Zezo Silva, transformista, artista e professor de Balé, foi vítima de latrocínio ontem (5). Segundo a suspeita levantada pela mídia, um namorado o golpeou com uma chave de fenda para roubar o dinheiro herdado há pouco tempo decorrente da morte da mãe. Ele tinha 62 anos.
Só conheci Zezo de vista. Portanto, não tenho comoção por ligação pessoal, afetiva. E já de alma petrificada pelo tanto que já vi e ouvi, a única sensação que me causa é tristeza.
Mas hoje acordei cedo e um pouco mais triste. E me perguntei o porquê, se desconhecia Zezo e se o fato é tão corriqueiro. Talvez ainda reste alguma fagulha de sentimento nessa minha carcaça. Ou talvez seja a junção de tantas intolerâncias e notícias dos últimos dias.
E recordei do brutal assassinato de Brasil, outro homossexual conhecido, também sexagenário. E isso foi há uns 12 anos. Eu ainda repórter de Cidades do Diário de Natal fui chamado às pressas para cobrir o fato. E mesmo com algum tempo como repórter de Polícia, essa foi uma das cenas mais chocantes que presenciei.
Brasil morava na rua Felipe Camarão, Cidade Alta, próximo ao Sindicato dos Jornalistas. Uma casa humilde, de porta estreita, antiga, com abertura em cima e embaixo. Brasil conheceu um rapaz em um ônibus e o convidou para, mais tarde, ir à sua casa, naquele mesmo dia. Chegou a comentar todo satisfeito essa expectativa com um amigo.
Brasil foi morto a pedradas. Vizinhos relatam ter ouvido pedido de socorro desesperado de Brasil à porta. Mas não houve tempo. Ele foi puxado de volta à casa e sucumbido aos golpes.
Quando cheguei, Brasil já tinha sido levado pelo carro do Itep. O rapaz “bonito” estava lá, amarrado na calçada. A pedra ensanguentada usada no crime, também. O sangue de Brasil era poça dentro de casa, no chão e com respingos nas paredes. Uma cena dantesca.
A imparcialidade jornalística foi pro brejo. Fiquei revoltado com a situação. Ainda ouvi uma das vizinhas dizer, junto ao criminoso, que “um homem desses eu também levaria pra casa”.
Nesses 12 anos vi e ouvi muitas histórias parecidas, mas essa me marcou. E ontem foi Zezo. Mais um. Hoje será outro, que não conhecemos e passará batido pela mídia. Amanhã será um terceiro e continuaremos rindo de piadinhas homofóbicas no zap. Depois serão mais Zezos e nada parece mudar.
Como profetizou Belchior, ainda somos como nossos pais. Mas talvez um pouco mais insensíveis, indiferentes, enfraquecidos após tantas mortes diárias. E me pergunto: por mais quantos Zezos isso vai mudar?
O velório de Zezo acontece hoje, sábado, das 7h às 14h no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel. O sepultamento será às 16h no Cemitério do Alecrim.