Marcelus Bob: jovem artista plástico das antigas com rock na veia e possibilidades na cabeça

marcelus bob, por sergio vilar

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“Contemporâneo”. Alerta ao leitor: haverá repetição da palavra ao longo do texto. Nada proposital. A justificativa é auto-explicativa pela temática abordada – a arte contemporânea. E também pela reprodução fiel às palavras do entrevistado: Marcelino William de Farias, conhecido no Beco da Lama e em 15 países europeus como Marcelus Bob, um artista plástico contemporâneo de vanguarda.

A mistura de adjetivações, esta sim, é propositada. É que Marcelus Bob é múltiplo e suga ainda outras classificações indefectíveis à sua personalidade de cidadão possibilista.

Dos grandes nomes das artes plásticas potiguares, Marcelus senta no bagageiro da frase do colega Fábio di Ojuara de que “toda merda agora é arte” para contestar gestores e “público”, mas ao seu modo: “toda arte agora é merda”.

Marcelus Bob é um artista às antigas. Gosta de afirmar e reafirmar que se move tão somente pelo trinômio “tela, tinta e pincel”, sem aderir às tendências artísticas da dita arte urbana ou outros vieses das artes visuais contemporâneas.

Mas é com a tela, a tinta e o pincel que Marcelus Bob já produziu mais de 5,5 mil obras de arte e 30 séries temáticas espalhadas aqui e alhures. Não à toa já recebeu da revista alemã Neve Blatter o status de entre os 100 maiores artistas de vanguarda do mundo.

E se alguns “artistas de photoshop” o chamam de atrasado, pela falta de empreendedorismo ou atualização, ele responde: “Contemporâneo é viver o período e, mesmo com arte milenar propor temáticas novas. Mas nada de gambiarras que nem a Cosern aguenta mais. É preciso habilidade com o pincel. Meu sorriso é desprezo por teorias; quero ver a prática”.

E completa: “Não entendo de arte contemporânea, mas sou contemporâneo. Vivo da minha arte há 36 anos. Isso é ser contemporâneo. Duchamp botou um pinico na galeria para fundar a arte contemporânea e os artistas natalenses agora querem colocar seus piniquinhos nos salões para se qualificarem contemporâneos”.

Marcelus disse contar nos dedos os artistas pintores do Estado. “Hoje se vê artistas multimeios. Quando existia vanguarda era legal. A gente avançava com produções de qualidade. Hoje a arte está se autodegenerando”.

EMPREENDEDORISMO X ARTE GENUÍNA

O artista potiguar é um artista cansado. Estafado de tantas lutas inglórias. Atrasos de cachês, falta de incentivos, de amparos… E o artista cansado, mas genuíno, se transforma, por necessidade, em artista produtor, preocupado não só em criar sua arte, mas de vender também. Mas isso não é possibilista ao olhar de Bob.

“Toda e qualquer ramificação artística precisa de um produtor. É o cara que negocia. Mas se você encontrar artista negociando por aí, saia de perto dele porque é alguém perigoso”.

Foto: Flavia Chianca

E diz mais: “É difícil articular essas coisas. Meu lance é tela, tinta e pincel. Você chega no gabinete, cumprimenta o gestor, diz: ‘Tudo bom?’ E a primeira coisa que o cara diz é: ‘Tudo bem, só não está melhor porque não tem dinheiro’. e começa aquele papo de otário. É ridículo. Não tenho a ver com esse tipo de coisa não, sabe cara? Dá pra mim não. Não suporto esse tipo de orgia cooperativa”.

Marcelus Bob é uma matraca solta. Esse texto poderia ser preenchido apenas com aspas: “Artista no Rio Grande do Norte paga pra trabalhar. Jesus não abria a boca para falar besteira; ele não era otário, e ele dizia que o trabalhador é digno do seu salário. Aí a gente tem que pagar pra trabalhar, cara? Quem sustenta as instituições culturais são os artistas, porque só vem verba para os gabinetes para produzir arte, se tiver artista”.

Mais um safanão: “Falta o investimento dos gabinetes. Ficam esses filhos da $%&@ com bundas gordas sentados no sofá e não se vê uma coisa quentxura, profissional, como tinha antes; só acontecem coisas mínimas. Mas citando Câmara Cascudo: ‘o Rio Grande do Norte é um elefante sem memória’, mas de acordo com a ciência, o animal que mais tem memória é o elefante”.

APRECIADORES x DEPRECIADORES

No MMA se fala que ou o lutador tem punch ou nada adiantar treinar para conseguir, é algo nato. E a sensibilidade para apreciar arte também é para poucos.

“Geralmente quem mais aprecia obras de arte são pessoas de menor renda, que mesmo sem grana compra apertando as goelas. Esses cabras estribados, mesmo, não chegam junto não. É herança coronelista”.

Exemplo? “Não se vê uma obra de arte nas paredes dos tantos prédios, dos tantos apartamentos. Bancos bilionários e não se vê uma obra de arte; só charges tiradas de computador tirando chinfra com a cara dos clientes. Poderia ter uma poesia de Zila Mamede ilustrada por fulano de tal, uma obra de Fernando Gurgel com a legenda biográfica do artista ou da obra. Não se vê porra nenhuma disso, cara. Só você fodido com a senha na mão pagando imposto pra esses filhos de rapariga”.

ROCK X POP

Num ambinte pequeno de aproximadamente oito metros quadrados em sua casa em Mãe Luíza, Marcelus Bob montou seu ateliê. Palhetas, recortes e quadros, além do violão do roqueiro líder do Grupo Escolar se misturam a vinis e cds de rock (em maioria). É neste ambiente que o artista, sem hora ou compromisso, produz sua arte.

Foto: Anastacia Vaz

“Pinto quando me vem a mensagem. É como um anjo mandando eu trabalhar. Recebo a mensagem e transmito para a tela. Se recebo encomenda, desenvolvo a encomenda. se tomo uma a mais e fico lombrax, prax e hendrix, já coloco algumas impressões alteradas. O grande lance é o registro do que ocorre, que no meu caso é via pincel”.

Um trabalho nobre, cansativo e com ritmos diferentes: “Às vezes baixa o santo e trabalho a madrugada todinha; no outro dia to só o bagaço porque trabalha muito a mente, né? Trabalho acadêmico não é tão difícil não, mas quando se tem que criar sua menção honrosa pictórica é foda”.

E obras de arte possuem muita musicalidade; cada uma tem seu ritmo. “Então, se você tá pintando algo mais pulsante, coloco um rock in roll e cai massa. Se for uma coisa mais paisagística, mais repousante, bucólica, aí rola uma música clássica. A única música que não tem a ver com nenhum tipo de arte, pelo menos da que eu produzo, é negócio de pop. O pop não diz porra nenhuma”.

HUMANÓIDES DESENTROSADOS

A marca maior em 36 anos de atividade artística de Marcelus Bob são os humanóides – personagens sempre presentes em qualquer obra de Bob. Eles ganharam vida nos muros da cidade no início dos anos 80. À época Marcelus foi o único autorizado pela prefeitura a grafitar em muros – os cenários das telas de Marcelus detém, claramente, influência da arte do grafite.

Achei o humanóide nesta tela

Antes de estrear nos muros pintou duas ou três telas para aperfeiçoar o personagem ainda hoje presente em esquinas de Natal. A face dos humanóides são em maioria encobertos pela sombra do capuz. Como explica Marcelus, evoluíram com os anos e mostraram o “fucinho”, depois a face inteira. Mas ainda guardam o enigma do capuz.

“Eles podem ser bonitos, feios, gordos ou magros. É um possibilista”. Todos esboçam expressões sérias, tristes ou angustiadas. Segundo Marcelus é porque ainda estão desentrosados com a sociedade. “Quando estiverem mais ambientados eles vão sorrir. Por enquanto não há motivo”.

Marcelus disse que expôs um dos seus humanóides na Bodega do Deda, em Mãe Luíza e perguntou aos clientes o que viam na figura. “Recebi os mais diferentes depoimentos, desde pastor de ovelhas à coisa do demo. Até membro da Ku Kux Klan. É o efeito do personagem encapuzado da sociedade”.

LENNON LIE E OS MURAIS DO SOL

E se os humanóides ganharam vida nos muros da cidade nos anos 80, no novo século a herança de Marcelus permanece. Não mais com seus personagens, mas com seu filho Lennon Lie. Ele é um dos artistas que encabeçam o movimento Murais do Sol, coordenador por Novenil Barros e que tem pintado os muros de Natal com incentivo do Programa Djalma Maranhão.

Coletivo Murais do Sol

“Não tenho muita capacidade para falar dessas tendências novas, por motivos superiores, até. Mas tem alguns com potencial e outros paliativos. Mas há grandes possibilidades na área. Se – eu disse SE, como adjunto adverbial das dúvidas – fosse menos preguiçoso, eu destacaria Lennon Lie; ele bota pra foder no desenho; tenho até medo que ele tome meu emprego, sabe? Ele tem uma precisão no traço muito grande e pode ser um artista fodendo mesmo”.

Preguiçoso ou não, Lennon Lie já é artista multifacetado, mais identificado com as produções na arte do grafite, mas hábil também na aquarela, no manuseio das telas com carvão, na tinta acrílica, ou na caneta. “Mas falta eu me tornar artista no sentido de viver disso. Por enquanto sou acadêmico de ciências biológicas”.

O coletivo Murais do Sol já iniciou pintura de muros de Mãe Luíza (na escadaria nova), Praia dos Artistas (em frente ao Chaplin) e Ribeira (Rua Chile, já finalizado). Todos com cerca de 30 metros de cumprimento.

CIDADE ALTA X MÃE LUÍZA

Marcelus Bob foi personagem onipresente nas festividades do Centro Histórico, do Beco da Lama. Até sete anos atrás seu ateliê e morada figuravam numa casa de arquitetura neoclássica na Rua Gonçalves Ledo. Mas nos últimos anos voltou às origens, em Mãe Luíza.

Nascido no Passo da Pátria em 1958, Marcelus Bob foi criado no morro de Mãe Luíza. Se existe autodidata dada as essências do existencialismo ou de Piaget, Marcelus Bob é um deles, mas recebeu influências do pai repentista e escultor, e da mãe, instrumentista de corda.

Pergunto sobre Mãe Luíza. E uma gargalhada aberta brota instantaneamente do rosto sisudo. “Mãe Luíza é a glória! O Oceano Atlântico com Netuno, sereia e Yemanjá, a Mata Atlântica com direito a Saci Pererê. E aqui fica no alto, mais perto do céu. Mãe Luíza é a mãe que mais tem filho no mundo, né? Deve ter chibiu de aço para aguentar tanto filho”.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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