A Feira do Livro de Lisboa realiza-se, anualmente, ou no final da primavera, ou em começos do verão. Por duas vezes tive a satisfação de visitá-la, percorrendo as dezenas e dezenas de barracas armadas no Parque Eduardo VII, todas elas repletas de livros. Inúmeras editoras, livrarias, e se bem me lembro, alfarrabistas (assim denominam-se, lá, os que, no Brasil, se chamam, de modo bem menos apropriado, sebistas) participam do grande evento.
Certa vez, deparei-me com um senhor idoso, de paletó, sentado a uma mesa, solitário, parecendo estar ali de plantão para conceder autógrafos. Pouca gente o procurava. Aproximei-me. Com pouco veio um jovem e estendeu-lhe um livro, em que ele, gentilmente, apôs dedicatória. Não tive dúvidas: aquele senhor, de aparência tão simples, era José Saramago. Àquela altura já se formara pequena fila diante da mesa. Fiquei, por alguns instantes, apreciando a cena, mas não achei motivos para lhe falar.
Prêmio Nobel de Literatura, Saramago tornou-se uma celebridade internacional; sua fama, há muito, transpôs as fronteiras de Portugal. Dentre os escritores portugueses contemporâneos ele é, no Brasil, o mais conhecido.
BÊNÇÃO À LITERATURA PORTUGUESA
Até começos do século XX, a literatura brasileira tomava a bênção à literatura portuguesa…
Nossa primeira peça literária, a “Prosopopéia”, de Bento Teixeira, constitui-se em mera imitação de Camões épico. Começou mal…
Já os poetas do grupo mineiro eram bem mais portugueses do que brasileiros. Alguns deles, como Tomás Antônio Gonzaga, estão incluídos em compêndios de literatura portuguesa.
O Romantismo, é verdade, criou aqui em nosso país, o indianismo. Originalidade brasileira? Nada disso. Era próprio daquele movimento literário o gosto pelo exótico, pela natureza. O selvagem com seu colorido lendário, não poderia escapar, como excelente tema, ao Romantismo.
Foi Domingos de Magalhães quem lançou, no Brasil, o movimento, cujo modelo português, introduzido pela Marquesa de Alorna, ele copiou.
Depois, a frase retumbante de Alexandre Herculano, o estilo garrettiano influenciaram românticos brasileiros. Vez ou outra surgia uma exceção, um Manoel Antônio de Almeida, este, porém, nada romântico.
Superado o romantismo com o advento das ideias realistas e naturalistas, o Brasil literário continuou a expressar-se à maneira dos grandes escritores portugueses de então: Eça de Queiroz, Antero de Quental, Ramalho Ortigão. Mas, como não podia deixar de ser, surgiram exceções: Manoel de Oliveira Paiva, por exemplo, com o romance “Dona Guidinha do Poço”, o qual ficou desconhecido, muito tempo, só sendo descoberto por Lúcia Miguel Pereira.
No Simbolismo permaneceu a dependência das nossas letras.
Mas, nas primeiras décadas do século XX, surgiu o Movimento Modernista que, iconoclasta por natureza, clama, dentre seus muitos protestos, por uma arte genuinamente brasileira. E, com algum tempo, “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, os romances do ciclo da cana de açúcar, de José Lins do Rego, e do cacau, de Jorge Amado, em suma, o Regionalismo, pelo qual tanto se bateu Gilberto Freyre, e mais a poesia de Manuel Bandeira, a de Ascenso Ferreira, a de Jorge de Lima, o conto de Antônio de Alcântara Machado e, principalmente, Mário de Andrade, polígrafo exemplar, infundem brasilidade à literatura nacional, dão-lhe caráter próprio, inconfundível.
A partir deste momento, os escritores portugueses já não têm mais entre nós, brasileiros, o prestígio que desfrutavam Eça e Camilo Castelo Branco, por exemplo, junto aos literatos brasileiros do fim do século XIX. Na verdade, quem, no Brasil de hoje conhece Fernando Namora, Miguel Torga, Ferreira de Castro, Vitorino Nemésio, José Régio, Alves Redol, Aquilino Ribeiro, Branquinho da Fonseca, José Cardoso Pires, Agustina Bessa-Luís, Antonio Lobo Antunes e outros grandes vultos da literatura portuguesa contemporânea? Pouca gente, só nos círculos especializados. E isto apesar destes escritores, em alguns casos, terem certa presença no Brasil, através da colaboração em suplementos literários e, mesmo, experiências pessoais, como Ferreira de Castro, que fez de sua aventura na Amazônia tema para sua obra-prima “A Selva”.
José Saramago é a grande exceção – por causa do prêmio Nobel, parece-me.
A CAÇA AOS LIVROS EM LISBOA
Nas ruas enladeiradas do Bairro Alto encontram-se vários alfarrábios (sebos), todos bem instalados e bem organizados (quanta diferença dos sebos de Natal!), repletos de raridades bibliográficas. Alguns até parecem pequenos museus do livro. E os preços das obras expostas à venda? – já sei que você quer saber… São altos, mais altos que a colina em que se situa o bairro.
Se você não é um bibliófilo, colecionador de relíquias, mas apenas busca livros para ler, procure que achará alfarrábios com pontas de estoque e livros de segunda mão à venda por preços mais em conta, e até pechinchas.
É bom saber: tanto nos alfarrábios chiques quanto nos populares, o acervo, ao contrário do que ocorre nas livrarias, constitui-se, em boa parte, de literatura portuguesa.
Antes de subir ao Bairro Alto, em sua caça aos livros, você deve dar um giro pelas ruas do Carmo e Garrett, onde encontrará boas livrarias, entre as quais a tradicional Bertrand (Metro Baixa / Chiado). Se estiver disposto a andar, estique o passeio até a Calçada do Combro, prolongamento da Rua Garrett, e aí encontrará três ou quatro alfarrábios.
No Mercado da Ribeira, em cujo andar térreo vendem-se hortaliças, frutas, etc., toda uma livraria, estilo pegue e pague, surpreendentemente ocupa grande parte do segundo andar, com muita ponta de estoque e preços camaradas. (Metro Cais do Sodré). Ali comprei por 2 euros um exemplar do livro “Lisboa das Sete Cidades”, que eu encontraria, horas depois, à venda em outra livraria de Lisboa, por 17 euros. (*)
Não deixe de visitar a Livraria Municipal (Avenida da República, nº 21 A – Metro Saldanha). O seu acervo compõe-se, quase totalmente, de livros sobre Lisboa. Publicações da Câmara Municipal de Lisboa são ali distribuídos.
Por último, mais uma dica. Instalada numa dependência do Palácio Foz, ao lado do Posto de Informações Turísticas, a pequena Loja dos Museus contém livros de arte, especialmente os referentes aos principais museus portugueses. (Metro Restauradores).
(*) “Lisboa das Sete Cidades”, de José Luis de Matos e Isabel Braga. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
CRÉDITO DA FOTO: Publicada no blog Itinari