Nos tempos que correm, diante de um governo genocida e exterminador, tanto da natureza quanto dos povos originários e trabalhadores do país, em especial, os seringueiros, nada mais oportuno que ler “O terrível Gosmakente”, de José Arrabal. Um livro publicado em 2013 que, além de atento aos rumos que a sociedade capitalista sempre direciona em favor da ganância passando por cima de questões cruciais da existência, não somente de um povo, mas também do planeta, ainda parece uma espécie de profecia para o que viríamos a assistir com os desmandos do momento atual. Muitas queimadas irresponsáveis, negligência com os garimpeiros, conivência com as milícias, atitudes racistas, negação da ciência e inúmeras barbaridades e afrontas ao senso crítico e amor à vida.
Nesse sentido, “O terrível Gosmakente”, trata-se de uma fábula onde a ficção e a realidade se confundem, na medida em que o autor estabelece um diálogo bastante rico entre a constatação de posturas e ações de uma política predatória e a necessidade de reação e resistência. Tudo isso permeado pela sensação de impotência dos explorados contra os exploradores, assim como nos incita a uma tomada de consciência para a possibilidade de que os personagens, para além do mero papel de figuração, se insurjam reivindicando o protagonismo. Por um lado, tem um certo aspecto de tragédia, considerando que os acontecimentos se dão como uma fatalidade, ou seja, como aquilo que é porque deveria ser, como um desígnio dos deuses, do capital, é claro. E, ainda, levando em conta o trágico, o autor se socorre da peripécia, na medida em que na sua narrativa, no percurso dos acontecimentos, de uma maneira quase inesperada, modifica toda a situação e o modo de agir dos personagens, dando uma reviravolta na história.
Um detalhe mais que especial é que o cenário de toda essa trama é o Amazonas e, para sustentar toda a trama, Arrabal se socorre de seus habitantes, desde os povos até os animais típicos da região, passando pelas suas lendas do imaginário local e nacional, propondo que o guardião das florestas seja incorporado pelo conjunto desses elementos.
De algum modo, Arrabal propõe uma nova revolução dos bichos, mas não como aquela de George Orwell, quando os bichos ocupam o lugar dos homens para fazer o mesmo que estes fazem, mas uma revolução onde os animais e os trabalhadores também explorados e entendidos como bichos se rebelam para defender a existência em prol de uma vida que em nada coincide com as propostas do personagem Gosmakente que não passa de uma metáfora para nomear as ações do capital predatório como eufemismo da política desenvolvimentista.
Ler “O terrível Gosmakente”, de José Arrabal, implica em abrir um espaço para pensar o mundo como um processo de construção de significados, onde o homem e a natureza não se dissociam e, ao mesmo tempo, entender como o capitalismo corre na contramão do ser humano que se constrói em prol do mais simples que é viver e deixar viver, nadando nas águas da ideia da possibilidade de uma harmonia entre o que somos e a realidade de um planeta regado pela consciência de nossa finita trajetória no infinito do universo que tem suas próprias regras.
Enfim, assim como Gosmakente significa e resume o representante do capital e que, o guardião da floresta podemos ser todos nós, afirmo, sem medo de errar, que “O terrível Gosmakente”, de José Arrabal, é um convite à luta, um aviso de que é mais digno morrer de pé, lutando, do que viver de joelhos.
FOTO: postada no blog Limiar.