A casa-grande da Fazenda Horizonte tem sido um lugar de refúgio para minhas leituras e escritas. Sempre que ali retorno, apesar de o calor maltratar impiedosamente a minha pele − a temperatura ultrapassa os 40 graus centígrados, derretendo os miolos dos seres acostumados com a brisa do litoral − releio com olhos de encantamento uma crônica fixada em um quadro emoldurado na parede da sala de estar. O texto foi publicado em 28 de agosto de 1959, no jornal A República, pelo escritor e historiador potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).
Câmara Cascudo descreve Gregório Ferreira de Melo (1872-1944), que nasceu e criou-se na Fazenda Horizonte, localizada em Campo Grande, na microrregião do médio-oeste potiguar, a uns 300 km da capital. Vale lembrar que o município de Campo Grande teve seu nome alterado para Augusto Severo, em 1903, em homenagem ao inventor do dirigível Pax e, em 1991, voltou a receber sua antiga denominação. Ali predominou, por décadas, o plantio do algodão arbóreo e atualmente cultiva-se o milho, o feijão e o capim que servem de apoio à pecuária.
Mas voltemos à crônica de Câmara Cascudo que faz referência a Gregório Ferreira de Melo como um comerciante próspero, regente de banda de música, cronista nato e crítico literário. Um leitor assíduo de almanaques, revistas e livros com excesso de verve. Gregório Ferreira de Melo era um intelectual requintado com olhos de turquesas azuis em busca de descobrir o novo. Câmara Cascudo o considera um homem à frente de seu tempo e um dos mais inteligentes e curiosos que encontrou na sua vida.
Câmara Cascudo também descreve a casa-grande senhorial da Fazenda Horizonte como iluminada pelas alegrias de um bando de moças vivas, espirituosas, que cantavam, dançavam e encantavam. A casa-grande, construída no final do século XIX, com paredes de 60 centímetros de largura, cumeeira alta, sótão amadeirado, oratório, fogão a lenha, sem alpendre frontal, tem o estilo das antigas casas da região do Minho de Portugal. Essa volta ao passado remete-me ao quarto de dormir das donzelas, que era desprovido de janela para evitar olhares furtivos ao seu interior e possíveis fugas das moças casadoiras.
Quando Gregório estava com oito anos, seu pai, José Ferreira de Melo (1832-1881), proprietário da Fazenda Horizonte e irmão da avó do historiador Luís de Câmara Cascudo, suicidou-se. A mãe de Gregório, Luiza Mirilanda de Brito Melo (1838-1920), ainda amamentava o caçula Antônio, quando vestiu luto fechado pela morte do marido, acompanhada das filhas: Cândida, Petrila, Ubalda, Ana e Sancha Mimosa.
Em 1912, Antônio Ferreira de Melo (1879-1944), aos 33 anos, já casado com Maria Teodora de Brito Melo (Dona Marieta, 1890-1983), adquiriu a fazenda. Em 1985, a Fazenda Horizonte foi comprada dos herdeiros pelo atual proprietário, Sebastião Ferreira de Melo de Faria Caldas (1948), bisneto de José Ferreira de Melo.
José Ferreira de Melo foi sepultado na Fazenda Horizonte, em 1881. Na época, a igreja católica não permitia o sepultamento de suicidas em campos santos. No túmulo, localizado a dois quilômetros da casa-grande da fazenda, há uma placa de bronze com os seguintes dizeres:
“Jaz aqui José Ferreira
Que este mundo desprezou
E a 25 de março
Pra outra vida passou”.
Confesso que casos sobrenaturais indecifráveis, rangido de portas, balanços de cadeira vazia no sótão e aparições de almas penadas, aguçam minha imaginação. Encantam-me, histórias de mistérios como O Cemitério e Sacos de Ossos, de Stephen King, Histórias de Fantasma, de Charles Dickens, Contos de Fantasmas, de Daniel Defoe, O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, O Corvo de Edgar Alan Poe, A Menina Submersa, de Caitlin Kiernam, entre outros.
Na Fazenda Horizonte, tenho ouvido relatos corriqueiros que fogem ao controle da lógica e fazem parte do imaginário popular da região. Tião (Sebastião Ferreira de Melo de Faria Caldas) e eu, em nossas idas e vindas ao Horizonte, vamos mantendo vivas as lembranças dos antepassados que habitaram a casa-grande da fazenda.
Esta crônica de Tereza Custodio, intitulada originalmente como ‘Fazenda Horizonte – 1871’, integrará a Antologia “Singularidade das Palavras”, cujo lançamento ocorrerá próximo dia 7 de dezembro, no bairro Pinheiros, em São Paulo, pela Editora Scortecci.
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Me senti.na fazenda Horizonte…bela narrativa !