Glênio Manso Maciel: uma vida dedicada à regência e ao ensino da música em Natal

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Por Cícero Cunha Bezerra

Era manhã, e os corredores da Escola de Música da UFRN estavam tomados pelos solfejos vindos de um professor de teoria musical. De imediato me perguntei: quem ousaria fazer aqueles solfejos de forma tão pública? Em um ambiente de “feras”, somente uma fera teria tamanha coragem. Soube, em seguida, que se tratara do professor Glênio Maciel. Dono de uma voz inconfundível e um “baixo” único, Glênio era respeitado por todo(a)s o(a)s aluno(a)s da EMUFRN e um consenso entre os músicos no que se referia ao seu conhecimento e domínio técnico vocal. Estávamos nos anos noventa e Natal fervilhava em atividades culturais. Foi o tempo, também, que resolvi dedicar-me ao estudo de Violoncello, instrumento perfeito para minha aproximação, posteriormente, com o violoncelista Glênio, já que além de teoria musical, ele tinha estudado Cello.

Lembro-me de ter ouvido a seguinte resposta, em certa ocasião quando comentei com o meu então professor de prática de violoncello Miguel Gergar, que estava tendo aula de teoria musical com o Glênio Maciel: “Está em excelentes mãos”. E foi a partir de uma relação professor/aluno que me aproximei do maestro e me interessei em participar de um recém fundado coral de canto gregoriano: Coral Irmão Sol. Fui como curioso e terminei permanecendo durante cinco anos cantando e auxiliando o maestro em suas funções administrativas e cênicas no Coral. Mas quem é Glênio Manso Maciel?

Glênio é filho de Alberto Manso Maciel, funcionário federal da Alfândega, e Francisca Torres Maciel. Nascido em 05 de dezembro de 1938, na cidade de Caicó, com dois meses transferiu-se com a família para a cidade de Natal deixando Caicó com apenas uma passagem para Timbaúba, em tempos de férias. Tendo morado um período em Mossoró, Glênio conhece bastante a região. Outra cidade na qual a família também viveu foi Penha, chamada de Canguaretama.

Glênio foi um jovem marcado por sua fase de seminarista junto com cinco outros rapazes da sua família. Nessa nossa conversa, Glênio comentou com alegria sobre suas férias em Timbaúba subindo a Serra do Cavalcanti, no sertão seridoense, à margem da estrada que liga Caicó a Serra Negra do Norte. Figuram na foto abaixo os então (esquerda para direita) seminaristas: Vale, Edmilson, D. José Adelino Dantas, segundo Bispo de Caicó, o seu tio Hisbelo Batista, primeiro Prefeito de Timbaúba dos Batistas, e Glênio – detalhe: seu pai foi o fotógrafo do registro abaixo:

Arquivo pessoal G. Maciel.

A música sempre esteve presente em sua vida desde pequeno, fosse ouvindo a “bela voz do pai” cantando valsas ou as cantigas da sua mãe. No entanto, a sua formação musical teve início por volta de 1964 como aluno da Escola de Música da UFRN onde pode estudar com os violoncelistas Pietro Severi, Juarez Johnson, Thomas Michael Lanz e Ana Maria Bezerra Devos. Na parte de teoria musical, Glênio foi aluno de Wascily Simões dos Anjos, Maviael Celestino e Clovis Pereira. No vasto currículo de Glênio consta aulas de harmonia, contraponto, fuga e gerência com o grande padre Jaime Cavalcanti Diniz e canto lírico com Atenilde Cunha e Nino Folco Fortunato Crimi.

Aula com o professor Pietro Severi (arquivo pessoal G. Maciel)

Após o trágico acidente, ocorrido em 1970, envolvendo um carro e um trem, que tirou a vida do professor Pietro Severi em seu retorno à Recife, Glênio, à frente dos demais assumiu, por solicitação do reitor da UFRN, a função de Orientador interino contribuindo, desse modo, para a conclusão do semestre letivo da turma. Esse fato foi decisivo para que ele viesse a permanecer dos anos de 1971 a 1994, quando se aposentou, na condição de professor, nessa mesma instituição. É preciso destacar que mesmo antes desse período de concurso, Glênio trabalhou, graças a sua excelente caligrafia, como copista durante muitos anos com apenas uma pena e tinteiro com os quais transcrevia, monasticamente, notas em pentagramas desenhados à régua.

Como aluno, Glênio também cantava, tarefa obrigatória na formação dos instrumentistas, no Madrigal da EMUFRN, sob regência do professor Clóvis Pereira. Eram tempos bastante difíceis, inclusive para aquisição de materiais como instrumentos e cordas, que por sinal, eram trazidas diretamente do exterior o que exigia muito cuidado no manejo por parte dos estudantes que se sentiam pressionados diante do perigo de vir a quebrar alguma. Glênio revelou que chegava a estudar com as cordas frouxas para evitar a tensão e possível ruptura.

Outra característica da Escola era ter suas aulas ministradas por professores que se deslocavam entre Recife, João Pessoa e Natal.  Dentre as diversas influências musicais que marcaram a vida de Glênio algumas se destacam como: padre Jaime Cavalcanti Diniz, os violistas Emílio Sobel, Horácio Scheffer e o violoncelista Antônio Menezes. Sobre esse último, Glênio observa com carinho a sua simplicidade e profunda capacidade técnica no Violoncello. As aulas com Menezes ocorreram no Teatro Alberto Maranhão e, embora curtas, foram marcadas por dicas e conselhos importantes para a sua formação.

Seu vasto trabalho como regente inclui participações nos Corais da Petrobrás, TELERN, Coral da ETFRN, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Chorus Phoenix (Emaús), Canto Jovem (Macaíba), Coral Lírio do Vale (Monte Alegre), Coral do Tribunal de Justiça (RN), Madrigal da EMUFRN por volta de 1990,  Lumen, que cantou para o Papa João Paulo II e Irmão Sol, especializado em Canto Gregoriano, que atuou durante 27 anos.

Pese a sua paixão pelos corais polifônicos, Glênio é enfático em ressaltar a importância do trabalho feito junto ao Coral de Canto Gregoriano Irmão Sol. Um coral que venceu barreiras territoriais e chegou a realizar atividades fora do Estado do Rio Grande do Norte, como um belo concerto no Teatro da Paz, em Belém do Pará. Com uma formação diversificada, de estudantes universitários a feirantes, o Coral ocupou um importante lugar dentre as manifestações coralísticas potiguares. O maestro relembra o papel fundante de D. Frei Severino, do Convento Santo Antônio e do idealizador do Coral, o porteiro do convento Geraldo Antônio.

No âmbito do Canto Gregoriano, Glênio manteve contato com o monge beneditino Dom Matias Fonseca de Medeiros, osb, que o estimulou a realizar o curso de semiótica de Canto Gregoriano nos mosteiros de Olinda e Rio de Janeiro. Diversas igrejas foram palcos das participações do Coral Irmão Sol, que tinha sua sede de ensaios na Igreja de Santo Antônio, no bairro de Cidade Alta, em Natal. Como violoncelista, Glênio realizou vários concertos, locais e nacionais, em conjunto com pianistas e acompanhando, como na foto abaixo, em Teresópolis (RJ), a Regina M. Lima Souza (flauta), Roberto M. Bezerra (violino) e Glênio (cello) fato publicado na Revista Bilingue (português/alemão) Intercambio de 1971.

Foto: Arquivo pessoal G. Maciel

Hoje, prestes a completar 87 anos de idade, Glênio Manso Maciel vive tranquilamente retirado dos palcos e das pautas musicais. Em sua casa, ecoam acordes, melodias e memórias de um passado que merece ser lembrado para que novas gerações e futuras, ao buscarem informações sobre a música no Rio Grande do Norte, saibam que falar de canto coral em Natal implica, necessariamente, falar no nome do professor Glênio Maciel. Esse pequeno registro é o reconhecimento de alguém que, como o maestro Glênio, saiu da cidade de Caicó e acompanhou, na condição de estudante e coralista, parte dessa longa jornada de glórias e sacrifícios que estão presentes, de modo mais acentuado, naqueles que fazem da vida expressão de paixão pela arte e, do trabalho, uma forma de compartilhar conhecimento e aprendizagem.

Se levarmos em conta a importância da Escola de Música da UFRN, e das gerações que por ela passaram, para a cultura musical potiguar, não restam dúvidas de que dentre os reconhecimentos cabíveis, o nome do professor Glênio Manso Maciel figura como um dos principais profissionais responsáveis pelo que há de qualidade e seriedade na formação musical potiguar. Lamentavelmente, parece que o jargão “vivemos em um país sem memória” se fortalece cada vez mais. No entanto, frente à ameaça de esquecimento que nos assola continuamente, é preciso resistir, ruminar memórias e trazer à luz pessoas que merecem ser lembradas para que a história as acolham preservando-as como partes de si mesma.

Alguns registros:

               Coral do IFRN 

Coral Irmão Sol – Concerto de lançamento nacional do Selo Santa Clara.

Chorus Phoenix (Emáus-Parnamirim)

Coral do Tribunal de Justiça do RN

Coral Canto Jovem – Macaíba

Coral da Escola de Música da UFRN

Coral da Caixa Econômica Federal – Rio de Janeiro.

Glênio Maciel regendo nove corais da Caixa Econômica- Rio de Jeneiro.

Coral da TELERN – Fundação José Augusto

Concerto Maria de Fátima Brito (soprano), Glênio Maciel (baixo) e Francisco Gerardo Juaçaba Parente (piano)

Professor Nino Folco Fortunato Crimi e seus alunos.

Glênio Maciel como coralista do Madrigal – Regência de Atenilde Cunha

Concerto de Música Renascentista – Coral Madrigal EMUFRN – Convento Santo Antônio

Regência Pe. Pedro Ferreira Sá Costa

Redação

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11 Comments

  • Samuel manso maciel

    Olá sou da família manso maciel com orgulho moro no RJ sou tenor e toco 🎺 anos ,fico lisonjeado por vocês elogiar meu primo…

  • Maria da Guia

    Parabéns Glênio, pela bela trajetória!
    Linda e merecida homenagem! Meu respeito e admiração por esse profissional que a todos encanta, pelo seu amor e dedicação ao canto.

  • Veracilda Medeiros

    Saudades da maestria do querido Professor e Regente Glênio Maciel. Exemplo de dedicação, companheirismo e simplicidade. Em suas mãos e sob a sua batuta aprendemos muito sobre canto coral e disciplina. Gratidão querido amigo.

  • Valéria Espínola

    Professor Glênio marcou sua passagem no Coral da Caixa Econômica Federal RN sempre com profissionalismo e dedicação. Saudades dele e daquela época.

  • Wellington Farias

    Meu querido e velho amigo Glênio, possui um currículo de fazer inveja.

    Quem estudou com você, jamais esquece suas palavras de otimismo, carinho, incentivo, e sobretudo, confiança.

    Tive a imensa alegria e oportunidade de ter aulas práticas de ViolonCelo (1974/1975) e participar como Coralista na ETFRN sob sua regência quando foi substituir o Padre Pedro Ferreira.

    Chegamos a viajar para algumas capitais do pais com o Coral Lurdes Guilherme da ETFRN.

    Foram momentos inesquecíveis!

    Gratidão por ser seu amigo!

    Parabéns Professor!
    Parabéns Maestro!
    Parabéns Amigo Glenio!

    Forte abraço
    Wellington Farias

  • Luiz Carlos

    Muito grato por essa postagem.Glenio, seja honrado.

  • Neury Abrantes

    Parabéns ao meu velho amigo, colega de trabalho e meu instrutor de REMO pelo Sport Club nos anos 1965 à 1967 –
    Até hoje convivo com ele nos falamos todos os dias – ele em Natal eu em São Paulo.
    Pessoa iluminada e um verdadeiro conselheiro e companheiro para tudo e todas as horas.
    Deus te abençoe sempre
    Abraço

  • Edmarcos Costa

    Meu primeiro prof. de música através do ensino de Flauta Doce e solfejo. Grato de mais pelos primeiros anos na música com Sr. Glênio. Hoje faço o mesmo circuito dos seus antigos professores, Natal, Recife e João Pessoa. Hoje sou integrante da orquestra a qual o spalla é o filho do seu antigo regente do Madrigal, Clóvis Pereira Filho.

  • Carol

    Seu Glênio é um ótimo profissional! Exemplo de sabedoria e conhecimento!

  • Ruy Mendes

    Só tenho a agradecer por fazer essa homenagem ao grande maestro, Glenio M.Maciel, esse merece todo carinho e respeito como Maestro e pessoa, tive o privilégio de ser seu aluno e amigo, até hoje 2025 entro em contato com ele e digo que ele foi meu melho professor.
    Grande pai,avô e amigo. A ele (GRATIDÃO.)

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