Pacto de Sangue e o impacto dos filmes noir entre 1940 e 1950

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O ciclo clássico dos filmes noir (1940-1950) me encanta deveras. Aproveitando o ensejo dos cinedebates sobre o noir, dentro do curso A Experiência do Cinema, ministrado pelo Prof. Fábio Rockenbach, comprei o livro From The Moment They Met It Was Murder: Double Indemnity and the Rise of Film Noir, de Alain Silver e James Ursini, publicado em março de 2024 pela Running Press, com 352 páginas, capa dura e sobrecapa.

Eu já gostei do título, o qual faz menção ao trailer de Pacto de Sangue (Double Indemnity, EUA, 1944), e a como o marketing da Paramount trabalhou para vender aquele filme, tão diferente dos demais melodramas criminais do período, e que acabou se tornando icônico por trazer os principais elementos que compõem o noir: narração em primeira pessoa, trama entrecortada por flashbacks, a femme fatale, o homem que se deixa manipular pela femme fatale, o investigador/detetive particular, a iluminação em baixo contraste e as sombras estratégica e angulosamente projetadas.

O livro é composto de sete capítulos. Os dois primeiros trazem um apanhado amplo do caso Snyder-Gray, que, em 1927, chocou os Estados Unidos. Os autores abordam detalhes da vida de Ruth Snyder, e o que a levou a matar o marido, com a ajuda do amante Judd Gray, e ficar com o dinheiro do seguro de vida que ele havia feito recentemente. Os autores mostram como a imprensa da época explorou o caso até o osso, rotulando Ruth Snyder (a quem chamavam depreciativamente Bloody Blonde, Tiger Woman, Granite Lady) como uma mulher fria, vil e vampiresca, que havia seduzido e manipulado o “pobre” Judd Gray, um vendedor de espartilhos.

A imprensa influenciou tanto a opinião pública, a ponto de o julgamento já começar com todos tendo sentenciado Ruth como culpada (ela e Judd Gray foram sentenciados com a pena de morte pela cadeira elétrica e morreram em janeiro de 1928). Filas quilométricas se formaram para acompanhar o julgamento, pois era aguardada a descrição do assassinato. Muitas celebridades da época compareceram, entre elas o cineasta D. W. Griffith, que na ocasião afirmou pensar em fazer um filme sobre aquele caso. Para conter o ímpeto popular foram cobradas entradas, vendidas entre 50 e 100 dólares. Entre os muitos jornalistas cobrindo o julgamento, estava lá o jovem James M. Cain, que na década de 1930 veio a escrever dois romances policiais tendo como base o caso Snyder-Gray: O destino bate à sua porta (1934) e Pacto de Sangue (1936).

Os capítulos três e quatro não são tão longos, e falam, respectivamente, sobre as carreiras de James M. Cain e do cineasta Billy Wilder (mostrando como ele transitou de jornalista para roteirista e diretor de cinema).

Já os capítulos cinco e seis são os melhores do livro, pois trazem muita informação sobre os bastidores da pré-produção e da produção do filme Pacto de Sangue, adaptação do romance homônimo do Cain. Há desde a implicância mútua entre Raymond Chandler e Billy Wilder até fatos curiosos, como a necessidade de mudança do sobrenome do personagem Walter Huff para Walter Neff (a produção descobriu existir um Walter Huff real, vendedor de seguros – pasmem! – no Meio-Oeste), e a famigerada tornozeleira da Phyllis, inexistente do livro, criação dos roteiristas Chandler e Wilder. Sem contar a primeira reunião com o escritor Raymond Chandler, quando lhe foi oferecida a quantia de 750 dólares para escrever o roteiro de Pacto de Sangue, e ele disse que só o faria por pelo menos 1.000 dólares (sabe de nada, inocente), e então lhe foi informado que seriam 750 dólares por semana (era a primeira experiência de Chandler como roteirista de cinema, tanto que nem agente ele tinha e, no fim, após trancos e barrancos com Billy Wilder, ele faturou 9.750 dólares pelo roteiro e fechou um contrato com a Paramount como roteirista).

O último capítulo do livro aborda a repercussão do filme Pacto de Sangue entre os críticos e o público da época, os remakes oficiais e extra-oficiais do filme, os trabalhos que a equipe fez após Pacto de Sangue (a curiosidade fica por conta dos últimos trabalhos do compositor Miklós Rózsa e da figurinista Edith Head ter sido justamente a sátira aos filmes noir, Cliente Morto Não Paga, dirigido por Carl Reiner e protagonizado por Steve Martin, em 1982), a relevância de Pacto de Sangue entre os filmes noir, diretores significativos do ciclo noir e finaliza com os proto-noir, filmes feitos entre as décadas de 1920-1930 que traziam histórias de crime, violência e críticas sócio-políticas, temas que depois serão melhor explorados nos filmes noir da década de 1940.

From the Moment They Met It Was Murder: Double Indemnity and the Rise of Film Noir pode ser comprador via Amazon:

Milena Azevedo

Milena Azevedo

Mestre em História (Unisinos/RS), já foi professora e empresária, e desde 2005 milita no campo das histórias em quadrinhos. Atualmente segue como diagramadora, letrista e roteirista de HQs e games, com trabalhos publicados em coletâneas locais, nacionais e em Portugal e Angola, finalistas do Troféu HQ Mix, do Troféu Angelo Agostini e da categoria Quadrinho Alternativo do Festival de Angoulême (França), entre eles: Visualizando Citações - vols. 1 e 2, Fronteira Livre, Máquina Zero - vol.2, Imaginários em Quadrinhos - vol. 4, Haole (webcomic), Amor em Quadrinhos, Penpengusa, Contos Urbanos e Café Espacial #19. Vencedora do Troféu Angelo Agostini de 2019 (Melhor Lançamento) e dos HQ Mix de 2019 e 2020 (Melhor Publicação Mix e Melhor Publicação Aventura/Terror/Fantasia) com Gibi de Menininha 1 e 2. Em 2022, roteirizou as HQs “Oscar e o Pan de 87” e “Viúva Veneno”, ambas publicadas pela editora Ultimato de Bacon. Também criou a webtira Aprendiz de Bruxa, em parceria com Ju Loyola, e atualmente a parceria segue com a desenhista Mari Santtos. Em 2018, fez sua estreia na literatura infantojuvenil com o livro Dara, Dora e as estrelas, escrito a quatro mãos com Glacia Marillac.

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