Croniketa da Burakera #41, por Ruben G Nunes
Para onde vão os sonhos perdidos? Sim, nossos sonhos perdidos – para onde vão?
Aqueles sonhos que acariciamos durante anos e anos. Num horizonte de afeto e esperança. Sonhos que pulsam em sintonia prazerosa com coisas, paisagens, seres, relações. Sonhos em sua leveza fugidia. Como espuma de música fluindo em nós. Como emoções fervilhando nos suspiros da alma. Como pétalas de amor desfolhadas no coração.
Que sonhos sonham nossos desejos?
Que sonhos do sonho-do-outro fazem a vida Vidar prenhe de sentido?
Posto que: Vidar é amar a vida através do sonho do outro!
De repente, num encontro casual, o sonho de amor acontece. Sonho do outro sonho. Apenas num dia, apenas em 3, 5 anos… apenas num olhar, num gesto, num toque de mãos, num beijo leve, num beijo louco, na certeza da sintonia.
Então, alma e coração se esticam ao infinito. Impossível vira possível. Cada um quer se respirar no respirar do outro. O terreno baldio de nossa solidão se torna Paraíso, Apocalipse, Carnaval. Que nunca, nunca, pode terminar! É absolutamente preciso que vá além de todos os prazos de validade. Que tenha certificado de garantia, mesmo nos nós-de-nós sociais.
Que seja conversa aconchegante e intimista do acontecer cotidiano. Que seja uma dança eterna do teu sonho com meu sonho. Num rodopio estonteante de valsa e tango dançado nas estrelas.
Até que se torne saliva, olhar e gozo, se esvaindo nas dobras do próprio sonho e de nossos corpos. Sonho do sonho do sonho. Eterno para sempre eterno.
Posto que: por cada amor todo sonho quer eternidade!
Mas que chance há de um sonho aqui-agora ser para-sempre – se a VidaViva é fluxo? Se há sempre um processo de desencanto lento, longo, milimétrico. Se num belo dia de céu azulvermelhando, numa calçada, numa praia, num barzinho, numa simples conversa, na conjunção de Libra e Marte, com ou sem tarô cigano – os passos do destino te alcançam.
E, de repente, na tardemansa, como um tiro inesperado de bala perdida, os sonhos são mortos. Estancam. Se desmancham como sonhos perdidos. Como bolhas de sabão explodindo, em sua última flutuação de beleza e cores. Num inesperado esperado.
Para cada sonho de amor que se perdeu de si mesmo para-sempre há tanto perrengue. Sem solução. Ou só mesmo um novo sonho se rebuscando na ilusão de outra eternidade.
Posto que: por cada sonho todo amor quer eternidade!
Mas, se é verdade que Grandes Amores não morrem. Se é verdade que são só desligados que nem um interruptor ou então tiram férias. Todavia podem ser esfrangalhados.
E nesse caso é como um tiro mortal que arranca pedaços d’alma e do coração. Desejos se estilhaçando. Sonhos perdidos se esvaindo em ciúmes e enganos. Almas envenenadas. Não mais pelo doce veneno do amor inaugural. Mas pela amargura do amor envenenado dia-pós-dia.
Para onde vão esse sonhos perdidos?
Em que navio, caturrando lento, embarcam e somem ao longe, entre nuvens e gaivotas, na linha do horizonte. Em que estação das galáxias se aglomeram os sonhos perdidos?
Posto que: cada estrela cintilante é um sonho perdido em sua solidão.
Até aqui falei de sonhos d’amores. Sonhos do coração. Que se perdem ou são mortos talvez pela própria grandeza absurda. Que viram estrelas piscando saudades.
Mas, e os outros sonhos perdidos, para onde vão?
Numa noitemansa, uiskmeditando no Botecodo(IN)FINITO, reli crônica de meu amigo Vicente Serejo, um dos maiores jornalistas e cronistas dessas plagas potiguares. A crônica é de 1981 publicada no Jornal de Hoje.
A matéria descreve as peripécias do cidadão Marcolino, lutando por seus desejos e sonhos. Seu sonho dependia de sua profissão: subtrair-e–privatizar bens do alheio. Profissão, aliás, descrita em sua crueza jurídica nos Artigos 155 e 157 do Código Penal. Sem as nuances dos desejos e sonhos que movem o cidadão.
Daí que Marcolino foi flagrado num Vuco-Vuco, do Alecrim-Total, furtando bujões de gás. Marcolino, que queria vender bujões pra comprar uísque “que é a bebida que satisfaz a minha vontade”, justificou-se diante do delegado e repórteres.
Marcolino, cujo sonho era tão só um pequeno sonho: privatizar subprodutos do petróleo. Coisa pouca. Só um bujãozinho de gás aqui, outro ali – pra uískar, seguindo o impulso de sua vontade, and by appointment of her majesty, of course.
Uma gota de sonho pois. Um nadica de nada, comparado com os sonhos delirantes das zelite política pós-moderna que, nos conchavos do Petrolão, privatizou a Petrobras entre “cumpanheiros, camaradas, aliados, doleiros e empreiteiras”. Tudo em nome da governabilidade, do social, da democracia, do povão, e sei lá o que mais.
Sonhos avançados. Pós-ideológicos. Nem de esquerda, nem de direita, nem de bandinha, mano. Numa palavra: sonhos de paraísosfiscais-impunidade-poder. Sonho grande, sô!
Mas os sonhos de Marcolino não tinham esse pedigree todo.
Sem força política, nem foro privilegiado, Marcola, ladrão-sonhador, foi autuado e preso em flagrante no 8º Distrito Policial. E lá ficaram, ele e seu sonho. Sem uísk nem ressaca. Até a manhã seguinte.
- Crônica classificada, em 2011, entre 5 crônicas em todo o Brasil para participar da Antologia Prêmio Literacidade 3 / Editora Literacidade, Belém, Pará.