Dias desses, um amigo me dizia que só lê poemas e romances nas férias.
-E no dia a dia, nada? – perguntei-lhe.
-Livros técnicos e jornais – foi a resposta desconcertante, mas já esperada.
Essa é a mentalidade do brasileiro de nível médio em relação ao hábito de ler. Se a leitura não tiver um sentido pragmático, ou seja, se não for útil ao exercício de sua profissão ou vida escolar, deixa de ser prioridade.
Tremendo erro ao meu ver. Pois, em toda circunstância, para o bom desempenho de qualquer atividade, especialmente a de natureza intelectual, faz-se necessária uma sólida formação humanística, e esta só se obtém, integralmente, através da leitura de obras literárias.
Refiro-me a formação humanística no sentido que lhe dá o sociólogo e crítico literário Antonio Candido em seu ensaio “O Direito à Literatura”, constante do livro, “Vários Escritos” (São Paulo: Duas Cidades, 1995).
Após explicitar o que lhe parece ser humanização, diz o mestre: “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o semelhante.”
E, mais adiante, acrescenta:
“Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de Fabulação.”
Está vista a enorme importância da literatura – arte da palavra, como se costuma dizer.
Portanto, meu amigo, não deixe para ler romances, contos, novelas, poesias e peças teatrais somente nos momentos de ócio. Tire, todo dia, um tempinho para deleitar-se e crescer, sob todos os aspectos, com a arte de Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Garcia Márquez, Fernando Pessoa, Shakespeare… Mas, não leia tudo que lhe cair nas mãos; faça uma lista de autores e obras indispensáveis. Para sua orientação, tomo a liberdade de lhe dar algumas dicas.
Comecemos pelo gênero romance.
Em primeiro lugar, como não podia deixar de ser, o “Dom Quixote”, de Cervantes, por muitos estudiosos da literatura considerado a matriz do romance moderno. Escrito há 410 anos, não envelheceu e continua a fascinar milhões de leitores em todo o mundo. A história do engenhoso Fidalgo de La Mancha e do seu fiel escudeiro, tanta vezes glosada em verso e prosa, é uma culminância, um Everest na Literatura Universal.
LITERATURA RUSSA
Já no século XIX, quando o gênero romance atingiu o seu apogeu, devem-se destacar os grandes autores russos, notadamente Dostoievski e Leon Tolstoi. Este, no monumental “Guerra e Paz”, contando uma epopeia histórica, revela a alma do seu povo; aquele faz sondagens abissais em corações e mentes, abrindo imensas perspectivas para o romance psicológico. “Os Irmãos Karamazov” e “Crime e Castigo” são exemplos eloquentes de sua genialidade.
Deixo de citar alguns russos também geniais, limito-me ao essencial. ·
LITERATURA FRANCESA
Da literatura francesa oitocentista avulta, em primeiro lugar, Balzac. Se você não dispuser de tempo para ler toda “A Comédia Humana”, leia os romances mais expressivos: “Eugênia Grandet”, “O Pai Goriot”, “As Ilusões Perdidas”.
Stendhal é outro grande, imprescindível. Considero “O Vermelho e o Negro” a melhor obra que já se escreveu sobre o Amor. E que dizer de Flaubert? “Madame Bovary”, sua obra-prima, talvez seja, em todos os tempos, o romance mais bem acabado, do ponto de vista estilístico. Flaubert torturava-se, na obsessiva busca da escrita perfeita.
LITERATURA INGLESA
Da literatura inglesa, Charles Dickens, cuja obra tem sido aproveitada, com frequência, pelo cinema, mas permanece desconhecida das novas gerações. Prefiro ao invés dos seus romances sentimentais, aqueles outros menos famosos: “Aventuras de Mr. Pick-Wick” e “Nicholas Nickleby”, plenos de humor e crítica social. No mesmo patamar de Dickens, porém com características bem diversas, Thomas Hardy, o pessimismo e a pungente mensagem humana do seu “Judas, o Obscuro”.
Por fim, ainda no século XIX, duas presenças inquestionáveis: o norte-americano Herman Melville (“Moby Dick”), e o português Eça de Queiroz (Os Maias).
SÉCULO 20
No século XX, a literatura de ficção parece ter entrado em declínio. As obras mais significativas da primeira metade são extremamente complexas, de difícil compreensão. “Ulisses”, de James Joyce, continua a desafiar, em pleno século XXI, a argúcia e a paciência dos leitores. Confesso que ainda não o li. Mas, aventurei-me pelas páginas do “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust – bem menos assustadoras, porém com o entrave dos longos períodos e da exaustiva minúcia descritiva, traços peculiares ao estilo do autor.
Na verdade, eu ainda jovem, li mas não digeri dois ou três volumes do famoso “roman fleuve”. Anos depois, embrenhei-me em “O Caminho de Swann”, cotejando as duas traduções brasileiras: a de Mário Quintana, num português castiço, e a de Fernando Py, mais abrasileirada e, portanto, mais acessível.
A leitura de “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann não me despertou entusiasmo. Pareceu-me que a ficção aí serve, antes de mais nada, como pretexto para o autor expor suas ideias a respeito de determinados temas, em textos enxertados, não ficcionais, valendo-se, muitas vezes, da voz dos personagens. Por que o mestre Thomas Mann não se utilizou do ensaio ao invés do romance? – atrevo-me a perguntar.
Finalmente, ainda no século XX, dois grandes romances, que todos devem ler: “O Cristo Recrucificado”, do grego Nikos Kazantazkis, e “O Amor Nos Tempos de Colerá”, do colombiano Gabriel Garcia Marquez.
autor de vários outras obras, êxitos de crítica e de público em todo o mundo.
Quais os bons romances brasileiros? – há de se indagar. Mas, isto é assunto para outra oportunidade.