Fábio Araújo virou Fábio Di Ojuara muito antes do personagem das pelejas de Nei Leandro de Castro. Fábio é originalidade pura. Principalmente quando o assunto é arte contemporânea – segmento que o leva e traz da Europa para Natal. Pelo velho continente já realizou inúmeras exposições, muitas delas amparadas no mote que o tornou mais notório: a de que “toda merda agora é arte”. A entrevista abaixo diz mais. Foi publicada originalmente na 13ª edição da Revista Palumbo, em 2011. Confiram:
1. Do grafite erótico à arte contemporânea. Qual o caminho?
Quando criança já fazia grafites eróticos e provocantes pelas calçadas e paredes de Natal. Vem daí minha formação artística. No final dos anos 70 fui morar no Recife onde fiz escola de arte no Vivencial Diverciones – um espaço cultural contemporâneo em Olinda, dirigido pelo sociólogo Guilherme Coelho e frequentado pela mais importante camada artística do Recife: Pauulo Bruscky, Jomar Muniz, Daniel Santiago, João Câmara, Abelardo da Hora, Delano, Macira, Dom Troncho, Tito Lívio, Lula Cortez, Bráulio Tavares e outros mais. Todos faziam uma revolução cultural de época. No final dos anos 80 retorno a Natal e me junto ao Nucleart, formado por um grupo de artistas contemporâneos: Jota Medeiros, Novenil Barros, Marcelus Bob e Cristina Jacomé. Daí meu ingresso nas artes potyguares com provocantes esculturas em sucata de ferro, pinturas com temas polêmicos…
2. E hoje você está perdido no século 21?
Hoje estou integrado ao grupo dos mail artis: artistas da Arte Postal potyguar. Entrei por intermédio dos artistas Carlos Jucá e Falves Silva. O Arte Postal é um movimento internacional de intercâmbio artístico e cultural e dentro desse movimento eu lidero o “Now, every shit is art” (toda merda agora é arte). É um movimento provocante que tem conquistado a simpatia do mundo inteiro; um movimento até intrigante pela conotação dúbia, levando o sujeito a reflexões paradoxais em detrimento à ignorância artística.
3. Há limites à provação artística?
Não existem limites para o feito artístico. Pablo Picasso, numa entrevista, afirmou que “o artista pode fazer o que quiser e do jeito que ele quiser”.
4. Se “toda merda agora é arte”, por que a continuidade?
O jargão “toda merda agora é arte” possibilita ao artista maior liberdade com o fazer artístico. Pode-se entender que toda arte agora é merda, o que seria degenerativo às artes. Etimologicamente falando, Arte provém do verbo latínico “fazer” e “feito”, o que significa que estamos no dilema: merda feita e o fazer merda. E no mundo globalizado de hoje a merda já está feita e a onda agora é tirar proveito disso.
5. O que se aspira da arte contemporânea?
Se a merda está feita, podemos reciclar o lixo produzido pela sociedade mundial; o lixo no sentido generalizado: o excremento social, a merda que a sociedade faz, o que se joga fora. Nesse sentido, lixo e merda se fundem em matéria prima para o fazer artístico. É função do artista trabalhar nesta coleta. Reciclar é limpar a merda feita, o que é de fato um ponto de difícil assimilação.
6. A “merda” vem de antes?
O artista italiano Piero Manzoni, nos anos 60, embalava 30 gramas de merda em cada latinha, intitulava “merda do artista”, assinava e enviava pelos correios às pessoas. Esse fazer do Mazoni causa intriga até hoje. Não para mim que faço escola de excrementalismo com os dadaístas Tristan Tzara, Bretton, Duchamp e concluí tudo quando Andy Warhol afirmou que “no futuro todos teriam seus 15 minutos de fama”. Nas entrelinhas, Warhol disse, categoricamente, que “no futuro muita merda iria rolar”.
7. Qual a diferença entre os “excrementos” de antes e de hoje?
No presente mundo globalizado, o “vale tudo”, que em nome de uma maior renda per capita promove o que se quer promover por especulação monetária a ponto de confundir o espectador: será arte ou merda mesmo? A verdade é que o globo encontra-se em crise de lixo. Países como Japão, Índia, China, EUA, Brasil, Rússia, Inglaterra e França, com o consumismo desenfreado estão de pinico cheio. Isso reflete no artista, no caos e em uma complexidade produtiva. Mas, como já foi dito: é do artista a função de coletar, reciclar, limpar; transformar toda essa merda em arte de forma protestante com humor e beleza. Entramos na onda do vale tudo: agora, toda merda é arte.
8. As instalações representam com mais fidelidade a arte contemporânea?
Como veículo de vanguarda podemos dizer que sim: a instalação é uma colagem que permite tudo ao seu criador.
9. Qual o macete para diagnosticar o verdadeiro artista contemporâneo?
O que identifica um verdadeiro artista é a sua criação, seu histórico e o tempo de estrada percorrida (maturidade). Hoje tem muita gente se exibindo e levando o nome de artista, e o pior é que hoje essas pessoas podem, sim, serem chamadas de artistas.
10. Marcel Duchamp x Fábio Di Ojuara. Quem é quem?
Agora você me pegou, mas eu vou tocar num assunto muito controverso até pra mim. Como eu estou mais pra provocar, lá vai: sobre Marcel Duchamp, Ferreira Gullar escreveu um livro que se chama ‘Argumentação contra a morte da arte’, onde ele faz provocações, alegando que “a arte está ameaçada de morte pela falsidade e pela tolice dos jogos de marketing (a globalização)”. Aí ele afirma que o culpado é Duchamp. Tudo bem. Vindo de Gullar pode ser delírio artístico. Mas eu Fábio Di Ojuara, sou “toda merda agora é arte”, e espero isentar Duchamp dessa máxima culpa.