De Cultura e Cultura Popular

cultura popular e cultura erudita

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No dia 5 de novembro, comemora-se no Brasil o Dia Nacional da Cultura. A celebração evoca a data do nascimento de Rui Barbosa, grande jurista, diplomata, político, escritor e orador baiano. Homem, portanto, de grande “cultura”.

Em seu sentido etimológico, cultura deriva de cultum, forma nominal do verbo latino colere ligada ao trabalho de cultivo agrícola, de trabalhar a terra para a produção apropriada. Só figurativamente é que passou a designar o “cultivo” do espírito humano.

Para Cascudo (1983 [1971], p. 41), podemos compreender a cultura como “o patrimônio tradicional de normas, doutrinas, hábitos, acúmulo do material herdado e acrescido pelas aportações inventivas de cada região”. Reconhecendo o caráter de vocábulo equívoco, Burke (2010 [1978], p. 9) conceitua cultura como “um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados”. No mesmo sentido, Elia (1987, p. 48) assume que “tudo que resulta da ação do homem sobre a natureza e sobre si mesmo pertence à cultura, no sentido amplo antropológico do termo: habitação, meios de transporte, vestuário, culinária, magia, religião, ciências, letras e artes”.

Pelo exposto, o termo “cultura”, usado nesse sentido antropológico, admite que toda sociedade possui sua própria cultura e que não há superioridade intrínseca de uma sobre a outra. A condição de prestígio que uma manifestação cultural assume em um grupo é de origem meramente social.

Para Lyons (1981), a cultura é um conhecimento que se adquire socialmente. Esse conhecimento pode ser tanto prático quanto proposicional e constitui, nas palavras do autor, “tanto o saber fazer algo quanto o saber que algo é ou não é assim” (LYONS, 1987, p. 274). Saber que algo é ou não é assim diz respeito ao tratamento que cada cultura dá a um enunciado que considera como “verdadeiro” ou “falso”, mas que não corresponde, necessariamente, à sua veracidade ou falsidade reais. Declarações sobre crenças religiosas ou convicções sobre valores morais, por exemplo, podem ser interpretadas e valoradas de formas diferentes por cada povo, evidenciando os caracteres simbólico e axiológico da cultura.

É preciso deixar assente que as tradições culturais refletem a existência de grupos socialmente diferenciados dentro de um país ou região. Burke (2010 [1978]) identifica uma tradição da elite e outra do povo no início da Europa moderna. A primeira, chamada de grande tradição, era transmitida, em linguagem própria, pelos liceus e universidades, estabelecimentos fechados e restritos às pessoas abastadas. Já os excluídos participavam da pequena tradição, que era transmitida de maneira informal e “estava aberta a todos, como a igreja, a taverna e a praça do mercado (BURKE, 2010 [1978], p. 36). É dessa pequena tradição que vem a definição de cultura popular oferecida pelo autor, ou seja, “uma cultura não oficial, a cultura da não elite, das classes subalternas”. Para explicitar melhor o que entende por “não elite”, no início da Europa moderna, Burke (2010 [1978], p. 9) assim se expressa:

[…] era todo um conjunto de grupos sociais mais ou menos definidos, entre os quais destacavam-se os artesãos e os camponeses. Portanto uso a expressão “artesãos e camponeses” (ou “povo comum”) para sintetizar o conjunto da não elite, incluindo mulheres, crianças, pastores, marinheiros, mendigos e os demais grupos sociais.

Questionado pelo repórter e pesquisador paraibano, Assis Ângelo, sobre o que era cultura popular, assim se manifestou o mestre Luís da Câmara Cascudo, em 1979:

Cultura popular é a que vivemos, é a cultura tradicional e milenar que nós aprendemos na convivência doméstica. A outra é a que estudamos nas escolas, na universidade e nas culturas convencionais, pragmáticas da vida. Cultura popular é aquela que até certo ponto nós nascemos sabendo. Qualquer um de nós é um mestre, que sabe contos, mitos, lendas, versos, superstições, que sabe fazer caretas, apertar mão, bater palmas e tudo quanto caracteriza a cultura anônima e coletiva.

Cascudo, portanto, já associava a cultura popular à aprendizagem decorrente da convivência humana fora dos estabelecimentos de ensino. Qualquer um pode ser mestre, em alguma medida, pela transmissão de tradições do povo, mesmo sem ter recebido a instrução formal.

Por fim, assim como sucede em relação às culturas de diferentes regiões, a hierarquização entre cultura erudita e cultura popular também ocorre por avaliação social e não por uma superioridade inerente entre elas.


Referências Bibliográficas

ÂNGELO, Assis. O Último grande pesquisador. Memória da Cultura Popular. Entrevistador: Assis Ângelo. Natal, 1979. Acervo Instituto Memória Brasil, ano I, n. 5, 2012. Disponível em: < http://www.jornalistasecia.com.br/edicoes/culturapopular05.pdf>. Acesso em: 05 set. 2016.

BURKE, Peter. Cultura Popular na idade moderna: Europa 1500-1800. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 [1978].

CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e cultura. Clássicos da Cultura Brasileira. vol. 1. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983 [1971].

ELIA, Sílvio. Sociolingüística. Niterói: Padrão/Universidade Federal Fluminense, 1987.

LYONS, John. Lingua(gem) e Linguística: uma introdução. Trad. Marilda Winkler Averbug e Clarisse Sickenius de Souza. Ed. Guanabara Koogan S.A. Rio de Janeiro: 1987.


PINTURA: Adolph Menzel (1852)

Sandro de Sousa

Sandro de Sousa

Filho de Macau-RN, residente em Natal desde os 5 anos de idade. Licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado.

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