Mas será que essa tal completude advinda do outro é mesmo possível? A busca por um par, alguém que torne a existência mais confortável do ponto de vista social, pode ser um caminho extremamente angustiante e repleto de incertezas. O pavor não somente da temível solidão, mas também de não ser aceito dentro dos preceitos sociais, de ser um estranho no meio de tantos casais sorridentes que surgem nas propagandas de perfume acaba trazendo aos indivíduos a sensação de que só se existe plenamente através do outro

E por esse labirinto que é a meta de encontrar o par romântico ideal, dançamos com a insegurança, mergulhamos no desespero, e ficamos cara a cara com muitas outras pessoas que estão nessa mesma busca e que nem sempre cabem na nossa imensidão. Mas em alguma esquina dessa travessia, olhares se cruzam, e uma faísca de contentamento parece piscar. Sim a tal da metade da laranja parece ter surgido. Beijos, risadas, conversas no cair da madrugada, um universo de carinhos e semelhanças vão delimitando o sonhado romance que afasta pela eternidade o vazio da não companhia.

A completude, a sensação de devaneio são torpor para a solidão e a insegurança, mas logo a sensação de “felizes para sempre” advinda da afinidade que possui um casal atravessa a realidade de que o para sempre é fim de contos de fada, mas no mundo dos reais muitas vírgulas permeiam as estórias de amor. O parceiro, antes tão ideal, pode se mostrar fonte de péssimos hábitos e defeitos inadmissíveis, ou mesmo que ele siga sendo perfeito (ou o mais perto disso) ele ainda é livre, ou seja, nada pode impedi-lo de um dia acordar do sonho a dois e querer seguir o resto da estrada sozinho (ou com outro alguém).

Achar um outro que caiba no ideal do amor romântico já não é mais o fim de toda angústia, na verdade é o início de outra (talvez até mais intensa). Ciúmes, insegurança, controle do enamorado e tantos outros caminhos surgem na tentativa de fechar com cadeado os portões do paraíso, para que o amor romântico não possa escapar. E desses equívocos surgem as brigas, desentendimentos, decepções, distanciamento sexual, tristeza e o castelo de cartas do amor vai ruindo na mesma medida que percebe-se que nenhum cadeado é capaz de prender aquele que deseja ir.

Mas mesmo antes de se decretar o fim do enlace, muitas vezes antes mesmo da sua derrocada (às vezes inclusive durante seu auge de amor) outras pessoas atravessam o caminho dos enamorados e muitas vezes se mostram interessantes, talvez até interessantes demais, mais do que caberia em um relacionamento a dois.  E mais uma vez cirurgicamente Bauman nos diz “A  salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode redimi-lo.”

Percebe-se que o corpo pode desejar outros corpos, a mente pode se encantar com outras conversas, o parceiro com quem se fechou um contrato amoroso pode não ser o único a despertar o fulgor da paixão, da atração, até mesmo do amor. Nesse momento cabe a cada um decidir se ignora a grama mais verde do vizinho, se quebra o contrato para viver outros momentos ou se simplesmente se entrega aos deleites em segredo.

“Se eu te amo e tu me amas
E outro vem quando tu chamas
Como poderei te condenar
Infinita tua beleza
Como podes ficar presa
Que nem santa no altar”

Raul Seixas

Kandy Mattos

Kandy Mattos

Formada em Jornalismo. Psicóloga e gestalt terapeuta. Estudiosa das diversas formas de relações humanas.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês