Saudações cervejeiros que curtem uma promoção!
Nem só de análise sensorial-técnica vive o homem, mas, também, de boas promoções e cervejas nos preços! É mais ou menos isso que está escrito na Bíblia em Mateus 4:4[1]; já que cerveja é o pão líquido!
Aliás, não basta a cerveja ser barata… Ela precisa ser boa e barata! Afinal, cerveja mequetrefe a preços baixos não é a coisa mais difícil do mundo de se encontrar. No entanto, cerveja realmente boa, de estilos pouco conhecidos, a preços acessíveis… ah isso sim é a raridade! Ainda que (seja algo) pouco apreciado pelo grande público, são coisas de valor inestimável.
Assim, no texto de hoje vamos retomar um pouco da temática do segundo tópico publicado aqui na coluna (relembre qual foi no link https://papocultura.com.br/elitismo-cervejeiro-ou-quando-cerveja-artesanal-nao-sai-tao-cara-assim/ ). Nele tratamos do que é hedge e dissemos porque algumas cervejas em promoção, ainda que perto de vencer, são um grande investimento.
Então, mesmo não sendo uma continuação direta do texto previamente publicado, por não se tratar da mesma cerveja e do mesmo estilo de cerveja, podemos traçar alguns paralelos e indicar que esse é o texto sobre o segundo hedge cervejeiro: ou, a partir do qual falaremos sobre promoções e cervejas boas (com leves pitadas de análise sensorial, apresentando-vos o estilo, por que não?).
Promoção e a cerveja que “resiste”
Todo mundo deve conhecer aquela cerveja que acaba encalhando em alguma gôndola de supermercado. Você passa uma, duas, três… dez vezes (ou mais!) no mesmo mês, no mesmo ano, e ela continua lá, firme e forte, sem se mexer (ninguém compra!). É um caso estático: não importa o dia, o ano ou a estação climática, faça chuva ou faça sol, ninguém se aventura a comprar aquela cerveja.
Todavia, vamos lançar um breve questionamento: a situação anteriormente descrita significa que a cerveja é ruim?
Quem for apressado o suficiente para responder um eloquente sim, precisa de boas justificativas que precedem toda a experiência humana para dizer tal impropério. Eu não seria capaz de dizer tal coisa de uma cerveja reconhecidamente ruim… vamos dizer: a Glacial, uma cerveja que quase todo o ser humano que respira já deve ter dito alguma desventura gástrica com ela: ou seja, reinou por algum tempo no sanitário depois de algumas cervejas da Glacial, não é mesmo?
No entanto, o texto de hoje não é sobre certezas e sim sobre dúvidas: ou ao menos sobre meias-verdades. Por que aquela cerveja pouco vendida a preços normais não pode se tornar uma boa oportunidade de aquisição, perto do vencimento, a preços mais atrativos, ainda que pouco conhecida ou pertencente a um estilo não tão popular?
Vamos conhecer um pouco mais sobre essa sistemática adiante.
Salvator: Uma Doppelbock ícone!
Para melhor tratar da situação exposta na seção pretérita, vamos recorrer a dois casos práticos. O primeiro deles é da cerveja alemã Salvator, da cervejaria Paulaner, do estilo Doppelbock.
Bock é um estilo tradicional cervejeiro da escola alemã, de baixa fermentação, através de leveduras do tipo “Lager”, com origens na cidade de Einbeck, localizada ao norte da Alemanha. Apesar de ser uma Lager, as tradicionais Bock’s em nada lembram as cervejas de massa nacionais, não são claras nem amarelas, não possuem alta carbonatação e muito menos aquela refrescância característica que possibilita se passar um dia inteiro as bebendo em grandes quantidades.
Pelo contrário, a Bock é uma cerveja mais adequada aos períodos frios, já que um clima mais tórrido chama mais um gole em uma “loura gelada”, ou assim nos foi ensinado. Os mais antigos podem até rememorar a propaganda da Kaiser Bock, uma cerveja de relativo sucesso comercial na década de 90 (ela foi lançada em 1993), em um marketing impulsionado pelo “Baixinho da Kaiser”. O Baixinho era uma figura pitoresca do imaginário publicitário nacional, que ajudava a vender a Kaiser Bock (mesmo sem nem falar durante os comerciais), uma cerveja sazonal e apropriada aos períodos de inverno no Brasil (seu público era, precipuamente, do sul e do sudeste, onde realmente se faz algum frio).
De toda maneira, acredito que qualquer cerveja pode ser degustada em qualquer ambiente ou qualquer condição climática, mesmo no frio polar é possível se tomar uma Lager mais leve e refrescante, do mesmo modo que se pode beber uma Bock no calor tropical de Natal, quem sabe a beira-mar, embora a drinkability, nesse caso, não seja, exatamente, a mesma (mas, lembrem-se, beba menos, beba melhor!).
Não obstante, a Bock é o estilo base para o qual a Doppelbock evolui. A Paulaner Salvator é um dos grandes representantes dessa evolução, tanto que algumas outras cervejas icônicas do estilo também terminam em ator, para homenageá-la, a exemplo da Celebrator da cervejaria alemã Ayinger.
A Doppelbock, como o nome já alude (Doppel, do alemão, quer dizer “em dobro”, ou, “duplo”), é uma versão turbinada da Bock. Assim, toda a premissa de foco no malte, corpo acobreado, notas tostadas e lupulagem discreta, para passar despercebida (e deixar o malte brilhar sozinho), são elevadas ao quadrado.
Portanto, a Salvator, como toda boa Doppelbock, é mais maltada ainda, apresenta notas da reação de Maillard[2] (uma reação química que possui notas sensoriais semelhantes à casca de pão levemente torrada/assada), um ligeiro aquecimento alcoólico, uma cor avermelhada profunda e densa e dulçor mais destacado. São notas sensoriais bem pouco usuais, principalmente para quem está acostumado às Lager’s massificadas, que não possuem esses aspectos.
O mais intrigante de tudo isso é que o preço usualmente praticado na Salvator é algo em torno dos 16 a 18 reais. No entanto, agora já perto do seu vencimento, no final de julho de 2021, ela pode ser encontrada em uma grande rede de supermercados de Natal por incríveis R$ 7,69. Se partirmos do princípio que uma Heineken long neck no mesmo supermercado custa aproximadamente R$ 4,50, e, que em um bar, ela não custa menos que dobro, podemos dizer que a Salvator está bem barata.
Derradeiramente – como toda cerveja que serve de hedge, dado o seu vasto potencial de guarda, mesmo depois do vencimento – estocá-la parece ser uma boa ideia, tudo isso levando em conta o seu preço atual e a possibilidade de ela ser degustada por várias vezes nos meses seguintes. Seu preço atual é justíssimo e reflete o ícone cervejeiro que ela é na escola alemã (ressalte-se que, no momento em que esse texto está sendo publicado, ainda é possível encontrá-la à venda pelo preço indicado).
Aventinus: Eisbock, uma Bock mais extrema ainda
Como o estilo base do debate de hoje é a Bock, e já foi explicado que a Doppelbock é a evolução da Bock (duas vezes Bock), vamos finalizar a análise falando de mais um exemplo de ótimo custo-benefício: a Aventinus, da cervejaria Schneider Weisse, uma grande representante do estilo Eisbock, a versão estilística da Bock ainda mais potente.
Eis, em alemão, quer dizer “gelo”, e “Bock” quer dizer bode (ainda que, ao pé da letra, Bock signifique “desejo”). Mas, calma! Essa cerveja não tem gosto de bode velho. Pelo contrário! O sufixo Eis, que denota “gelo”, diz mais a respeito ao processo de produção da cerveja e o bode significa a persistência e a potência que o bode possui, um animal forte e de traquejo varonil. Além disso, as Bock’s são feitas na Alemanha no mês de dezembro, no qual frio é mais intenso. Sua relação estaria afeita ao elemento astrológico que o signo do mês de dezembro representa: capricórnio, casa astral cujo símbolo é um bode.
A Eisbock passa por um processo de congelamento, daí seu nome aludir etimologicamente ao gelo. Ela é congelada para que o seu teor alcoólico seja mais elevado ainda. Ao perder parte da água nesse processamento (ao ser congelada a água é retirada com esse intuito), o caldo cervejeiro fica mais concentrado, retendo um ABV maior, daí a sua potência alcoólica soberba.
A Aventinus, a cerveja que nos dedicaremos a falar um pouco mais, é uma representante deveras particular do estilo Eisbock, pois ela é uma Weiss também, ou seja, é uma cerveja feita com trigo (não-maltado) e que utiliza uma levedura tradicional alemã que ressalta algumas particularidades do estilo (Weiss), tais quais os aromas e sabores fenólicos (cravo e canela, principalmente) e esterificados (tendo maior enfoque o cheiro e o gosto de banana).
Dada a particularidade de ela ser uma Weizen-Eisbock, a Aventinus é a junção de dois mundos, do perfil alcoólico e maltado mais acentuado da Bock com aromas e sabores de banana e cravo das Weizen (Weizen é o plural de Weiss). O resultado é algo simplesmente fantástico, é como se uma sobremesa à base de banana caramelizada estivesse sendo servida quando a cerveja é aberta. Adicione-se a isso alguns aromas ainda mais intrigantes, como notas de cocada preta, um maltado persistente, e um corpo ainda mais denso.
As características enunciadas fazem com que a Aventinus seja um ícone em seu segmento. Atrelado a isso, na toada do hedge cervejeiro, temos o fato que seu preço médio de comercialização é algo entre 12 e 16 reais. No entanto, há uns 10 dias, aproximadamente, uma grande cadeia nacional de “atacarejo”, na qual é preciso ser sócio para comprar, fez uma promoção um tanto quanto “sem fundamento” (já que a cerveja está com vencimento para o ano de 2025), vendendo-a (pasmem!) por R$ 3,99.
Pelo preço normal, e pelo que ela oferece em termos de análise sensorial, a Aventinus já é uma boa pedida. No preço promocional citado, ela se torna quase que irresistível. Além do mais, nesse caso, nem há a “problemática” do vencimento próximo, como nos demais casos de hedge já citados, o que a torna mais atraente ainda! O estilo, por si, já comporta uma boa guarda, tomando por base que ela vence apenas em 2025 (e eu acho que ela ainda vence antes de o Vasco vencer a série B), podemos estimar que ela pode ser comprada hoje e bebida daqui a 10 anos, tranquilamente!
Não há como ter um hedge cervejeiro mais ideal que esse, comprar uma cerveja por pouco mais que 50 centavos de dólar e poder degustá-la quando o dólar já vai estar custando uns 20 reais (espero estar errado nessa previsão…). Seu potencial de guarda, seus aromas e sabores complexos e seu posicionamento icônico na escola cervejeira alemã (tanto quanto a Salvator), fazem com que a Aventinus, pelo preço mencionado, seja uma opção excelente de baixo custo para quem deseja conhecer mais o universo das cervejas artesanais e/ou especiais.
Fica a dica!
Saideira
Beber cerveja artesanal é algo muito bom. Mas, beber cerveja artesanal, podendo conhecer estilos cervejeiros não tão comuns ao mercado brasileiro ou não tão acessíveis assim, por um preço fantástico (mais barata que uma Heineken no supermercado, por exemplo), isso sim, é mais do que muito bom, é algo totalmente excelente!
Consumir cervejas artesanais, em certos momentos como esse, não é algo para poucos afortunados financeiramente. Claro que o desconhecimento sobre os estilos, e o choque no primeiro gole, podem ser obstáculos para os neófitos desavisados. Todavia, acredito que, para além de criar um hedge cervejeiro, escritos como esse possam ajudar a popularizar a cultura cervejeira a um preço mais acessível ao grande público.
Experimentar um estilo diferente, pagando pouco por isso, é algo que deve ser estimulado sempre!
Recomendação para degustação
Sempre que eu degusto um estilo cervejeiro alemão, eu gosto de escutar músicas alemãs (cantadas no idioma tedesco!), então, hoje não seria diferente, vamos de mais um 7 a 1!
Recomendo a todos a banda de Folk Metal alemã Finsterforst, e, em particular, a música Auf die Zwölf, e sua “zoação” com o 7 a 1, feita no clipe de divulgação do trabalho!
Ein Prosit! (Saúde! Em alemão!)
[1] “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus'”.
[2] A reação de Maillard é uma reação química entre um aminoácido ou proteína e um carboidrato redutor, obtendo-se produtos que dão sabor, odor e cor aos alimentos. O aspecto dourado dos alimentos após assado é o resultado da reação de Maillard.
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[…] o bode é sua intersecção com o estilo proposto, Bock (para saber mais clique aqui). Em termos de estilo, as cervejas Bock também se adequam aos capricornianos, são de […]