Saudações, cervejeiros!
O título da coluna de hoje não poderia ser mais direto do que já é!
Vamos falar de IPA, um dos estilos mais amados por aqueles que gostam de cervejas artesanais. Ademais, o próprio título já carrega uma dica de ouro: não guardem IPA para beber depois (exceto em um único caso que saberemos mais adiante qual é).
IPA é um estilo de cerveja que cativa cada vez mais adeptos. Seus aromas intensos, florais, cítricos e herbais conquistam aqueles que adentram no mundo das artesanais, ainda que pela primeira vez e mesmo sem conhecer muito desse novo mundo. Seu sabor amargo, cítrico e resinoso também é responsável por angariar muitos fãs atualmente.
As IPA’s realmente são fantásticas, possuem uma variedade enorme de subestilos e nuances que agradam um espectro enorme de degustadores, em suas mais amplas vertentes de atuação.
Por isso mesmo que, para garantir o ápice da degustação, em termos de análise sensorial, é imprescindível que as cervejas no estilo IPA sejam consumidas da maneira mais imediata possível, ou seja, quanto mais fresca melhor.
E, mais uma vez, não se trata de ser beer chato ou beersnob, é realmente uma dica valiosa para quem tem uma “ipinha” guardada em casa e está deixando ela de lado (no armário ou mesmo no frigobar), esperando “aquela ocasião especial” para, finalmente poder degustar o líquido das multidões.
Dada a sua composição e a volatilidade de seus componentes, em regra, não se recomenda que as IPA’s sejam armazenadas por grandes períodos de tempos, então, vamos ver na coluna de hoje o porquê dessa recomendação e uma única exceção em que as IPA’s podem tirar algum proveito de uma guarda bem executada.
A lupulagem maior das IPA’s: conservante natural ou elemento estético do gosto?
Existe uma “historinha”, que provavelmente a maioria dos leitores já escutou, que narra a gênese do estilo IPA, cuja sigla se desdobra em “India Pale Ale”. E o motivo, alegadamente histórico, mas, de fato, não totalmente comprovado, é que o destino das Pale Ale’s inglesas (também conhecidas como ESB, ou Extra Special Bitters) era as Índias, a colônia inglesa mais distante ao oriente.
Não pretendo me alongar muito na narrativa histórica, mas, para fins de conservação e resistência à longa viagem, o método natural encontrado foi adicionar uma carga maior de lúpulo, um conhecido conservante natural e já integrante do mosto cervejeiro básico, para conferir maior durabilidade à cerveja, e, assim, ela chegar em melhores condições ao seu destino. Essa, ao menos, é a narrativa histórica “oficial” de nomenclatura e de criação do estilo.
Para fins de nosso debate de hoje, as razões históricas da criação do estilo são um tanto quanto despiciendas. Pouco importa, se, eventualmente, um dia um cervejeiro errou a mão e adicionou mais lúpulo que o previsto na receita e criou um novo estilo, ou se o seu intento realmente era ter uma maior durabilidade na cerveja para cruzar oceanos. O ponto fundamental é entender que o lúpulo, a partir das IPA’s, adquiriu um protagonismo outrora inexistente, e tal fato impactou fortemente a análise sensorial do estilo.
Assim, para além de ser um conservante natural, parente da famigerada erva proibida, o lúpulo, com o tempo, passou a ser apreciado como um elemento de destaque na produção das IPA’s. Isto é, com a pasteurização (leia mais nesse artigo, em que falamos das IPA’s de supermercado, e sim, claro, a pasteurização tem influência negativa no frescor da IPA), a quantidade maior ou menor de lúpulo, deixou de ser um elemento fulcral ou determinante para a durabilidade da cerveja (ou para a sua conservação em termos de hermetismo e sanitização contra a proliferação de agentes alienígenas na bebida).
Nesse passo, com a (r)evolução americana no mercado cervejeiro, inserindo novos tipos de lúpulos, com aromas e sabores mais diversificados, mais frutados, e menos terrosos, as IPA’s foram adquirindo novas modelagens de sabor, e o lúpulo deixou de ser um mero “anexo de conservação”, para passar a brilhar como um elemento estético digno de destaque no gosto e na apreciação das cervejas.
A partir da aquisição do novo status, a lupulagem passou a ser tida como uma técnica fundamental para expandir aromas e sabores nas IPA’s, demandando gradativamente mais técnicas e experimentos para que a finalidade proposta fosse atingida a contento.
Então, sendo ou não verdade a história que conta a origem da IPA como sendo o desbravamento do caminho das Índias, é certo que o evento histórico narrado se encontra superado para fins de análise sensorial hodiernamente, mas, ainda assim, pode servir para quem goste de ter alguma referência histórica sobre o tema ou sobre o nome dado ao estilo da cerveja.
Conservada e Fresca
Se antigamente a alta lupulagem servia para conservar a cerveja por mais tempo, hoje, por se almejar apreciar aromas e sabores mais diferenciados nas IPA’s, a recomendação que pode ser feita é que ela seja degustada o quanto antes. Quanto mais fresca melhor!
Os motivos para que se recomende que as IPA’s sejam sempre degustadas frescas não necessariamente se aplicam aos demais estilos de cerveja. Certamente, é algo que é válido para todos os estilos que possuam uma carga maior de lúpulo (e que não sejam, necessariamente, IPA, como, por exemplo, as Hoppy Lagers), mas também para estilos que não tenha tal característica (lupulada) como a mais marcante, como as Pilsen’s e as Witbiers também, já que o frescor é algo que lhes é essencial.
A principal motivação para fundamentar um consumo mais imediato das IPA’s consiste no fato que pode ocorrer, por meio da luz, principalmente, a degradação do Iso- Alfa-Ácido, o que causa uma percepção negativa na análise sensorial da cerveja. Para evitar que isso ocorra, recomenda-se o uso de garrafas marrons (e não verdes ou transparentes) para o envase, similarmente, enlatar a cerveja também é uma boa barreira para impedir a degradação do lúpulo tal como descrita.
Quanto mais rápido a cerveja for bebida, menor será o risco de o lúpulo sofrer degradação, e por conseguinte, ter uma perda considerável em seu aroma ou em seu sabor, deixando sua IPA não tão boa quanto deveria.
Não existe um padrão de tempo de validade para cervejas, embora a regra, no Brasil, seja de “no máximo”, um ano (embora, a depender do estilo, algumas cervejas expandam o mencionado prazo em mais alguns anos). Quando se fala de IPA’s, o prazo costuma ser mais escasso ainda, não se recomenda que seja superior a 6 meses.
Algumas cervejarias colocam prazos bem curtos em suas IPA’s, como é o caso da Koala San Brew, que costuma colocar 3 meses de validade. A cervejaria Wäls embarcou por um tempo, em 2017, em um projeto denominado “Fresh IPA’s”, seguindo a premissa da californiana Stone com seu motto “Enjoy By”. Com datas curtíssimas de consumo, a Wäls estipulava um período máximo de 50 dias de consumo para as suas Fresh IPA’s.
Para se ter um padrão de excelência altíssimo, o norte deve ser o período máximo de 30 dias de consumo após a produção da IPA, o que nos leva a recomendar o consumo das IPA’s de produção local, o famoso #bebalocal.
Saliente-se, no entanto, que o frescor, por si só, não é garantia de uma melhor qualidade do estilo da cerveja em apreço, embora o parâmetro temporal vise garantir que todos os aromas e sabores idealizados pelo cervejeiro possam ser alcançados em sua máxima expressão. Nesse sentido, o beba local se transforma em um beba melhor.
Saideira
Derradeiramente, as IPA’s pertencem a um estilo cervejeiro que deve ser consumido o mais rápido possível, contudo, uma única exceção deve ser feita para as chamadas Barrel Aged IPA’s (já falamos de uma delas, anteriormente, aqui no texto inaugural da coluna no Blog). Geralmente são Imperial IPA’s ou Double IPA’s, já que elas necessitam de um teor alcoólico maior para aguentar bem o período de guarda (recomenda-se um ABV superior a 8%).
Elas não são muito comuns, mas o envelhecimento em barris tende a conferir um maior potencial de durabilidade e guarda, e seu sabor tende a variar com o tempo. Se bebida logo após produzida, ela terá notas lupuladas mais intensas, uma presença amadeirada também mais forte, com dulçor e resinoso menos destacados. Se guardada, tenderá a ter seu amadeirado mais amaciado e suas notas lupuladas amainadas, o que conferirá outros elementos gustativos de análise.
De toda maneira, a regra, como forma de dica, é que as cervejas do estilo IPA sejam sempre consumidas frescas para um melhor aproveitamento do potencial de análise sensorial. Ou seja, não guardem IPA’s, não vale a pena, bebam logo, bebam fresca, e, se possível, beba local. Já dizia o ditado popular: “quem guarda com fome, o gato vem e come”.
Assim, não deixe para amanhã a IPA que você pode beber hoje!
Música para degustação
Seja rápido, seja esperto, tome sua IPA ainda bem fresca! Como dica de recomendação musical, fica o clássico Fast as a Shark, icônica banda alemã Accept. Seu pedal duplo na bateria é a marca registrada da velocidade imprimida no ritmo de toda a canção! Um clássico com um refrão pegajoso.
Saúde, e sejam rápidos!
FOTO: postada em Cervejeiro Raíz
1 Comment
Excelente artigo, até quem acaba de iniciar no universo cervejeiro consegue compreender bem. Parabéns!