Humberto Hermenegildo: 40 anos de literatura

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De tantas coisas que a região do Seridó tem para se orgulhar, além de sua historia, cultura, culinária e seu povo, os seus escritores também são motivos de ufanismo. A região que reúne várias cidades, doou, e continua doando, ao Estado importantes nomes da nossa literatura, no passado e no presente, basta lembrar de alguns que já se foram, como por exemplo, José Bezerra Gomes, José Gonçalves de Medeiros, Oswaldo Lamartine, Luís Carlos Guimarães, Paulo Bezerra, Moacy Cirne, Zila Mamede (embora tenha nascido em Nova Cuité, PB, era filha de pai caicoense, e teve primeira formação em Currais Novos), além de outros que também já se foram, e muitos que estão construindo uma carreira literária, atualmente.

Seridoense nascido em Acari, Humberto Hermenegildo de Araújo, é autor de inúmeros livros, ensaios, artigos, e publicações na área de literatura, principalmente como pesquisador. Dedicou toda sua carreira ao ensino e à pesquisa, sobretudo como professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especializou-se em áreas com temáticas como: moderna literatura brasileira, regionalismo, epistolografia, literatura e ensino, com ênfase no estudo da literatura local e regional.

PRIMEIROS PASSOS

Deu os primeiros passos, de forma pública, como poeta, ainda na época da Faculdade de Letras, na UFRN, no final dos anos 70, publicando no jornal alternativo “Letreiro”, juntamente com alguns companheiros da geração que surgia no cenário das nossas letras, como por exemplo, a escritora Anchella Monte.

Também publicou no jornal-pôster “Dito e Feito”, em 1980, do Laboratório de Criatividade/UFRN, além de ter poemas de sua autoria incluídos no livro Grande Ponto, lançado em 1981 pela Editora Universitária, espécie de coletânea de contos, poesias e ensaios, que reunia jovens estudantes e escritores mais experientes.

No ano seguinte Humberto Hermenegildo foi aprovado em concurso público para o corpo docente da UFRN como professor de Teoria da Literatura. Três anos depois, em 1985, já recebia homenagens da turma de alunos do Campus de Nova Cruz, como professor de destaque na área.

Hermenegildo graduou-se em Letras, na UFRN, no final dos anos 70, depois fez mestrado, em Teoria e História Literária, na UNICAMP, doutorado em Letras na UFPB, além de um pós-doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada, na FFLCH/USP.

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MODERNISMO NO RN

Publicou diversos trabalhos sobre o modernismo no Rio Grande do Norte, com foco na poesia de Jorge Fernandes, além de estudos sobre Luís da Câmara Cascudo e vários outros autores, por exemplo, mais recentemente, em parceria com João Maria Palhano, publicou Palmyra Warderley – Entre Trinta Botões de Uma Roseira Brava : Estudo crítico e seleção de poemas. (EDUFRN, 2018), livro sobre o qual escrevemos artigo para o Jornal de Fato.

“Num criterioso estudo, revelam-se novos e interessantes aspectos da obra em foco. Os pesquisadores se aprofundaram numa análise crítica, desnudando um dos livros de poemas mais famosos do Estado, e oferecem ao leitor uma verdadeira incursão pela poética de Palmyra, com alguns poemas selecionados junto ao ensaio critico.

Situando-se entre a tradição de Auta de Souza e a modernidade de Jorge Fernandes, Roseira Brava faz de Palmyra, uma espécie de poeta de transição, o que é admitido pelos pesquisadores, ao constatarem, no estudo, numa perspectiva historiográfica, que a obra de Palmyra condensa os dois grandes movimentos da nossa poesia na terceira década do século passado.

Palmyra Warderley – Entre Trinta Botões de Uma Roseira Brava : Estudo crítico e seleção de poemas homenageia a poeta natalense nos quarenta anos de sua morte, e a coloca no patamar que merece, proporcionando sobretudo para a nova geração a possibilidade de conhecer a importância e o valor de Palmyra Wanderley, denominada por Agrippino Grieco “Cigarra dos Trópicos”.”

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O ARTISTA DA PALAVRA

Sobre o artista da palavra Humberto Hermenegildo de Araújo, tivemos oportunidade de discorrer em periódicos, como o Jornal de Fato e Tribuna do Norte, no blog Substantivo Plural do jornalista Tácito Costa e aqui no Papo Cultura comandando pelo também jornalista Sérgio Vilar. A respeito do seu livro de poesias escrevemos:

“De alguma forma o título da obra nos sugere uma relação com o linguajar sertanejo. Seria Argueirinha uma espécie de instrumento para tirar um argueiro preso nos olhos das pessoas? Seria uma sugestão para o leitor se despir de “pré-conceitos” para se aprofundar nos versos? Estaria o poeta sugerindo ao leitor, a retirada do cisco nos olhos da leitura? Como diz Milan Kundera: “Atravesso o presente de olhos vendados, mal podendo pressentir aquilo que estou vivendo… Só mais tarde, quando a venda é retirada, percebo o que foi vivido e compreendo o sentido do que se passou…”

Em 2015, Argueirnha foi vencedor do Prêmio de Poesia do concurso “Coleção Vertentes” da Universidade Federal de Goiás.

Relatos implícitos ou condensados nos versos, em muitas passagens nos lembram Sertania de Nivaldete Ferreira e O Arado de Zila Mamede. Vale salientar que outros poetas norte-rio-grandenses poetizaram as coisas do sertão, mas, apenas de forma teórica, como ouviram falar, diferente desses três poeta citados, que tiveram toda uma vivência no interior.

Transcrevemos a seguir um dos mais expressivos poemas de Argueirinha

PINTURA

Era uma casa de pedras:
gravuras nos paredões
na tinta encarnada, traços de feras
rascunhos de batalhas de outras eras.

Perto o riacho, leito de amores,
talvez um poço
talvez um caminho
talvez a pedra solta do destino

Era uma casa de sítio:
solidão profunda, estampa de ancestrais.

É bom lembrar que Humberto Hermenegildo de Araújo está incluso na nossa mais importante antologia poética organizada no século XX, por Assis Brasil, A Poesia Norte-rio-grandense do Século XX (Imago, 1998).

RASTEJO

Sua estreia na ficção se deu também no século passado, publicando alguns contos no jornal “O Galo”; recentemente, publicou Rastejo (Editora Caravela, 2017), sobre o qual escrevemos resenha para o jornal Tribuna do Norte.

“Neste seu novo livro, a narrativa condensa, proustianamente, impressões do autor, de quando mudou-se de sua Acari para a capital do Estado, no início dos anos 1970. Ou seja, a narrativa é uma combinação de memórias e ficção. O titulo da obra – Rastejo – muito feliz, remete para o sertão assim como Navegos de Zila Mamede remete para o mar.

Notamos que a narrativa não tem um ápice, um clímax à maneira das histórias tradicionais, mas demonstra a capacidade do autor de envolver o leitor numa atmosfera um tanto indefinida, onde aparentam se misturar realidade e ficção, com momentos intensamente poéticos. Tudo bem expresso até mesmo com requintes de linguagem e estilo, tornando a leitura extremamente prazerosa.

rastejoComo gênero literário, Rastejo nos parece ser uma novela. Claro que isso de gênero não importa muito, mas, nessa obra – vale ressaltar – não há grande variedade de temas, e a narrativa se atém ao personagem principal; o foco não é bem a história e sim o próprio narrador. Um ou outro personagem que aparece, cumpre apenas função coadjuvante. Não se trata, pois, de romance. Sabemos que o romance é a modalidade mais complexa da ficção, contém personagens em número muito maior do que o conto e a novela, e, normalmente, desenvolve múltiplas tramas paralelas. Porém, o que importa é que “Rastejo” tem alto valor. Basta observar o preciso cuidado com o manejo da palavra, o zelo pela linguagem, em alguns pontos fazendo lembrar Guimarães Rosa, tanta é a inventividade verbal, que o autor demonstra possuir”.

Embora não seja iniciante na área das belas letras. Hermenegildo desde muito jovem trabalha com a arte da palavra, tem como já dissemos, poemas seus na coletânea “Grande Ponto”, do Laboratório de Criatividade da UFRN (1981), e consta na A Poesia Norte-rio-grandense no Século XX, de Assis Brasil (1998). Recentemente, em 2015 foi vencedor do Prêmio de Poesia do concurso “Coleção Vertentes” da Universidade Federal de Goiás, com o livro “Argueirinho/Visão”.

Escritor atento aos nossos valores, Humberto Hermenegildo de Araújo é um dos principais estudiosos da história do Modernismo no Rio Grande do Norte; Hermenegildo fez levantamentos de informações sobre as repercussões do movimento modernista no Estado, enfocando relações entre a nossa atividade literária e a vida cultural da região Nordeste nos anos 20, dentre outros aspectos.

Além da publicação de livros, ensaios e artigos, o escritor acariense formou e orientou inúmeros alunos e pesquisadores que estudaram a literatura norte-rio-grandense, e foi um dos fundadores do Núcleo de Estudos Câmara Cascudo, na UFRN.

Recentemente a Editora Vento Norte publicou o livro, em formato cartonero, Arredado Pé, de Humberto Hermenegildo de Araújo, juntamente com outra obra, da poeta chilena, Elizabeth Cárdenas.

Abaixo uma pequena amostra dos poemas do livro no capitulo denominado “vida natalense”:

CIDADE ALTA

I

Alta vida
Alto custo
Alta noite
Alta moda
Altos voos
Sonhos soltos.

Noite torta
Auta morta
Céu risonho.

II

Falha no asfalto
Beco tristonho
Lama e assalto
Sapatos gastos
Altas paradas
Sem divisão.

Antigas fitas
Do rio grande
Um grande ponto
De sonho vão.

ALECRIM

I

Terra fértil sem arado
Nascida no campo santo.

Baldo abaixo, além, riacho
Quintas lá do outro lado.

II

Nos muros cuidados
Aromas de ramos.

Mossa da cidade
Casa de epitáfios:
Exoticidade
De apercebidos.

RIO DAS QUINTAS

Um corte na pele
A passar nos sítios
A esfriar quenturas.

PRONTO
(em Natal)

Chove forte
Sol chegou
Agora eu vou.

FRATERNIDADE

De boas intenções
A rua anda cheia.

Só vejo nos livros
Partilha de pão.

Na rua capeia
A forma do não.

Ainda vale dizer que Humberto Hermenegildo de Araújo, organizou, em parceira com outros autores, diversos outras obras, fez dezenas de prefácios e orelhas de livros, participou de centenas de bate-papos, palestras, oficinas literárias e inúmeras bancas de defesa no Brasil inteiro, sendo uma das maiores referencias na sua área de atuação.

Humberto Hermenegildo de Araújo foi eleito e tomou posse, em 2017, na cadeira número 2 da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Grande aquisição para a Casa de Câmara Cascudo.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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