ENTREVISTA – Márcio Benjamin: “O terror nos diz a verdade”

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Nesta série de quatro entrevistas, o escritor Theo G. Alves conversa com personalidades envolvidas com o universo literário em diversos papeis para trazer, além de pessoas interessantes, a palavra de quem está intimamente ligado ao mundo dos livros e da palavra. A cada semana um novo nome trará suas impressões a respeito da literatura brasileira, sejam escritores, poetas, professores ou editores. O primeiro convidado é o escritor Márcio Benjamin, figura importante para a literatura de horror nacional.

Quem é Márcio Benjamin:

Márcio Benjamin Costa Ribeiro é um natalense de 41 anos que também trabalha como advogado. Autor de romances e livros de contos de horror rural e folclóricos (Maldito Sertão, Fome e Agouro), também já fez muita gente rir com suas peças de teatro (Hippie-Drive, Flores de Plástico, Ultraje).

Figura tarimbada em projetos do Sesc (Arte da Palavra, Mostra Sesc de Culturas, Mostra Sesc Carri, Flipelô), representou o Rio Grande do Norte em Feiras Nacionais (Bienal do Livro do Ceará e de Recife) e Internacionais (Primavera Literária de Paris e Nova York e Feira do Livro de Paris).

É roteirista de webséries (Flores de Plástico, Holísticos, Dê seus pulos e As Primas), curtas-metragens (Erva Botão, Linha de Trem e Pela Última Vez) e longas-metragens (Quebrando o Gelo e Fome). Finalista do III Prêmio Aberst de Literatura Lygia Fagundes Telles Narrativa Curta de Terror e Ganhador dos Prêmios Moacy Cirne de Ficção de 2019 e do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica Narrativa Curta de Horror 2020. Acabou de assinar com a Editora DarkSide Books através da qual lançará novo trabalho em 2022.

ENTREVISTA – MÁRCIO BENJAMIN

Theo G. Alves: Márcio, como teve início sua relação com a palavra e em que momento você se deu conta de que a Literatura transcendia em você o seu papel como leitor?

Márcio Benjamin: Rapaz, eu sempre fui muito aficionado pela escrita. Meu pai é um grande leitor (te amo, véi!) e esse exemplo me inspirava muito. Podia faltar dinheiro pra bagana e outras coisas de menino, mas pra livro nunca! “É pra comprar livro?” – perguntava o véio Eugênio. Cheiro de biblioteca me deixa doido até hoje (risos). Acho que me dei conta a partir do momento em que estive disposto a reescrever um texto infinitamente, mudando uma linha, uma palavra, uma vírgula…. bem como quando eu percebi que não viveria sem escrever. Acho que esses dois momentos diferenciam o escritor das outras pessoas, quando você está disposto a burilar seu texto indefinidamente e quando você sente dentro de si que nunca, nunca vai conseguir deixar de escrever. E eu não digo nem publicar, mas escrever!

TGA: Vindo então de um universo cercado de livros, quais você citaria como suas primeiras leituras mais significativas e como elas ocuparam espaço na sua vida? Além disso, como o gênero do terror, especificamente, surgiu para você?

MB: Duas leituras me marcam a ferro e fogo: “O meu pé de laranja lima”, o clássico romance de José Mauro de Vasconcelos, e “Erêndira e sua avó desalmada”, livro de contos de Gabriel García-Márquez. Essas duas pérolas eu li muito novo e foi simplesmente mágico falar com adultos sobre um livro não infantil assim como adentrar esse universo fabuloso que é Gabo. Foi muito bom ler um cânone desses sem pressão nem a “obrigação de gostar”. A gente deveria fazer isso mais vezes.

O terror surgiu pra mim de forma direta com o grande Stephen King. Fiquei simplesmente pretérito com os seus livros e sou com prazer quenguinha dele mesmo e pronto. Quem achar ruim que bote açúcar… Leio tudo, mesmo os ruins, e continuarei assim pois acho que ele tem muito a me ensinar em termos de criação de personagem, ambientação. E foi lindo descobrir depois que temos imensos escritores fantásticos no Brasil que nunca foram nos apresentados assim, como Machadão e a minha diva sem defeitos Lygia Fagundes Telles.

Na verdade eu sempre fui bastante aficionado pelo gênero, adorava aquele terror oitentista fabuloso (Sexta-Feira 13, A hora do pesadelo, O lobisomem americano em Londres). Bicho, eu tinha um álbum de figurinhas com assassinatos! Acho que hoje o Ministério Público ia permitir nem com a mulesta! (risos altos). E também amava as histórias de malassombro que minha vó contava. Mas me faltava uma referência, sabe? Entender que poderia juntar as duas coisas. Aí, como não tinha na época, criei do jeitinho que queria. Daí surgiu o “Maldito Sertão” E o resto é história. De terror.

TGA: Muitas de suas histórias estão repletas de aspectos relacionados ao ambiente rural sertanejo. E como esse ambiente chega a provocar sua literatura?

MB: Pela sua organicidade, pela sua inteireza. O sertão pra mim existe enquanto personagem, enquanto ser vivo completo, e ‘essa moto-perpetuacidade” dele me tira do sério, é como se tomasse conta de tudo, e no final das contas toma. Estamos todos emprestados da natureza apesar de a tratarmos tão mal.

TGA: Márcio, a literatura de terror tem ganhado muito espaço no mercado editorial ao longo dos últimos anos. Essa é uma impressão que corresponde à realidade ou estou enganado? Se é verdade, o que tem motivado isso?

MB: É sim. Acho que o mundo em que vivemos hoje, sabe? O terror é uma onda porque veja só: apesar de utilizar uma carapuça fantástica, ele nos diz a verdade, que vamos morrer, que as aparências enganam, que às vezes as coisas não acabam bem. Puras verdade das quais fugimos e ainda tentamos desmerecer o gênero “derni” sempre. Mas isso né outra coisa não, é medo de encarar quem somos de verdade. O ser humano tem um medo de mulesta de olhar pra dentro de si e assumir quem é! Que não é nem um trisco do que achava que era e de saber que certas características das quais foge são justamente a base de sua estrutura! Gente, façam terapia! (risos). E outras, os nossos jovens estão lendo! Muito! Calhamaços de encostar porta, sagas imensas. E por quê? Porque não são obrigados. Mas ainda precisam de um exemplo dentro de casa. Se você quer que seu filho seja um grande leitor, seja você um enorme!

TGA: Quando você escreve, o que espera dos leitores que têm acesso aos seus trabalhos?

MB: Que comprem meus livros como se não houvesse amanhã, que me acessem, que me deem sugestões, que digam sobre o que querem que eu escreva! Que leiam outros autores, que valorizem a boa literatura nacional. E que me digam se não gostaram também, fazendo favor!

TGA: Para terminarmos esta conversa, conte-nos o que faz você continuar escrevendo?

MB: O prazer de saber que eu perturbei o juízo de alguém, que dei-lhe um chute nos cornos pra tirá-lo (ou tirá-la) da imunda zona de conforto. E também porque não me resta qualquer tipo de outra opção porque o pacto… ops… faz de conta que não ouviram isso. Entrevista encerrada!

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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