Iara Carvalho, espalhando versos pela janela do Seridó

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por Alex Gurgel e Lívio Oliveira

Sol abrasador o ano inteiro, solo pedregoso e longas estiagens são as principais características de uma terra seca, imprestável para a lavoura que sustenta a vida. Nesse cenário caatingueiro do Seridó, onde a desertificação do solo predomina, germina a poesia de Iara Carvalho, jorrando versos como se a palavra nascesse em cada palmo de chão, resplandecendo a tradição literária currais-novense.

“Meu nome é Iara. Minha mãe quisera me batizar como Uiara. Mesmo sem saber nadar, como sereias deveriam, mesmo sem cantar, muito menos enfeitiçar paladares e sonhos. Sou Iara”, é um lampejo próprio dessa poetisa inquieta, quando se auto-define na apresentação de seu perfil no blog Mulher na Janela.

Apaixonada por Clarice Lispector, Carlos Drummond, Zila Mamede, Luís Carlos Guimarães, Augusto dos Anjos, Florbela Espanca, Adélia Prado, entre outros, Iara confessa que começou a escrever poesias quando era criança, mas não lembra dos primeiros versos. “Os poemas da adolescência prefiro esquecer. Eram horríveis. Diria que passei a entender poesia com maior desejo depois que passei a cursar Letras. Um mundo de possibilidades. Sensibilidade no lugar certo”, ressalta.

Segundo Iara Carvalho, atuar como poeta no Rio Grande do Norte é um grande desafio, ao mesmo tempo é uma honra fazer parte dessa casta hereditária da poesia potiguar, onde já foi revelado poetas do naipe de José Bezerra Gomes, Luis Carlos Guimarães, Nei Leandro de Castro, Diva Cunha, Iracema Macedo, só para citar alguns valores da poesia norte-rio-grandense.

Para a poetisa, com o acolhimento por parte daqueles bardos que já têm um reconhecimento, os novos poetas acabam se sentindo instigados a corresponder a um universo de expectativas, o que nem sempre acontece. “Para quem é do interior, que é o meu caso, isso se torna precípuo, pois abre portas e amplia as veredas por onde caminhamos nesse existir louco que é a arte”, enfatiza.

No seu processo de criação poética, Iara Carvalho reconstrói cada palavra, modelando os versos com se lapidasse diamantes de letras brutas, preciosidades urgidas d’alma. Revelando seu momento de epifania, Iara declara: “É um processo de acarinhamento, de temperos bem achados, bem escolhidos, fervura no ponto certo, tessitura de aflitos mesmo. Dá um trabalho grande! Mas a fruição compensa”.

Conforme Iara, seus versos são frutos do trabalho árduo, disciplinado e constante. É a pesquisa, acurada e meticulosa. É a leitura, ordenada e atenta. São muitas horas de prática despendidas diante da tela de um computador, já que parte considerável dos poetas (senão a totalidade) utiliza, hoje em dia, esse magnífico, racional e quase indispensável recurso eletrônico, aposentando a velha máquina de escrever.

A ausência de um padrão único para o fazer poético leva cada autor a buscar sua própria identidade poética no que diz respeito aos aspectos formais e temáticos de sua produção A poesia de Iara Carvalho tem, pois, uma linguagem específica. Uma linguagem que lhe é própria e que não pode ser mudada sem perder o seu encanto. Ela se diferencia de outros poetas contemporâneos por um complicado número de fatores, entre os quais, o mais importante é a vontade de beleza formal que todos os grandes poetas possuem.

Dez dedos de prosa e poesia com Iara Carvalho:

Iara Maria Carvalho nasceu em Currais Novos- RN, numa tarde ruidosa de 1980. É professora de Literatura e mestranda em Literatura Comparada, na UFRN. Ainda não publicou livros, participou de algumas coletâneas de poesias, como “Tamborete” e aquelas resultantes dos concursos literários em que foi premiada: Luís Carlos Guimarães (2004 e 2006) e Zila Mamede (2006). Gosta de tardes amenas e garrafas de vinho suave, pássaros, pássaros.

1. Por que escrever?

Porque dói. Então me liberto em palavra.

2. O Sertão é fonte de inspirações poéticas?

Às vezes o que escrevo não tem cheiro de nada. Às vezes tem cheiro de canjica, de algaroba, de alecrim. O Sertão não sai de mim. Vez enquanto escancarado, lagarto mostrando a cauda, vez enquanto sinuoso, como cheiro de mastruz. É o cacto bendito que trago na garganta. E tem um gosto bom.

3. Há uma poesia feminina, ou poesia não tem gênero?

Embora se pense de forma pejorativa, há poesia feminina sim, na sua mais alta definição. Homens que me perdõem, mas a mulher tem um sentir diferente, que alcança o nosso humano mais oblíquo e que, por isso, atinge a todos. É o universal no particular. É teia de aranha faceira. Nós nos enredamos nesses versos. Homens, mulheres, crianças. Velhos e poesias. Todos nós passamos pelas frestas de uma mulher, fazemos parte, portanto, de sua dor.

4. O que há de novidade no cenário cultural-literário do RN?

Acredito que esse cenário tem se ampliado consideravelmente devido a um processo de democratização, de comunhão, de encontro entre aqueles que fazem Literatura. É preciso abandonar de uma vez por todas a luz sem gosto que ilumina as cabeceiras das camas, as escrivaninhas bem-arrumadas dos artistas solitários que não crêem na força viva da Poesia. Essa força só pulsa quando multiplicada. A publicação de versos em qualquer veículo e a sua conseqüente repercussão, através de saraus poéticos, por exemplo, torna ainda mais luminoso o poeta potiguar. Os poetas potiguares. O(s) movimento(s) existe(m). Entreguemo-nos ao encanto da travessia.

5. O que é imprescindível ler?

Eu afirmaria: “É imprescindível ler”… Mesmo o que não faz parte do cânone, mas nos é alvo de crítica, então leiamos até “o que não presta”, se é para transformar referenciais, provocar rupturas com o estabelecido. Se a intenção é de fruição, então leia os clássicos, leia os novos, leia o que te atiça à alma e, sobretudo, leia o que está em volta. Para os poetas, em especial, leiam-se: às vezes é necessário usar o ensinamento do sábio e maravilhoso Drummond, no poema O Elefante: “Amanhã recomeço”.

6. O que é essencial na vida?

O delírio. E os lírios.

7. O homem ainda merece amor?

O homem e a mulher também… Sim, ainda não chegou o fim, esse fim chegará? Vamos entumescer os vermelhos e, cada um a seu modo, catar pétalas entre arames. “Outra beleza é possível”, citando Wescley J. Gama. Tudo é possível enquanto há o vislumbramento da morte. Na morte, até os brutos (para ser bem banal) amam.

8. O que a chuva traz?

Bafo quente de tempos outros, passados, futuros. A chuva enternesce a vida, tão virulenta, às vezes, tão enjaulada. A chuva é o terno. O eterno. Poesia multiplicada em arco-íris.

9. Poesia tem gosto de quê?

Pus. Flor de lótus. Ameixa e ranço de caju.

10. O que a mulher vê através da janela?

O problema da mulher é exatamente esse: a mulher não vê nada. Olhos apunhalados, íris rarefeita, córnea mutilada, pupila dilatada, o que há é uma réstia de som, como se fosse água caindo, talvez uma mancha numa peça íntima em plena lua-de-mel, um grito no escuro. A mulher não vê isso. E prefere achar que isso pode ser Poesia.


Um poema de Iara Carvalho

Resíduo

(poema dedicado ao ano que morei em Acari).

dessa casa de acari
ficou-me a cárie
o evangelho mal posto na cabeça
o flagrante da solidão
fazendo-se conteúdo de
goteiras
poeiras
lágrimas

dessa casa em mosaico de acari
ficou-me o cheiro do açude não sangrado
singrado nas ruínas
das paredes
das famílias
dos sangues indevidamente misturados

não ficou herança
como que se possa
fundar reinos
afundar sistemas

restou a casta gasta
de prédio antigo sem sentido
de memória sem história

porque cabeça opaca
e bem evangelizada
é de aqui

(de acari)

uma casa de pasto
onde bois não voam

caminham alegremente
para o sangradouro.


 

DEPOIMENTOS

“Iara Maria, essa poeta de Currais Novos para o mundo, é a mais grata surpresa das letras potiguares por esses tempos. Poesia certeira, instigante, sem aparas, que arrebata o leitor. Sou fã dessa danada!”
Antoniel Campos

“Iara traz um novo e contundente lirismo à poesia seridoense e latino-americana.”
Wescley J. Gama

“Iara é uma grande poetisa, que está orbitando por estas paisagens potiguares. Além de grande potencial literário é um ser humano que interage com a sua arte, assim como o fez, em Portugal, Mário de Sá Carneiro”.
Maria josé

“Iara tem sido uma grata surpresa para a literatura potiguar. Sua poesia é consistente e merece atenção. A veia seridoense a tem ajudado na formulação de belas imagens poéticas. Uma dose estimulante de erotismo também tem sido uma tônica de seus belos poemas. A moça merece mesmo os louros que está colhendo”.
Lívio Oliveira.

Alex Gurgel

Alex Gurgel

Fotógrafo e viajante

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1 Comment

  • Ana Elídia Galvão Bezerra

    Maravilhada com a poesia de Iara. Descobri uns versos dela num marca páginas de um livro e me apaixonei.

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