Políticos do RN sob o olhar de Gilberto Amado

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Não sem razão, Gilberto Amado (1887-1969) é considerado um dos melhores memorialistas brasileiros. Com ele ombreiam-se tão-somente Pedro Nava e poucos outros. Escritor multifacetado, cultuou vários gêneros literários – ensaio, romance, poesia – e foi, notadamente em sua juventude, jornalista dos mais atuantes, não apenas no Rio de Janeiro, então capital federal, mas também em Recife. No entanto, só a sua obra memorialística perdura, tudo mais caiu no esquecimento.

A Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, reportando-se a Gilberto Amado, diz, com propriedade:

“Após longo silêncio, no curso do exercício de atividades diplomáticas, sobretudo junto às assembleias internacionais, começou a lançar, em 1954, as suas memórias em cinco volumes, graças às quais o gênero se consolida no Brasil, inclusive inspirando outros escritores a segui-lo, adotando um gênero antes pouco explorado.” (Vol. I. São Paulo, 2001).

Obra monumental, essas memórias contêm páginas, verdadeiramente, antológicas, valendo destacar inúmeras do primeiro volume -“História de Minha Infância”, em que a própria temática favorece o enfoque poético.

Não tenho, aqui, a pretensão de analisá-las; quero apenas apresentar em recortes, passagens do quarto volume – Presença na Política -, nas quais o autor descreve suas atividades como parlamentar e refere-se a vários colegas, inclusive alguns representantes do Rio Grande do Norte na Câmara dos Deputados. Era no tempo da República Velha, por volta de 1922.

JUVENAL LAMARTINE

Fazendo alusão ao Almirante Wandenkolk, ícone militar e político de brilho passageiro, Gilberto Amado focaliza políticos de projeção em sua época, que deixaram a cena e sumiram na poeira do tempo. Entre estes, que ele chama de “os Wandenkolks”, inclui, do Rio Grande do Norte, inicialmente Juvenal Lamartine (1874-1956). Vale ressaltar que Lamartine seria, mais tarde, Presidente (Governador) do Estado, destituído do cargo pela Revolução de 30. Seu governo destacou-se pelas suas ações pioneiras em prol da aviação civil e do feminismo.

Que diz Gilberto Amado sobre ele?

“Juvenal Lamartine, alto, magro, musculoso, lividez de pele que o sol do Nordeste não pôde crestar, voz fina de asiático” (P. 29).

Curiosa observação! Dado biográfico, esse, que inúmeros outros documentos a respeito de Lamartine não revelaram.
Páginas adiante, encontra-se outra impressão reveladora, enfocando dois vultos não menos importantes da República Velha.

ALBERTO MARANHÃO

“Vou ainda citar uns nomes. No Rio Grande do Norte, Alberto Maranhão, um Albuquerque cor-de-rosa, gentil. José Augusto, hoje relíquia da República, que se formou dois ou três anos antes de mim e que deixou fama de grande estudante no Recife.” (P. 87).

Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão (1872-1944) exercia, então a deputação federal em mandato renovado, depois de haver governado o Estado, por duas vezes. Grande administrador, tido e havido como mecenas. Era irmão de Pedro Velho o organizador do Estado republicano no Rio Grande do Norte, cacique político da República Velha.

JOSÉ AUGUSTO BEZERRA DE MEDEIROS

José Augusto Bezerra de Medeiros (1884-1971), Deputado Federal, em três legislaturas sucessivas, de 1915 a 1923; precedeu Juvenal Lamartine no governo do Estado. Senador (1928-1929), reeleito em 1930, quando o Congresso foi dissolvido pela Revolução. Voltou à Câmara dos Deputados (1935-1937) e, após a Redemocratização, participou da Assembleia Nacional Constituinte (1946) e cumpriu mais dois mandatos de Deputado. Foi também, no início de sua carreira, professor e magistrado.

Escritor, deixou vários livros. Grande figura. Vi-o uma só vez quando ele, já muito idoso, visitava a Faculdade de Direito de Natal, então instalada no velho prédio da Ribeira, onde eu estudava. Tipo sereno e digno de patriarca sertanejo. Causaram-me impressão os pequenos cortes no seu rosto, com certeza resultantes de um barbear apressado.

Voltemos a Gilberto Amado.

Em outras duas ou três passagens do seu livro, ele se refere, episodicamente, a Georgino Avelino (1888-1959), o prestigioso manda-chuva do PSD (Partido Social Democrático) no Rio Grande do Norte. Não o descreve, porém. Cita-o en passant.

Percebe-se, no entanto, ser Georgino personagem de certo relevo na cena política nacional, notadamente depois da Redemocratização. Foi Deputado Federal (1924-1926), Senador em dois mandatos, de 1946 a 1959, e Interventor do Rio Grande do Norte, de 19 de agosto de 1945 a 4 de novembro do mesmo ano. Dividia com José Augusto, da UDN (União Democrática Nacional), o poder político do Estado “antes do advento do dinartismo e do aluizismo” – como bem afirma François Silvestre, em seu livro “Dicionário politico do RN.”

Todos esses políticos norte-rio-grandenses mencionados pelo escritor sergipano eram homens de alto valor – homens que, com a sua têmpera, não mais se encontram no cenário político de hoje.


REFERÊNCIAS:

AMADO, Gilberto. Presença na Política. Rio de Janeiro :Livraria José Olympio Ed itora,1958.

COUTINHO, Afrânio I SOUSA, J . Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. Vol. I São Paulo: Global Editora /Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional – Academia Brasileira de Letras, 2001.

FLORES, Conceição. Dicionário de Escritores Norte-rio-grandenses : de Nísia Floresta à Contemporaneidade. Natal: EDUNP,2014.

MAIA, Agaciel da Silva. Parlamentares do Rio Grande do Norte. Vol . I.
Senadores – do Império à Republica. Brasília : Senado Federal,2002.

MELO, Veríssimo de. Patronos e Acadêmicos. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Pongetti,1974.

PEREIRA, Nilo. José Augusto Bezerra de Medeiros Um Democrata. Natal: Fundação José Augusto,1982.

SILVESTRE, François. Dicionário Político do RN (Contemporâneo). Natal: Edição do autor,1999.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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