Historinhas de viagens

Historinhas de viagens

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Português de Portugal

A primeira vez que vi Paris… Indo num ônibus, do aeroporto de Orly para o centro da cidade, tudo me encanta. De súbito, avisto a Torre Eiffel, e tenho que me beliscar para ter certeza de não estar sonhando. Logo mais desembarco no pequeno terminal rodoviário perto dos Inválidos e, mais tenso do que nunca, por não saber falar direito a língua do país, apanho um táxi para o Hotel du Brésil, não muito longe dali. O motorista do táxi, com cara de poucos amigos, cabeleira longa e desgrenhada, barba por fazer, parece-me um tipo suspeito. Minha tensão aumenta quando percebo que ele não consegue achar o endereço do hotel, ou, talvez, não queira achá-lo. Em vão eu tento me comunicar com ele, mas o meu francês é um desastre. Já impaciente, os nervos à flor da pele, eu exclamo:

– Isto é o diabo!

Ele, então, se abre num sorriso, e diz:

– E Portugal como vai?

Era português.

Com pouco mais, encontramos o hotel.

Educação tupiniquim

Brasileiros quando em grupos, no exterior, gostam de se mostrar, de fazer graça, embora nem sempre sejam engraçados.

Numa excursão de que participei, pela Itália, metade dos seus integrantes era de brasileiros, a outra metade, de portugueses. Estes, reservados, discretos, contidos, e aqueles na maior zorra.

Em Verona, o guia nos arrebanha para ver “a casa de Julieta”. Nem bem chegamos lá, os brasileiros armam o circo. Alguns se fazem de Romeu e tiram retratos junto à estátua de Julieta, apalpando-lhe os seios de bronze, outros deixam a assinatura nas paredes do pátio do vetusto palacete.

Tornando-se, às vezes, muito chatos, nossos patrícios têm, no entanto, o dom da comunicação fácil, carregam uma aura de simpatia.

Mas, eu me enfastio de tanta bagunça, saio logo dali, e ganho as ruas antigas em busca da arena romana. Esta é – descubro maravilhado – um Coliseu em ponto menor. Surpreende-me o seu bom estado de conservação. Ainda hoje é utilizada.

Encontros e desencontros

Na fila da agência do Banco do Brasil, em Paris, aquela moça pediu-me emprestado um lápis. Pelo passaporte, em suas mãos, evidenciava-se a nacionalidade brasileira. Perguntei-lhe, então, onde morava. E ela:

– Natal.

– Não diga. Eu também sou de lá.

E acrescentei:

– Qual o seu bairro?

– Tirol.

– Que coincidência! É o meu. E a sua rua?

– Coronel Pedro Soares.

Eu morava naquela rua, há alguns anos, e só fui conhecer a moça em Paris.

Preso em Veneza

Você já ficou preso numa cabine sanitária? Pois eu fiquei, e em plena Praça São Marcos, de Veneza, enquanto participava de uma excursão, o que aumentou muito o meu aperreio.

Tentando abrir a porta da cabine, eu me indagava: “E se não sair daqui a tempo de me juntar à excursão?”… Felizmente, após alguns minutos que me pareceram horas, a porta abriu-se. Depois verifiquei: alguém deixara escancarada a porta da cabine vizinha, travando, assim, a daquela em que eu ficara.

A língua portuguesa

O pior nas excursões turísticas é a companhia dos chatos.

Certa vez, viajei ao lado de um português que mais parecia surdo e mudo. Ainda tentei puxar conversa, mas ele me respondia com monossílabos, de cara fechada. Então, dei-lhe o troco: nem mais uma só palavra até o fim da viagem. E assim foi durante toda uma semana: de Roma a Milão, passando por Assis, Siena, Florença, Verona, Pádua e Veneza. Dois surdos-mudos, ignorando-se mutuamente.

Em “compensação”, umas animadas matronas, sentadas no banco de trás, conversaram, o tempo todo, numa algazarra medonha.

Diving?

No parque aquático, ou coisa que o valha, do navio Funchal havia uma tabuleta com este aviso:

NÃO MERGULHAR

NO DIVING

Distraído, eu perguntei ao meu irmão Cícero, companheiro de viagem:

– Que danado é diving? E por que não se pode mergulhar nele?

Sopa luxuosa

Viajei ao México no tempo da paridade do real com o dólar (paridade que, depois, revelou-se uma farsa, mas isto é outra história). Nossa moeda estava super valorizada em relação ao peso mexicano, tudo a preço de banana, tanto que me dei ao luxo de ficar num hotel de categoria cinco estrelas.

Instalado em amplo e confortável apartamento, tardezinha já, dirigi-me ao restaurante do hotel, para fazer uma refeição leve, como de hábito nessa hora: sopa, café com leite e biscoitos.

O restaurante, suntuosamente decorado, estava deserto. Logo que tomo assento à mesa, apagam-se as luzes, e um empertigado garçom acende as velas do candelabro posto sobre a mesa. A refeição é servida com toda a cerimônia. Entrada (um coquetel de camarão, tão decorativo quanto desgostoso); primeiro prato, requintadíssimo; segundo prato idem; queijos e a sobremesa apoteótica. Para terminar, cafezinho e licor. Mas, isso não foi nada. De repente surgiu uma orquestra típica, com duas bailarinas à frente, trajadas a caráter, requebrando-se, furiosamente, ao som do ritmo caliente. Pelo visto aquele espetáculo era exclusivo, para mim. Olhei em redor, para certificar-me. Não havia mais ninguém ali. Só eu, os músicos da orquestra e as trepidantes rumbeiras.

Paguei a conta, uma ninharia e, encabulado, por estar em mangas de camisa, bati em retirada. Eu queria tão-somente uma sopa, um café com leite e biscoitos.

Panelaço hermano

Em Buenos Aires era o tempo dos “panelaços”. Grave crise política e institucional abalava a capital da Argentina. Cidadãos protestavam, com frequência, nas praças e nas ruas, batendo em tudo quanto era panela.

Eu estava lá e posso dizer: “Meninos, eu vi”. Certa vez, ia por uma daquelas ruas paralelas à Av. 9 de Julio, quando topei com “panelaço” que tomava toda a calçada. Que fazer? Avançar pelo leito da rua, de intenso trânsito? Impossível. O jeito era prosseguir na calçada. Criei coragem e atravessei aquele fuzuê, na maior tensão. Mas, felizmente, incólume.

Azar ou sorte?

Os supersticiosos dividem-se quanto ao número 13; uns acham que dá azar, outros, sorte.

Numa das minhas estadas em Buenos Aires, hospedado no Hotel Intercontinental, coube-me o apartamento nº 1313, situado no 13º andar. Fiquei um tanto cismado…

Tudo correu bem, mas, quando eu já me dirigia ao aeroporto de Ezeiza, para retornar a Natal, deparei-me, na rodovia de acesso ao aeroporto, com um piquete de grevistas, funcionários da Aerolíneas Argentinas. Trânsito bloqueado. Nenhum veículo passava. Engarrafamento quilométrico. Era o caos. Eu tinha duas opções: voltar a Buenos Aires ou prosseguir a pé, carregando a bagagem, em busca da estação de passageiros, que – me informaram – ficava a 2 kms. dali. Meio-dia, sol de rachar, larguei-me pela estrada a caminhar, com a mala numa mão e a maleta na outra. “Que situação!” Eis que, de repente, vindo do aeroporto, surge um ônibus, para diante do piquete e faz meia-volta. Mais que depressa, atarantado, peço carona. Dezenas de outras pessoas, na mesma situação, espremiam-se dentro do ônibus. Assim, chego ao aeroporto a tempo de embarcar.

Quando, apesar da greve, o avião decolou, suspirei, aliviado. Lembrei-me, então, daquele 1313 – o número do quarto do hotel – e disse com os meus botões: Azar ou sorte?

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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