Reginaldo Hendrix: da lendária Whiplash à Sunrise Discos

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Reginaldo Hendrix é daqueles senhores à moda antiga, mas não sai de moda. Parece contradição. Quem adentra a Sunrise Discos, no box 19 do Mercado Público de Petrópolis, em Natal, percebe o quanto o vinil permanece atual apesar dos seus 77 anos de idade. E Reginaldo surfa na mesma onda, com seus 67 de giros rockers na vitrola da vida. E os velhos-novos toca-discos são o coração de Reginaldo. Os sons de ontem ressoam ainda hoje como a terapia para cura de estresses e fuga de depressões. E se música é vida, aqueles milhares de vinis expostos nas prateleiras devem sua existência a este “tutor”, que os trata como cúmplices de sua jornada existencial.

Reginaldo Ferreira da Silva foi co-fundador do talvez maior ponto de encontro de headbangers da história de Natal. A Whiplash Discos era um pouco a cara dos fins da década de 80. Localizada na avenida Salgado Filho, em frente onde hoje funciona a UnP, reunia os bichos-grilos da cidade identificados com o heavy metal, com o rock, com fanzines ou, simplesmente, com a compra e troca de vinis e fitas-cassete. E desses encontros surgiam ideias, festas, bandas e todo um movimento que marcou história na capital potiguar até virar selo musical responsável pelo lançamento de cinco álbuns e quatro compactos ainda hoje procurados até por colecionadores estrangeiros.

Mas essa história começa ainda em Monte Alegre, terra dos pais de Reginaldo: um agricultor e comerciante de feira, e uma professora de escola primária. Reginaldo nasceu junto com a explosão do rock, no fim da década de 50. E os pais se mudaram para o Alecrim, em Natal, no auge da beatlemania, em 1965. Reginaldo absorveu toda a magia dos sixties e a aura de paz, amor e rock psicodélico dos anos 70. Não à toa adotou o sobrenome Hendrix para exaltar uma de suas preferências musicais. Mas os primeiros sons vieram da voz materna.

“Era comum entre famílias humildes as mães colocarem seus filhos para dormir em rede e sob cantoria. Lembro de ela cantar Bigorrilho (Renato e Seus Blue Caps), Dominique, de origem francesa e muito executada à época… E quando cheguei em Natal era o auge da Jovem Guarda, e passei a frequentar os cinemas do Alecrim, a ter contato com gibis, e isso tudo abriu meu imaginário. E a música sempre esteve ao meu lado. Escolhia muitos os discos pela capa. Dos primeiros que gostei foi a banda Bread, por causa da música If. E depois o Creedence eu gostei demais. Beatles eu já conhecia por meio das músicas do Renato e Seus Blue Caps…”

Sem muitos recursos para adquirir tudo que gostaria de consumir, Reginaldo comprava, ouvia e depois trocava ou vendia para descobrir outras portas musicais. Até que o pai passou a comercializar seus produtos na Praça Gentil Ferreira, no coração do Alecrim, numa espécie de secos e molhados onde se vendia de tudo: um sebo a céu aberto. E por ali Reginaldo, ainda adolescente, trocava, vendia, permutava e iniciava sua trajetória no ramo.

Anos depois cursou eletrotécnica no hoje IFRN e depois Engenharia Elétrica na UFRN. Na condição de universitário oriundo de família com pouca renda, recebia o “crédito educativo”, totalmente revertido na compra de livros, gibis e vinis. Depois de formado, conseguiu alguns “subempregos” na eletrificação rural até seguir um anúncio de oferta profissional para a Cosern. Passou no teste e com a condição financeira melhor, o destino lhe possibilitou ingressar nas páginas de história do metal em Natal. Em um encontro despretencioso no sebo de Jácio, ainda no Alecrim, lhe foi apresentado Luziano Augusto da Silva, ou Luziano “Rock Stanley”. A afinidade musical foi imediata. Vieram as permutas de material musical e, meses mais tarde, a ideia de montarem, juntos, um espaço próprio para comercialização de vinis.

“Saímos à procura desse espaço. E em frente à Unp da Salgado Filho, existia a Drogaria Paiva, e seu Paiva queria sair do ramo. O prédio era alugado à avó de Luziano, que morava em cima. Ela e a mãe de Luziano autorizaram e nós montamos nosso comércio ali. O salário na Cosern me possibilitou dar uma boa melhorada no local, com os balcões, o toldo e escolhemos o nome. Seria Metallica, mas Luziano descobriu que já existia outra loja com esse nome. E como na época estava a onda do novo metal britânico, nos apareceu um EP pirata da banda Metallica e gostamos da faixa Whiplash, e escolhemos esse nome”.

Reginaldo não lembra bem o ano de inauguração da Whiplash. Estima entre 1988 e 1989. Mas há registros de que o Festival Metal em Natal, promovido no Centro de Turismo, em 1988, recebeu como um dos patrocinadores a Whiplash. “Começamos de forma inocente, mas logo vimos que a loja precisava acontecer”. E o verbo foi bem empregado por Reginaldo. A Whiplash virou um acontecimento não só para metaleiros, mas para uma juventude, de certa forma, rejeitada pela sociedade e ali, naquele pequeno espaço de convivência musical, achavam seus pares de vestimentas, de ideologias, de comportamento, de faixa social semelhante de um país em profunda crise econômica e, claro, gostos musicais semelhantes.

A Whiplash foi pai e mãe da cena do heavy metal em Natal, que também surgia. E em 1991, já como selo musical Whiplash Records, estabeleceu um marco na cena ao lançar a coletânea ‘Whiplash Attack Vol. 1’, só com bandas locais de heavy metal. O disco trazia nove faixas e mostrava ao público as bandas Crosskill, Hammeron, Auschwitz e Deadly Fate. “O segundo lançamento foi o compacto Insanity, de uma banda cearense. O terceiro, da banda Nefastos, da Paraíba. O quarto, também paraibano, da banda Shock. Depois um compacto da banda Megahertz. Em seguida, o compacto da banda paulista Overtrash. Depois a banda Gladiator. E ainda o compacto da banda Mordeth, paulista ou gaúcha. Todas bandas de outros estados, afora Whiplash Attack, e todos muito procurados até hoje, sobretudo a coletânea potiguar”.

E afora o material próprio, a Whiplash estava antenada com tudo o que surgia no gênero rock e metal no mundo. “A gente procurava realizar o mesmo trabalho que a Woodstock ou a Devil Discos, em São Paulo, por exemplo, que também viraram selos musicais”, se orgulha Reginaldo.

E o despretencioso comércio ganhava corpo, clientela e verdadeiros fãs. Ao ponto, de Reginaldo aderir ao plano de demissão voluntária na Cosern para se dedicar mais à loja, já que Luziano era frontman durante toda a semana. E foram eternos 10 anos de pura magia musical, até que em 1998 Luziano é acometido de uma leucemia e veio a falecer com apenas 31 anos de idade. “Luziano era a alma daquilo ali. Se comunicava com a rapaziada de outros selos, já veio com experiência de trabalho em lojas de discos, tinha conhecimento musical e foi dele a ideia do selo Whiplash e escolha do repertório. Eu estava prisioneiro na Cosern. Com a morte dele ficou difícil”.

Reginaldo conta que convidou um dos clientes da loja, de sua confiança, para tocar o projeto de segunda a sexta. Mas pouco depois, o pai de Luziano pediu que o irmão mais novo de Luziano, Juninho “Whiplash” assumisse o lugar do irmão. “Mas notei certo recuo da clientela porque Junior não era do ramo, embora tivesse um desempenho bom, se integrou com os clientes e deu conta. Mas veio a migração do vinil para o CD e a loja perdeu fôlego, até fecharmos. Dividimos o acervo e ficou tudo certo”.

Sem a loja física, Reginaldo aderiu aos novos tempos e passou a vender o material na nova plataforma do momento: o Orkut. “Vendi muito, mas muito mesmo, para todo o Brasil., até o Orkut também foi perdendo força e Vera (também sebista) me avisou que um pessoal (Jairo Lima, que também marcou época com a confraria Kryterion), estava desocupando um box no Mercado de Petrópolis. E assumi aqui, por volta do ano 2009 ou 2010. E aos poucos fui montando. Até hoje não está como eu quero.

O acervo, o cuidado e o entusiasmo de Reginaldo com os vinis impressiona. Coisa de quem ainda é fã dos tantos artistas ao seu redor. O acervo é de três mil discos na loja prontos à venda, mas tem mais de dez mil em sua casa. “Não tenho onde receber ninguém em casa porque não há espaço para sentar”. De música erudita ao trash metal. As raridades são poucas porque pouco duram na loja. Há um grupo no whatsapp de clientes seletos que logo são avisados das novidades e compram de imediato. “Eles ficam no aguardo dessas raridades, porque o comum eles já têm ou já não interessa”.

E hoje essa é a rotina de Reginaldo. De segunda a sexta, das 7h30 às 15h, e no sábado até 12h ele convive com seus amigos músicos, cúmplices de uma vida. “Tenho esse comércio como um aliado terapêutico. Não tenho espaço em minha mente para a depressão. Quando tenho contrariedades, seja no trânsito, com o vizinho ou familiar, escuto uma boa música. Jogo um Beatles, um Raul Seixas, o maravilhoso bigodudo Belchior, um Dylan, preencho minha alma e tudo volta à paz, como um lago de águas límpidas e serenas.

Um fã de McCartney entre metaleiros – uma história pessoal

Voltei ao box de Reginaldo, desta vez, para vender cerca de 30 vinis e 40 CDs. Anos atrás tinha comprado lá um disco da participação dos Beatles ainda na turnê em Hamburgo, e o clássico Pet Sounds, do Beach Boys. Nem desconfiava que o simpático dono daquela loja fora co-fundador da Whiplash, que eu havia visitado em 1991, nos meus 13 anos. Já gostava de rock e andava com amigos metido a metaleiros na minha rua, no Barro Vermelho. Mas os Beatles ainda me fascinavam.

Já tinha passado em frente à Whiplash de bicicleta e dessa vez, com uma graninha juntada, decidi parar e ver o que podia comprar. Saí de lá com o segundo disco do Iron Maiden, o Killers, mais para fazer média com meus amigos, e disfarcei minha empolgação ao pinçar, entre tantos vinis de rock e metal, o Press to Play, de Paul McCartney. O do Iron vendi poucos anos depois. O do Macca…. bom o do Macca estava entre meus 30 vinis que, sem saber, estava ali devolvendo ao antigo dono 34 anos depois.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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6 Comments

  • Muito bom.
    Reginaldo é registro vivo da cena roqueira de uma Natal metálica, metaleira. Vida longa!!

  • H

    “Preciso fazer parte disso”, disse eu para mim mesmo… um precoce Rocker, ao passar de ônibus em frente a já inaugurada loja e ver algumas figuras trajando preto e jaqueta com coletes e patches… “Não estou só” pensei naquele exato momento. Dias depois voltei ao local e ao entrar, em admiração e reverência ao recinto, baixei a cabeça e timidamente/educadamente, dei um “boa tarde” ao camarada que estava do outro lado do balcão, que, trajava uma camiseta preta da banda Nuclear Assault! “Seja bem-vindo cara… tá procurando algo específico?”. Era Luziano Rock Stanley, de quem fiquei amigo e cliente até os seus últimos dias!

    WHIPLASH DISCOS, inaugurada em 1987, em frente ao (hoje extinto do local) Rei dos Colchões.

    HP.

    • Sérgio Vilar

      Sim, amigo. E não só pela história, mas pela pessoa, pela figuraça que é.

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