Metade de mim é um istmo

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por Marcius Cortez

Sou habitado por uma consciência paralela que desenvolvi em minhas andanças por Natal, Recife e São Paulo. Sua forma geométrica é de um diagrama composto por três metades. Metade nordeste, metade solidamente paulista e um grande continente formado por um istmo machadiano de natureza deveras cética.

Natal e Recife me deram a base enquanto São Paulo me ensinou a ganhar e a me superar. Quanto ao istmo machadiano, ele significa minha disposição para sobreviver na corda bamba de que o jogo sou eu comigo mesmo, eu e meus botões metafísicos, minha gula pelo conhecimento, minha total flexibilidade para seguir na certeza de que a única coisa definitiva é o fim e o nada.

A massa do meu alicerce é a minha vida interior, meu playground do prazer da fruição estética e da transparência sentimental. Devo dizer que há um fato novo. Já não vejo nenhum país perto de mim. As árvores do Brasil secaram e a nação segue mais à deriva do que o Titanic ao sabor do oceano gelado pleno de desastres letais vindos d’além mar.

O que faço? Procuro a sombra de uma mangueira frondosa para me sentar debaixo dela e deixar que a desconfiança me guie. Qual a vantagem que levo? Ora, eu me distraio. Tenho tirado o meu sarro da canalhice pútrida do momento que vivemos. Afino meu canivete satírico e gargalho para a monstruosidade da manipulação e para o retrocesso medieval conduzido por psicopatas. Venho aperfeiçoando uma técnica sofisticada que consiste em ignorar o que dizem os charlatães do oportunismo.

Contudo, não perdi a esperança nem joguei no lixo meu sonho de transformação. Apenas estou mais consciente de que o povo está longe de dar o seu salto de qualidade. Às vezes me animo quando vejo a massa ocupando as ruas, mas isso logo se esvai e some por causa da brutalidade da violência diária contra a liberdade de pensar e de se manifestar. Deve ser porque já não tenho a coragem de antes. Deve ser medo de não suportar e cometer um ato terrorista.

Meu caro leitor, está difícil expurgar o ódio. Juro, não quero estar vivo quando o mundo se submeter a irracionalidade do capitalismo selvagem e a cegueira dos fanáticos fundamentalistas. Pretendo pular fora antes que eles apertem o tal botão.

A verdade é que não me queixo porque não adianta. Mas também não deixo barato. Vivo intensamente a porta de emergência que me abastece de novas canções, de flores do bem, de mensagens libertárias, de amor, sol e loucura.

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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