Por Andréia Braz
Esperar ônibus pode ser algo entediante em certas ocasiões. Não quando se encontra alguém interessante para uma boa conversa. E foi exatamente isso que aconteceu hoje de manhã, enquanto eu esperava o segundo ônibus para chegar ao trabalho. Estava na parada do Circular da UFRN quando chega uma mulher simpática e senta ao meu lado. Achei legal a combinação da cor das sandálias, da bolsa e do chapéu e imaginei que ela estaria indo praticar algum esporte. Seu jeito manso de falar também me chamou atenção. O papo começou porque ela não sabia o horário do ônibus que lhe deixaria mais próximo ao clube onde faz aulas de hidroginástica. Coincidentemente, é vizinho ao prédio onde trabalho.
Depois de lhe explicar que ela tem duas opções de Circular e pode descer mais próximo ao clube, dona Francisca me disse que estava atrasada naquele dia porque seu neto precisou ir ao hospital na noite anterior. Não foi nada demais, coisa de criança, como fez questão de frisar. Sua filha tem um casal de gêmeos e dona Francisca costuma ajudá-la sempre que possível. Samuel e Isabela têm três anos. Ela me disse, também, que o atraso não lhe traria prejuízo porque se encaixaria em outra turma. O importante era não faltar à aula e usufruir dos benefícios da hidroginástica, a atividade física que pratica há um ano. Além das benesses do exercício, a convivência com o grupo também lhe faz muito bem. As aulas acontecem três vezes por semana.
Apesar de termos feito um percurso relativamente curto (cerca de dez minutos), conversamos bastante e pude perceber o quanto ela ama e se orgulha de sua filha. O genro também foi muito elogiado pelo cuidado que tem com dona Francisca. Ela o considera um filho e ressalta o cuidado que ambos lhe dispensam diariamente e as preocupações com sua saúde, o que envolve marcação de consultas, alimentação etc. Quando precisa ir ao médico, se não tiver com quem deixar as crianças, Gisele coloca os meninos no carro e acompanha a mãe.
Achei tão bonita a forma como filha e genro cuidam de dona Francisca, especialmente porque essa não é a realidade de muitos dos idosos, cujos filhos e outros parentes esquecem de suas limitações, dos cuidados de que necessitam, e os exploram (não consigo achar termo mais adequado para esse tipo de situação) em relação ao trabalho doméstico, por exemplo. Isso quando não se aproveitam também das finanças daqueles que trabalharam uma vida inteira e não conseguem ter uma velhice digna/segura também por causa desse tipo de postura de quem deveria cuidar deles, protegê-los, e não explorá-los. Conheço alguns idosos cujo salário é praticamente todo comprometido com empréstimos consignados feitos pelos filhos e/ou netos.
Voltemos à dona Francisca e seu amor pelos netos. Toda orgulhosa, ela me contou de algumas proezas dos meninos. Samuel, por exemplo, às vezes vai sozinho até a cozinha para tomar água. Devido às limitações da idade, nem sempre é possível dona Francisca levantar-se com tanta facilidade e o menino parece compreender essa questão e, seguindo as orientações dos adultos, especialmente à noite, vai até a cozinha e depois volta para o quarto. Ela é todo orgulho dos netos e do seu desenvolvimento saudável. Os meninos costumam ajudar a mãe no preparo de alguns alimentos e isso, além de estimulá-los a se alimentar de forma saudável, os prepara para dividir com os pais as tarefas domésticas na idade apropriada. Coisa que nem todo adulto faz, vale lembrar.
O estímulo à leitura é outra parte importante da rotina das crianças. Eles têm uma caixa de papelão decorada pela mãe cheia de livros e gibis e toda noite os pais se revezam na leitura das histórias em quadrinhos, especialmente as da Turma da Mônica, as preferidas dos meninos. Sempre que necessário, eles ajudam a guardar os brinquedos e os livros e revistas nos seus devidos lugares. Outro orgulho da vovó é que os netinhos já sabem rezar. De família católica, vão à missa toda semana e costumam fazer uma oração antes de dormir. As crianças já sabem rezar o Pai-Nosso, a Ave-Maria e Oração do Santo Anjo do Senhor, diz a vovó toda ancha.
Durante o nosso papo ainda sobrou espaço para alguns conselhos sobre relacionamento. Diálogo e paciência é a receita para um bom casamento, me ensinou dona Francisca. O apoio nos momentos difíceis também é fundamental. E por falar em dificuldade, ela disse que devo rezar para São José e escrever uma cartinha para o santo com os meus pedidos, a qual deve colocada embaixo da imagem do santo (ou de outro, se não houver um São José em casa). Ela também me aconselhou a rezar o terço diariamente como forma de receber proteção divina e alcançar meus objetivos.
Ao me despedir de dona Francisca, decidi escrever esta crônica como forma de homenageá-la e de agradecer por aquele encontro em uma manhã ensolarada, por aquelas palavras tão generosas/necessárias, por aquele afeto derramado em cada palavra sua, por aquele sorriso genuíno e por aquela coragem de seguir cuidando da saúde mesmo diante das intempéries do cotidiano. Uma forma de agradecer por aquela conversa e por todos os ensinamentos de dona Francisca. Jamais esquecerei aquele abraço e aquele sorriso tão acolhedores e plenos de afeto. Suas palavras gentis ainda ecoam em minha lembrança.
Nosso encontro me fez pensar em tantas coisas positivas, e uma delas foi o poder da palavra. Sim, o poder das palavras de afeto, de encorajamento, especialmente quando as recebemos de alguém que acabamos de conhecer, como foi o caso de dona Francisca. O mais interessante é que nossa conexão parecia algo tão antigo, tamanha nossa afinidade. Lembrei da minha mãe adotiva, Terezinha, que partiu há seis meses e deixou um vazio impreenchível em meu peito. Ainda me sinto desamparada com a sua partida. Talvez a vida esteja dizendo que eu preciso daquele seu abraço novamente, daquele seu sorriso franco e de suas palavras doces, sempre cheias de alegria, otimismo e fé.
Obrigada, dona Francisca, por me mostrar que não estou sozinha e que a vida se encarrega de nos trazer outros afetos, outros abraços, outros olhares. Quando a senhora me abraçou e desejou que eu realizasse meus sonhos, senti a presença da minha mãe. Obrigada por tornar tão viva a lembrança/presença da minha mãezinha, que, assim como a senhora, era também uma mulher amorosa e de muita fé. A saudade da minha mãe está aqui, e ela dói muito, mas o sorriso e o abraço da senhora me mostraram que a vida vale a pena e a dor de ser vivida, ao contrário do que diz o poeta Manuel Bandeira.
————
Crédito: Pixabay
8 Comments
A sua escrita é muito envolvente e faz com que o leitor fique preso à leitura até o último ponto final.
Parabéns, amiga!
Lembrei de vovó ❤️
Parabéns Andrea gostei muito !!!
Deu vontade de conhecer sua doce Mãe, parabéns, a filha e ao lindo texto, que recebi da Amiga Andrea !
Texto muito lindo. Muito obrigada por descrever a delicadeza de minha mãe.
Sinto-me extremamente feliz por vc encontrar uma senhorinha a qual transmite entusiasmo pela vida, pois é bem tratada pelos seus. Hj em dia é raro os filhos e netos agirem dessa forma. Ler um conto assim, nos fazer ter esperança ainda na humanidade.
Ainda existem muitas “Dona Francisca”, mas, precisa-se ter sensibilidade pra encontrá-las. Essa é a Andreia com seu estilo observador, que descobre na simplicidade das pessoas, a beleza da vida. Parabéns amiga!
Valeu, amiga,são relatos verdadeiros, maravilhosos, de uma realidade presente no dia a dia,show