O conceito de folclore é claro: manifestações culturais que caracterizam a identidade de um povo, transmitidas de geração a geração. A invasão ao Memorial Câmara Cascudo, tombado pelo Estado em 1989 é um pouco isso: retratam a identidade de uma cidade insegura e sem valorização de sua cultura. Algo que também vem se transmitindo a cada geração. O fato ocorreu na madrugada do domingo pra segunda. Até o momento, nenhuma providência foi tomada.
O prédio, construído nas últimas décadas do século 18, já foi abrigo de serviços administrativos da Fazenda Real, da Delegacia Fiscal e Quartel General, hoje homenageia – ou deveria – a figura de Cascudo, a cultura popular e a pesquisa etnográfica do povo potiguar. Deveria, também, ser ponto turístico. Mas se mostrou abandonado até o clímax dessa novela, com o desfecho do arrombamento e depredação do patrimônio público e imaterial salvaguardado no prédio.
O Memorial abrigava vasta documentação; mais de meio século de material de pesquisa às tralhas, afora os equipamentos roubados. A Comissão Norte-riograndense de Folclore, abrigada no prédio, foi quem tentou resgatar o que sobrou. “Fomos em três carros particulares para salvar o que sobrou. E não deu para levar alguns móveis porque precisava de um veículo maior. Vamos levar para nossas casas porque lá continua com janelas arrombadas”.
O revolta do presidente da Comissão de Folclore, Gutemberg Costa foi gravado em vídeo distribuído em grupos de whatzapp e em áudio desesperado enviado a este editor. “Não vamos deixar nada nosso em guarda da Fundação José Augusto. Nem sob promessa. Não acredito mais. Até lutei para chegarem onde estão, mas estou extremamente decepcionado. Sequer um vigia nunca ouve. São 76 anos da nossa Comissão e nunca fomos vítimas de um descaso desse”, lamentou.
Com quase uma semana do ocorrido, o prédio permanece do mesmo jeito. A Fundação José Augusto, órgão responsável pela manutenção do local, sequer se manifestou, prestou apoio ou, pior, foi ao local para fechar o prédio, que já se encontrava com energia cortada há mais de seis meses e carente de restauração há mais de um ano, com infiltrações, goteiras e outras deficiências estruturais.
A Comissão estava (o verbo é no passado mesmo, porque não pretendem continuar lá) instalada em uma sala no Memorial desde 1994, cedida em regime de comodato junto à Fundação José Augusto, na gestão do então diretor geral François Silvestre.
Confiram o vídeo, gravado ontem (terça-feira, 26), quando parte do acervo já havia sido salvo por membros da Comissão de Folclore:
arrombamento na sala da Comissão Norte-rio-grandense de Folclore do Rio Grande do Norte . – YouTube
Em 2018 o Memorial chegou a ser restaurado com financiamento do Banco Mundial: um investimento de R$ 300 mil. Em fevereiro de 2020 a fachada recebeu um desenho de luz patrocinado pela empresa Neonergia.
Além do abandono ao Memorial Câmara Cascudo, o Governo do Estado também consta quatro meses de atraso do repasse de recursos aos mestres e grupos de folclore beneficiados pelo Registro do Patrimônio Vivo, importante Lei criado pelo então deputado estadual Fernando Mineiro para reconhecimento e preservação dos saberes da cultura popular.
A Comissão Nacional de Folclore já se manifestou contra o descaso à situação da comissão local: “Gutenberg, lamentável o ocorrido e, também, a dívida aos mestres. Realmente o país da multiculturalidade está aos trapos em sua cultura, em sua segurança, em sua saúde, em sua economia, o que indica que os saqueadores, por necessidade (ou não) estão se aproveitando da situação. Está geral este quadro, um descaso profundo com a sociedade brasileira. Nós, que lidamos com a cultura, representamos o final da fila, com exceção dos artistas globais. Para eles a vida continua. Para nós, salve-se por conta própria”.
Nosso blog procurou a assessoria de imprensa da FJA, mas não obteve resposta.
1 Comment
Lamentável o descaso da FJA e do governo do RN, ambos geridos por Professoras.
A cultura só tem valor em anos de eleições. No mais, vira cabide de empregos.