O conto cinematográfico de Rui Lopes

Rui Lopes

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Revelação do conto norte-rio-grandense, Rui Lopes estreou nas letras em 2021 com A noite veste lilás – 10 narrativas extremas, coletânea que obteve sucesso de crítica e de público. Antes, porém, havia publicado vários roteiros cinematográficos, igualmente bem aceitos, como A ponte sem fim (2011), Cabra de peia (2021), ambos em livro.

“Seus contos nos vencem por nocaute” – disse o pesquisador e crítico Thiago Gonzaga ao prefaciar o livro A noite veste lilás, fazendo alusão a uma afirmativa de Cortázar. Com efeito, todas as histórias, constantes da obra, situam-se em bom nível qualitativo, mas pelo menos uma delas – “Aliás, Chico do Banco” – é verdadeiramente antológica.

Rui Lopes, paralelamente às suas atividades de cineasta – roteirista e diretor – continuava a dedicar-se às Letras, voltando-se, especialmente, para o conto, gênero da sua predileção. E motivado, talvez, pela sua estreia literária bem-sucedida, escreveu Luz de candeia (2024), livro de contos cujos originais tive a satisfação de ler em primeira mão.

Três histórias compõem a referida obra com bastante unidade temática e formal, de modo que formam uma espécie de tríptico.

“Luz de candeia”, primeira na ordem de apresentação, é uma narrativa inspirada em célebre relato constante do Velho Testamento: Abraão, cumprindo ordem divina, dispõe-se a matar o seu filho Isaac, imolando-o como prova de fidelidade ao Senhor. Tal episódio, transposto sob novas figurações, para o sertão nordestino, comove. É notável a perícia com que o contista expressa toda a força dramática dessa passagem bíblica.

Em seguida, apresenta-se o conto “A lua do meio-dia”. Título poético para uma poética narrativa, em que a iniciação sexual de um rapaz tímido e sensível tem desfecho trágico em clima de Realismo Mágico.

Terceira e última peça do tríptico, “Travo de caju” é mais uma abordagem da temática do cangaço, temática esta um tanto gasta, como se sabe. Parece até que o autor, explorando-a, tenta extrair ouro de uma mina, aparentemente, esgotada. Mas não se sai mal.

Se eu pudesse definir todos esses contos em uma palavra, diria: dramaticidade.

Criador e/ou adaptador, como roteirista, de situações impactantes, Rui Lopes soube dar ênfase ao potencial dramático de cada cena das suas histórias. Note-se que utilizei a palavra cena, tendo em vista a linguagem cinematográfica evidente em quase todas as narrativas do autor. Flashback, closes, planos gerais e a ação detalhada passo a passo, como que visualizada, tudo comprova essa interação literatura/cinema.

Outros aspectos interessantes podem e devem ser vistos nos contos em foco, constituindo, no entanto, assunto de maior profundidade, que não cabe em um simples artigo, como este.

P.S.:

O cineasta e escritor Rui Lopes faleceu no dia 14 de junho do corrente ano, em Natal, onde residia. Tinha 67 anos de idade. Grande figura humana, formava na linha de frente da intelectualidade potiguar, porém, sem alarde, avesso a badalações, sua obra não teve o reconhecimento devido. Vários livros atestam sua operosidade. No gênero conto, além de A noite veste lilás, deixou Luz de candeia, inédito.

Como cineasta, Rui Lopes destacou-se pela produção e direção de filmes de média metragem, financiados por editais de incentivo à cultura: “Azul lavanda” (FIC – Prefeitura de Natal), “Cabra de peia” (MINC), “Minha bolsa mágica” (Lei Djalma Maranhão) etc.

A indesejada das gentes levou Rui Lopes quando ele se achava em plena atividade, cheio de ideias e planos. Uma perda irreparável para os círculos culturais do nosso estado.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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