por Aluísio Azevedo Jr.
De 21 a 28 de novembro, a cidade de Currais Novos vivenciou um evento literário inovador, contagiante, precursor de ideias, ainda maiores, de itinerância cultural. A partir dele, já começamos a imaginar os Festivais Populares do Livro se espalhando pelo Estado…
Certamente, pouco houve de casualidade no entrelaçar desses caminhos. Livreiros-andantes, editores, escritores, poetas que se encontraram. Causas que se compartilharam. Esforços da Fundação José Augusto e da Prefeitura Municipal. O Parlamento Municipal, ativo e presente pelas mãos dos jovens Mattson Ranier e João Gustavo. Coisa de seridoenses, herdeiros e herdeiras do gênio, das lutas e da memória de José Bezerra Gomes, Maria José Mamede e José Xavier Cortez, do poeta José Milanez. Parafraseando Nei Leandro de Castro, como na obra bezerriana, o microcosmo de Currais foi projeção de um mundo-sonho.
Adentrar o território do Seridó ganhou sentido especial. Parceiros afinados, até mesmo nas invenções de improviso. Espetáculo recitador de Antônio Francisco que se fez a duas, três, quatro vozes. Contações doces de Salizete Freire a nos revelar a criança dos mundos mágicos e precedentes. Em surpreendente transe imagético, encenando suas performances vingadoras, o realismo traumático de Marcelino Freire tangia galinhas descabeçadas e revolucionárias. Ouviam-se vozes quixotescas, ecoavam vozes de multidão.
Ah, esse reabrir de veios do chão. Eram outros tungstatos que de ali se irrompiam, e jorravam, como pedras desapedrejadoras, destrancadoras dos Currais. Pedras que se agitavam, e se tocavam, e se faziam faíscas, prontas para detonar. Tungs, tungs, tungs… Os sons se amolavam em exploração, e desenterravam do chão as raízes. Voz feminina. De Adélia, Bia, Marina. De Nadja, Eva, Tereza. Dos lugares roubados, das areias dos rios de resiliência. Reinvenção. Águas imaginárias. Opacidade das meninas-brumas, de Iaras, Lus, Sóis e Lumas.
Festival de memória e renovação. Poesia de Casarão, de Theo, de Wescley. Ação transitiva, feita de afoiteza e afeto, cheia de incompletude, de estridências thiaguíssimas, a demandar da outra parte o que lhe dá sentido. Cliques e pincéis de sensibilização, nos polos culturais da cidade. Seridó das letras que tange seus escuros para amanhecer o dia; de Do Carmo, Ivam, Maria Maria.
Pelos cantos de prosa e verso, de musicalidade, de arte e cultura, o FLIC anunciou seu novo minerar. Verbo, agora, definitivamente transitivo, a revelar tesouros bem mais valiosos e perenes. Nas assertivas do mestre Tarcísio Gurgel, a Brejuí histórica teria gerado mais do que pedras inertes. Porque de seu berço se levantou um Zé eterno. Zé Bezerra, em prosa e poesia, de sentido profundo.
Ceri-toh, lugar de pouca sombra, sobrevivente de suas memórias e de seus heróis. De riqueza surpreendente às primeiras escavações. De fundura inesgotável, ainda mais subterrânea que a mais subterrânea galeria.
Seridó dos livros. Seu festival tem essência, identidade e poesia.