Croniketa da Burakera #29, por Ruben G Nunes
Campanhas de copa-y-pasión!
Recebo de meu amigo Tom Silveira, poeta, advogado, empresário, um interessante vídeo – Amigos del Camino Tercera Edad – sobre a velhice enferrujada da Terceira Idade.
Texto em castellano orientando a velharia como ser velho numa boa. E com qualidade. Pra viver melhor e desencanar a angústia crônica da última curva da estrada da vida, o texto do vídeo recomenda que os velhões sigam 3 macetes: viva o hoje!… goza o dia!.. e seja alegre e ria!
“La vida se passa rápido… Haz todo lo que puedes hoy, porque nunca estará seguro si ya es tu invierno o no… ¡Goza el dia!.. Ah no olvides reyr y suelta la carcajada…”
Nostalgia, deprê, recuerdos, alegria… únicas bagagens da viagem sem volta. A gente vem nú e vai nú. As experiências da vida vão na bagagem? Sei lá, meu rei!
No fundo musical do vídeo, cantado por um trio, um bolero do argentino Roberto Livi, que andou pelo Brasil participando da Jovem Guarda. Aliás, um boleraço que fica apaixonante na voz incrível da madrileña Rocío Dúrcal: Cómo Han Pasado los Años.
Desses boleros d’arrepiar os pentelhos d’alma e a gente sair dançandoflutuando, por aí, nas gafieiras das estrelas.
Tom-mano-velho, o vídeo é mesmo tocante. Diz dos colegas velhudos e velhudas, navegando pelaí, pelos mares da vida, já de leme frouxo, mastaréu rangendo, velame esburacado.
Diz das nossas velhagens. Dos planos e chamegos antigos com a companheirinha de sarros-y-sueños. Dos nossos carunchos do coração que foram se enganchando nos dias, anos, cachos, engalhos. E lá ficaram pendurados ao som de The Platters.
O vídeo diz também da torturante consciência da velhice avançada de já estar jogando na prorrogação do jogo-da-vida. Finalzinho de partida, véi.
Hora do embarque pras estrelas-perdidas. Já na fila do check-in… cada um olhando pra cada um com cara de cachorro leso…
Barra pesada, dotô!
Sabe aquela vertigem de vidaviver a cada minuto na beira do abismo? Sabe nada, mago! Quem sabe? Só a velharada dos setenta pra lá.
E não adianta aquele papo-consolation de “esquece isso, cara!.. afinal todo mundo morre um dia… viva o agora!”. Táquitipa, pô! Papo meia-sola, mano!
Olhe, mano, pós-70-80 de idade, o agora-da-vida temjeitonão, sô!… é um agora pleno da presença da Morte, aquela Dona Caveira velha-de-guerra.
Aquela figura carnavalesca de foice, manto negro, e queixada ossuda sorrindo pra tu. Aquela figura patéticassombrosa de voz de trovão ribombando nas zuréias da alma: vam’bora malandro, chispa! chegou tua hora!
Te safa, marujo! Que é de lascar, viver esse agora sinistro, mano! Stress da velharia que nem Freud dá jeito.
… rir ou chorar? andar ou dançar? sentar ou voar? ou simplesmente deixar rolar e chamar Dona Caveira pra tomáuma e vêcuméquié esse enredo… quem sabe Dona Caveira não tá a perigo precisando dum calor nas trans-milenares ossadas, daí topa um rala-e-rola com tu, num motelzinho manero… daí prorrogando teu tempo?… mas, ein?!…
Que treta, mano!
Tempo e escolhas. Tempo e suspiros. Tempo e ferrugens. Tempo-sem-mais-tempos.
¿a donde se fueron los años?– pergunta-se no bolerão, a sedutora cantora Rocío Dúrcal, no crônico espanto da perda. Como bolhas de sabão os anos sumiram-explodiram no ar. Blow-up!
Como enfrentar, de boa, a perda de si, a perda d’amores e d’amizades? Como enfrentar a inexorável ferrugem do tempo? A decadência do corpo. A deterioração mental.
Como segurar a barra dessa porra da gravidade – da gravidade, véi! – sacaneando com teus bagos, picuás, mastaréu e cesto da gávea, de macho alfa?
Quer dizer, sacaneando com teus aplicativos da hora-do-vamuvê. Digaí? Vira tudo geleia triste. A gente vai se desfazendo por partes. Quiporraé, véi!
Bom, pelo menos ainda se tem um ás na manga, um estepe coringa – a velha língua. Velha que nunca envelhece. Nem depende da gravidade. Nem nega fogo, nem babação. Nem cansa. Coisa de pele e desejos s’escarafunchando. Xupiscos.
Daí a velhice da chamada Terceira Idade vira uma gloriosa degustação. É o que resta. Pelo menos isso, velhão… E tome de caiação geral!
Daí, a véiarada começa a compreender e sentir que dar gozo pela linguagem também é gozar. Gozo solidário. Sinfonia de sons safados e borogodós salivados.
Daí a gente começa ouvir pelos cotovelos, bagos, línguas, xibíus, dedos e salivas I want you 1976 com o danado do Marvin Gaye, caningando os passados, os agoras, os depois… as lembruxas… cravados a ferro e fogo dentro de nós… no ritmo da sensualidade… no frenesí dos desejos…degusta, velho, degusta e deixa escorrer um pouco dessas saudades todas… degusta que a sede de viver-reviver é muita…
Pelo menos isso, velhão…
Mas, como encarar, de boa, na velhitude a sensação cada vez mais forte, a cada manhã, desse jogo perdido de vidavivermorrendo dia-pós-dia.
Ir… indo… indo… indo… o ido… o idoso: aquele que vai indo… para onde?… … sei lá!… quem sabe?… tio Nietzsche dizia que a vida é um eterno retorno…
O diabo, mano-velho, é que a consciência cada vez mais forte da GrandeViagem para as Estrelas vai alargando um estranho vazio na Alma: um vazio do vazio: o ponto-oco de cada um: que liga nosso corpofinito com nosso corpoinfinito.
Daí que na consciência da morte próxima, viver-morrer, tudo-nada, certo-errado, direita-esquerda, ordem-cáos, princípio-fim, macho-fêmea, carne-espírito, amor-desamor – tanto faz como tanto fez!
Já que tudo se enrosca no ponto-oco da Alma e s’esparracha de cambulhada infinito afora. Diversidade des-conjuntada. Sempre em movimento. Como uma dança suave, majestosa, enigmática, escracha. Sempre se refazendo.
A Dança de Xiva. A Dança do Mamulengo. A Dança da Gafieira. O Tango. Ah, paixão do tango!
O mundo parece feito dum mix de multiperspectivas de movimentos, relações, empatias, pendengas e forrobodós.
O mundinho fechado do “ou isso ou aquilo” se torna o mundão livre do “tanto faz como tanto fez!”.
O que quero dizer, Tom-velho, é que a medida que a gente vai se despregando desta Vida, e a carequice vai se alastrando, a Verdade Única se esfuma.
Vai tudo se esfumando mesmo. Como a fumaça do cigarro. Como rios e oceanos virando nuvens que viram rios e oceanos que retornam… e retornam. Como sonhos resonhados.
Sonhaduras de sonhos resonhando… é o que resta, é o que somos… e não foi o mago Próspero, no The Tempest, de Shakespeare, que disse que “somos feitos da mesma substância que os sonhos”?…
Somos sonhos perambulando pelo Infinitaço. Masquêpraquê? Quem sabe?
Essas coisas todas, Tom-amigo, a gente sente, quando os cabelos vão branqueando e carecando. E você já está confirmado pela idade e ferrugens na lista do próximo voo pros botecos-siderais. E a fila anda, poha!
Os Mistérios do Infinitaço fascinam e coçam. Todavia permanecem invisíveis. Inexplicáveis. Como o fascínio de uma perna cruzada de mulher. Nunca se vê para além da cor das calcinhas. Ali, o sensual Portal da Vida chamando sempre.
Que divinações há, ali, entrecoxas?
Ninguém responde.
Como o Amor, os Mistérios do InFinito não têm resposta racional. A gente só sente.
Mas fica então o furo sempre racionalmente inexplicável dos justos motivos pelos quais um deus criador imortal – ou deuses – em sua eterna solidão, criou criaturas para vivermorrendo. Criou a morte humana e suas tristes marcas e vazios.
“Se foi pra desfazer, por que é que fez?”, como questiona o poetinha Vinicius de Morais no seu irônico Cotidiano.
Como nunca ninguém responde esses leros. Estamos sempre diante do absurdo: os impenetráveis Mistérios do Infinito.
… fazer desfazendorefazendo… jogos dos deuses?… jogos de suas eternas solidões?… tem sentido?… Qualébixo?…
Mas vamos encarar de boa essas tretas do vidavivermorrendo a que estamos condenados. Vamulá amigo!
Pegue aquela dose generosa de cereais nobres escoceses. Dê a primeira golada pros Orixás, como deve ser. Relaxe amigo. Desfaça os nós da garganta.
Agora uma golada lenta. Deixe-se invadir – almapelecoração – pela energia fina que liga tudo-todos nesse louco Infinitaço – quem sabe o Amor?
Entre em uiskmeditation. Flutue. E com toda tua velhudez deixa a coisa toda rolar…
Que nos espera?
Estamos indo ou vindo?
Haverá lembrares e sentires?
Haverá xifres e dores-de-cotovêlos?
Haverá um celular androide pra gente zap-zapear?
Haverá o gozo-espiritual para além do gozo-da-carne?
Haverá amores arrebatadores?
Encontraremos nosso mano-amigo, maestro Prentice, que viajou ano passado lá pras estrelas-perdidas?
Quem sabe Prentice-velho estará batendo um pinho numa seresta pras almas e deuses, lá num dos botecosdoInFinito?
E o mar?
haverá essa belezapoema
do marmassaplenaprofunda
em seu cambiante balanço
d’azulverdecinzanuvensvermelhando
d’espumaspraiasgaivotas
d’temposnaviosaudades
e os eternos marujos de Neruda – “que besán y se van”…???
Ou haverá só um vazio sem-sentido?
Quem está lá nos esperando?
Arre-égua!… é um porrilhão de perguntas, mago-véi…
No final de Os Irmãos Karamazov, 1879, do velho-Dostô, as crianças perguntam a um dos irmãos, o místico Aliocha: “Karamázov, é verdade o que diz a religião, que ressuscitaremos dentre os mortos, que nos reveremos uns aos outros?”.
Aliocha responde: “Claro, nós nos reveremos e nos contaremos de novo, alegremente, tudo o que se passou”.
Perguntas… perguntas… respostas tantas. Dúvidas… dúvidas… eternos Mistérios.
Sabe, Tom-velho, já vi outros vídeos parecidos com este que você me enviou. Com a bela musiquinha de fundo e cenários de sonho. O texto, calmo, e sempre bem dosado de regras e conselhos para velharia boladona saber porravelhar de boa e feliz nessa tensão do fim do prazo de validade de si mesma.
Como pode o velhame ainda ser feliz diante do inelutável fim? – é o tema desses vídeos.
Como pode a gente ficar maneiro se a vida engasga? Nessas paradas acho que nem um porre dá certo, mago-véi.
Nesses vídeos de auto-ajuda-de-velhar, a regra-base é que a velharia tem mais é que vidaviver-o-momento. Com todas suas rugas, papadas, dentaduras, carecas, bengalas, cigarros e pigarros. É esse o consolo final. A porra do agora da hora.
Quer dizer: se chapar nesse-agora-desse-aqui, sem ficar nhen-nhen-zando resmungos de nostalgias, tristezas, queixumes. Arquivos do passado que não interessa mais a ninguém. Coisas das antigas. E nem mesmo o chororô sobre teu prazo de validade estourado, e plá-e-plei…
Quer dizer: fica na tua e feliz, velho-feio, nesse aqui-agora, sem encher o saco dos pobres mortais mais jovens. Pô, velhão, tá caindo os dentes? Para de comer rapadura, porra! Agora pra você é mingau, cara. É o agora-mingau e fique feliz! Tá ligado?
Bem, penso que esse formato dum aqui-agora fechado rigorosamente no momento presente é um tanto burocrata. Um tanto desumano pra velharada. Espécie de antolhos que tapam a visão do passado e do futuro. Que te aprisionam num aqui-agora parado no Tempo.
Regras do esquecer. Métodos do não-sonhar. Existência sem projetos.
Ou seja: pra porravelhar numa boa, segundo o vídeo, a velharada tem mais é que ficar ali enterrando sonhos antigos e futuros no aqui-agora da hora. Será que funciona? Que auto-ajuda é essa?
Pra mim é papo furado. Não se pode encaixotar sonhos num aqui-agora burocrático.
Sonhos são músicas d’espumas d’amores e desejos. Revoadas de borboletas, gaivotas, flores, luas, praias, dansas, corpos. Que brotam a todo momento em nosso coração-alma-carne, no triscar d’olhos e peles se pegando.
Que é viver o aqui-agora senão deixarviver todas as perspectivas de todos os aqui-agoras?
Que é viver o aqui-agora senão sentirdançar a música dos sonhos?
Quem é você?..
…homemulherbichatrichatransbranconegromorenoesquerdadireitaoperárioestudantepoetaescritorprofessorempresáriotraficantemúsicoartistajornalistadeputadosenadordeputadoatletapoliciasoldadomarujo…
Tantofaz-como-tantofez, camarada! Você vai ser sempre um sonhador. Mesmo que não sonhe. Você já é um sonho. Um sonho de um talvez deus, ou deuses. Um sonho do Nada. Um sonho do Infinitaço.
Sonhos movem desejos. Que movem projetos. Que movem cada momento da VidaViva. Abraçam passadopresentefuturo. E fazem dançar a Vida.
Daí que, penso eu, não adianta travar as lembranças do idoso tão-só nesse agora pra confortar saudades e dores de conviver com a morte próxima.
Se o Infinito e seus mistérios são mesmo como “fendas de desrazão” de “natureza alucinatória”, como diz o escritor, poeta, ensaísta argentino, Borges em Avatares da Tartaruga. Então, chefia, o Infinito é algo como um sonho ou uma ilusão para nós seres finitos.
Daí, mago-véio, tomemaisuma e deixe a Alma se expandir nas multidireções dos sonhos e ilusões desse Infinitaço. Se deixe levar nessa onda.
Que nem os desfile das alas das escolas de samba se espalhando no Sambódromo da Vida, nas alegrias e ilusões do carnaval.
Que nem o refrão que Neguinho da Beija Flor de Nilópolis cantava no carná-1979:
“… joguem fora a roupa do dia-a-dia e tomem banho no chuveiro da ilusão…”
Vale curtir esse poema-desfilosófico que é o sambaço “O Paraíso da Loucura”, da Beija Flor, no aqui-agora de 1979… há quarenta anos atrás… quarenta anos…
Porraqueotempopassa!
E arranca das tristezas cotidianas a alegria de vidaviver a loucura das ilusões. Refrão porretinha da Beija-Flor, cumpadi! Ouça e vire um sonho…