Dois livros de autores potiguares para se ler

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O livro “Nove Contos Serranos”, do escritor e poeta Wescley J. Gama, é uma das boas surpresas do ano na área da literatura (Edição da Offset Gráfica, Natal).

Trata-se de uma coletânea de onze textos ficcionais híbridos de conto, crônica, e memórias.

Impõe-se reconhecer, desde logo, que, sem nenhuma intenção de “fazer literatura”, o autor terminou por criar uma obra literária digna de toda atenção. Suas histórias curtas, permeadas de forte sentimento telúrico, evocam o seu país sentimental – a Serra de Santana, no Seridó -, em linguagem simples e clara, tão simples e clara como o falar do sertanejo.

Desta maneira, todo um pequeno/grande mundo revive na força criativa das palavras. Paisagens, tipos humanos, coisas e animais surgem num contexto de densa poesia, através da prosa ágil e leve do jovem autor seridoense. Não falta uma “historia de Trancoso”; muito interessante, colhida no rico manancial folclórico do sertão potiguar.

Note-se que nem todos os textos contidos no livro têm estrutura de conto. Mas, que importa isto? Mário de Andrade já dizia que conto é tudo aquilo que o autor julga ser conto…

Outra observação: Por enfeixar apenas nove histórias, a coletânea deixa “um gosto de venha mais”.

Com certeza outras histórias, do mesmo quilate, hão de vir – é o que se depreende do potencial de criatividade revelado pelo autor nessa sua estreia como ficcionista.

OUTRO LIVRO

Sou um inveterado curioso de tudo que diga respeito à literatura do Rio Grande do Norte, e, como tal, tenho me dedicado ao estudo de dois gêneros literários que muito aprecio: a ficção e a memorialística. Há algum tempo dei-me ao trabalho de elaborar uma “Pequena Bibliografia Crítica da Memorialística Potiguar”, que incluí no meu livro “Alguma Prata da Casa” (2016).

Conhecedor, portanto, do assunto, embora ciente das minhas limitações, julgo-me em condições de emitir juízos críticos sobre autores e livros.

Dia desses, uma estudante de Letras indagou-me:

– Qual o melhor memorialista norte-rio-grandense?

O primeiro nome que me veio à mente foi o do escritor areia-branquense – mossoroense adotivo – Francisco Rodrigues da Costa. Mas, logo disse à jovem que o considerava não o melhor, mas, sim, um dos melhores, situando-o lado a lado com outros notáveis memorialistas patrícios, como, por exemplo (em ordem alfabética), Eider Furtado, Francisco Fausto, José Nicodemos, Magdalena Antunes, Raimundo Nonato da Silva, Tarcísio Gurgel e Zenaide Almeida Costa.

Francisco Rodrigues da Costa (Chico de Neco Carteiro, como gosta de ser chamado) é autor de sete livros de memórias e crônicas. O primeiro deles, “Saudades” (2005), que, aliás, inaugurou a Editora Sarau das Letras, foi relançado, há pouco tempo, em edição revista e ampliada, com novo e sugestivo título – “Porto Franco”. Mas, não é a este belo exercício memorial que desejo referir-me, nesta oportunidade, e, sim, a outro livro, do autor, lançado em 2014, “Perdão” (Editora Sarau das Letras, Mossoró, 2º Edição, 2017), que considero sua obra mestra.

Sempre “em busca do tempo perdido”, Francisco Rodrigues relata, em “Perdão”, um fato que o abalou profundamente. Por volta de 1954, quando morava em sua Areia Branca, ainda muito jovem, o pacato cidadão Chico de Neco Carteiro, cometeu homicídio, atirando num rapaz que entrara em luta corporal com um irmão seu. Atordoado, fugiu logo em seguida, mas, algum tempo depois, entregou-se à polícia. Submetido a julgamento, e condenado por infringência do art. 121 do Código Penal, cumpriu a pena, que lhe foi imposta, na cadeia pública de Mossoró.

A lembrança dessa tragédia acompanhou-o, como um pesado fardo, ao longo de muitas décadas, até que, já aos 80 anos de idade, numa espécie de catarse, ele contou como tudo aconteceu.

Com a experiência propiciada pela construção de suas obras anteriores, demonstra possuir pleno domínio da escrita, e saber prender a atenção do leitor. Suas memórias do cárcere constituem algumas das melhores páginas. Não se limita a narrar o pequeno mundo da prisão; contextualiza-o, diz, também o que de mais importante passava-se “lá fora”. Um ou dois trechos podem desmotivar a leitura, como, por exemplo, a longa enumeração de nomes dos seus conhecidos de Areia Branca, funcionários de empresas locais, à época; isto, no entanto, não compromete a obra.

Alguns artifícios, inteligentemente empregados, conferem à narrativa, por vezes, certo ar de romance.

Em suma, trata-se de relevante documentário de sentido humano, que se destaca pelas suas qualidades literárias. No final, o pedido de perdão. Comovente.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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