A pedra do ódio

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Um dia o pirata Diogo Cão encarnou em mim e me mandou conhecer a Praia do Marco. Fui e na Praia do Marco vivi uma experiência singular. Minha memória foi tatuada pelo lumiar das imensidões, do azul cristalino e do céu tagarela que me deu notícia dos portugueses que ali fincaram o marco do descobrimento do Brasil.

No entanto, em certa manhã de domingo, todo meu torpor poético escafedeu-se ao se misturar com a esquizofrenia da realidade. No meio do caminho, flagrei o momento em que duas mocinhas valentes se puseram a xingar o rapaz que depredava o único orelhão do lugar. Quanto mais o vândalo surrava o telefone mais elas gritavam. Súbito três pescadores apareceram e já lhe acertaram um direto no pé do ouvido para o estrupício aprender a respeitar o “orelhão”.

Enquanto isso eu e uma das mocinhas corremos para São Miguel do Gostoso onde funcionava o único posto policial da região. Mas perdemos a viagem: o posto estava fechado. Os vizinhos comentaram que faz tempo que a Polícia não aparece. Maldição, o Brasil é ruim de serviço. A má gestão se arrasta per saecula saeculorum.

Esses dias vi no telejornal o trem que, felizmente, conseguiu escapar da pedrona que os vândalos colocaram em cima dos trilhos por ocasião da greve geral no dia 28 do mês passado, aqui em Natal. É dose pensar que esse tipo de violência vem se alastrando em nosso país. Quer saber a minha opinião? Penso que não teremos a sorte que tiveram os seus ocupantes quando o maquinista, por milagre, atropelou a pedra, evitando uma tragédia de grande porte.

A política, com certeza, é um cenário de guerra. Exatamente por causa de seus aspectos cruéis são raros aqueles que se interessam por ela. Penso que o principal problema do Brasil é a ausência de uma consciência social que acaba por deixar o povo à mercê das vontades de seus donos. Sim, aqui o povo tem dono.

A nossa história tem sido assim e parece que continuará assim. Apesar de existir Brasis que dão certo, vejo coturnos civis em marcha unida contra a democracia. Espero estar equivocado, pois quem sabe de tanto apanhar, o nosso povinho sem vergonha resolva fazer a sua hora já que nunca o fez.

Nos últimos dias, a palavra que mais martelou a minha cabeça foi imprevisibilidade. A boa ideia que era a lava jato tomou um rumo desgovernado devido a juízes, procuradores e ministros em luta renhida em nome dos interesses dos políticos e das empresas que representam, sendo ainda muitos deles, acusados de grossa roubalheira, como essa aterradora história da APAE do Paraná. Isso gerou a mais chula esculhambação: agora temos dois Supremos, um em Curitiba, outro em Brasília.

Aguardem porque a próxima atração será um tiroteio de cegos. Bang bang bang e tome truculências e tome factoides e tome vazamentos midiáticos. Isto quer dizer que devemos tomar muito cuidado, pois como alertou Malcolm X, eles querem que a gente ame os opressores e deteste os oprimidos.

Não sou diferente de ninguém, como todo mundo torço por liberdade e justiça social. Porém está difícil viver aqui, o país está hostil para quem deseja apenas voar nas dualidades das marés, na brisa da praia que massageia nossos poros, no silêncio bramido que seduz nossos ouvidos, no colorido da aurora e no prazer de viver, simplesmente. A beleza é resistente na Praia do Marco e em São Miguel do Gostoso. Mar hipnótico, areias molhadas, noites oníricas e o tempo passando mansamente nos estimulando a viver do jeito que cada um quer.

Em Saint Ann, praia da Jamaica caribenha, nasceu um ser notável batizado pelo calor do sol e iluminado pela companhia do mar. Ele cantava, ele fazia versos, ele viajava em torno de si e em torno da velha Europa e dos Estados Unidos da América. Ele tinha uma vida agitada, mas sempre encontrava momentos para se fortalecer na solidão. Ele morava na sua mente e graças a isso, ele era natural de todos os lugares e de todos os idiomas. Bob Marley era seu nome.

Bob Marley odiava o ódio e amava os sentidos que pescava quando as sombras cobrem o sol, entregando-se profundamente as suas palavras imortais: “Enquanto a cor da pele for mais importante do que o brilho dos olhos, haverá guerra”.

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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2 Comments

  • Leda

    Esse autor é porreta. Adoro suas crônicas! Parabéns, Papo Cultura. O blog está cada vez melhor!

    • Sérgio Vilar

      Vamos fazendo nossa parte e recebendo essas colaborações sempre ótimas do Marcius!

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