A história de Hollywood é marcada por contradições profundas. Enquanto o cinema americano construiu mitos universais sobre liberdade, coragem e justiça, também eternizou estereótipos racistas, marginalizando artistas negros, latinos, indígenas e asiáticos por mais de meio século. Desde os tempos do cinema mudo até a era das redes sociais, a indústria oscila entre preconceito institucional e gestos de resistência que ajudaram a abrir brechas de mudança.
Nos anos 1930 e 1940, atores consagrados como John Wayne e Walt Disney representavam o espírito do nacionalismo branco norte-americano. Wayne, símbolo do cowboy heróico, expressou abertamente opiniões racistas e supremacistas, defendendo a segregação racial e atacando o movimento pelos direitos civis. Outros nomes, como Ward Bond e Walter Brennan, compartilhavam posições semelhantes, reforçando um imaginário onde o homem branco era o protagonista civilizatório, e os povos não brancos, a ameaça.
Nesse mesmo período, o racismo institucional de Hollywood se revelava até mesmo nas vitórias históricas. Em 1939, Hattie McDaniel, por sua interpretação da criada Mammy em E o Vento Levou, tornou-se a primeira pessoa negra a ganhar um Oscar, na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Mas, ironicamente, Hattie não pôde sentar-se junto ao elenco no salão principal da cerimônia — foi colocada em uma mesa isolada, ao fundo, devido à política de segregação racial vigente.
Sua vitória, ao mesmo tempo triunfante e humilhante, simbolizou o paradoxo do cinema americano: celebrar o talento negro, mas confiná-lo a papéis estereotipados e a lugares marginais.
Coragem ética
Décadas depois, artistas como Paul Robeson, perseguido por seu ativismo político e antirracista, e Marlon Brando, que recusou o Oscar em protesto contra o tratamento dado aos povos indígenas, tornaram-se vozes de resistência dentro da própria indústria. Brando, ao enviar a ativista Sacheen Littlefeather para discursar em seu lugar, expôs ao mundo a hipocrisia de Hollywood — um gesto que ecoa até hoje como marco de coragem ética.
Com o avanço do movimento dos direitos civis nos anos 1960, surgiram ícones antirracistas como Sidney Poitier, o primeiro negro a vencer o Oscar de Melhor Ator. Sua trajetória, contudo, carregava o peso de representar um ideal de respeitabilidade imposto por um sistema ainda profundamente branco. Outros artistas, como Jane Fonda e Harry Belafonte, transformaram sua visibilidade em trincheira política, denunciando a guerra, a pobreza e o racismo.
Enquanto isso, a ala conservadora da indústria — nomes como Clint Eastwood, Mel Gibson, Jon Voight e James Woods — manteve viva uma retórica nostálgica e excludente, crítica aos movimentos progressistas e aos avanços na representatividade. Em contrapartida, artistas como Denzel Washington, Morgan Freeman, Danny Glover e Whoopi Goldberg afirmaram com vigor o protagonismo negro e a complexidade de suas narrativas, ampliando os horizontes da representação no cinema.
Nova geração
Nos tempos recentes, Hollywood tenta reescrever parte de sua história. Atores e cineastas como Viola Davis, Jordan Peele e Michael B. Jordan representam uma nova geração que reivindica o protagonismo negro não como concessão, mas como direito histórico. E enquanto nomes como Sean Penn e Susan Sarandon continuam a defender causas sociais, a luta contra o racismo — explícito ou velado — permanece como ferida aberta sob o brilho das luzes.
O cinema americano segue sendo um espelho de sua própria nação: uma arte poderosa capaz de denunciar o racismo — mas também de reproduzi-lo. A história de Hollywood, em última instância, é uma disputa constante entre o mito e a consciência, entre o poder de iludir e o dever de iluminar.

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Excelente artigo.