Saudações, cervejeiros clubistas!
Em um dos primeiros textos do blog, eu tratei do tema que voltarei a abordar novamente hoje: os clubes de cervejas artesanais. Contudo, diferentemente da ótica ofertada no texto anterior, o qual pode ser lido clicando AQUI, falaremos adiante da proliferação de clubes pelas próprias cervejarias.
Algo que antes era a exceção e atualmente se tornou algo quase que mandatório. A mudança percebida também se reflete na forma como cada consumidor se relaciona com a cerveja artesanal, adequando-se a um perfil de cada cervejaria ao invés de se lançar a desbravar estilos diversificados e menos restritos a um nicho das artesanais.
É como se cada cervejaria quisesse ter um clube para chamar de seu, fidelizando seus clientes a partir da assinatura, e, obviamente, capitalizando-se antes mesmo de ofertar um produto seu, seja ele exclusivo para os membros do clube ou não.
Nesse embalo, no texto de hoje quero abordar principalmente esses dois pontos, a mudança na forma como os clubes de cerveja estão sendo pensados (ou seja, uma comparação de como era antes) e como a proposta da fidelização vem a reboque dessas novas perspectivas clubistas no mundo das cervejas artesanais.
A mudança na perspectiva do cervejeiro assinante
Quando os primeiros clubes de cerveja artesanais surgiram no Brasil (muita gente deve ter saudade do Have a Nice Beer e do Clubeer) eles tinham uma proposta muito didática e até mesmo educativa: trazer rótulos de estilos diversos e de cervejarias diversas, tanto nacionais quanto internacionais, para seus assinantes.
Do ponto de vista de um neófito no mundo das cervejas artesanais era o melhor tipo de proposta possível. A partir do pacote de cervejas do mês, o assinante tinha a oportunidade de conhecer pouco a pouco os mais diversos estilos cervejeiros, dos clássicos aos mais atuais.
Essa proposta inicial dos clubes de cerveja tinha um enfoque bem peculiar: apresentar a cultura cervejeira a quem estava começando. Isso se transmuta em um perspectiva secundária que fica subentendida no pacote cervejeiro: não espere cervejas extremas, high-end ou hypadas.
Na verdade, naquela época, isso sequer era pauta. Inexistiam cervejarias nacionais voltadas para esse público, tampouco as cervejas importadas que chegavam aqui seguiam essa linha. Porém, é bom fazer essa ponderação para entender o ponto de virada para a perspectiva atual.
A perspectiva dos clubes, atualmente, alterou-se completamente. O enfoque não é ser didático ou educativo, os estilos são poucos e repetitivos, e cada cervejaria tem seu próprio clube.
As motivações das mudanças: o consumidor já sabe o que quer (e tem medo de experimentar)
O avanço e a difusão da cultura cervejeira como um todo teve um efeito colateral bastante peculiar: ele fincou as bases dos estilos que são feitos, não admitindo muita variação entre eles. Ou seja, espere sempre uma IPA, uma Sour e uma RIS.
Inobstante, por mais que as Lager’s estejam entrando novamente do radar do Hype ninguém vai colocá-las em um clube de assinatura…
Outrossim, o balizamento do gosto do consumidor, moldado por aquilo que as cervejarias artesanais querem produzir o deixou com a falsa ideia de ele saber o que quer beber porque já bebe coisa boa. Vou fazer o mea culpa em dizer que eu não posso estabelecer as regras do que cada um sabe o que quer beber. O problema é que quando as cervejarias estabelecem isso ninguém acha ruim…
Enfim, o consumidor tem a pretensão de achar o bastante se fidelizar a uma determinada cervejaria porque ela faz estilo A, B ou C que ele gosta. Isso mata qualquer outro tipo de clube que seja mais generalista. Não repita estilos e não seja vinculado a nenhuma cervejaria. Isso também vem na mesma toada do medo de experimentar outros estilos de cerveja, afinal, qual consumidor vai querer receber em casa um pack mensal com uma Dubbel, uma Rauchbier e uma Strong Ale, de três cervejarias diferentes?
Sim, o consumidor se retrai em sua “zona de conforto cervejeira”, vinculando-se a um clube de cervejas de uma cervejaria em específico, deixando de provar novos estilos e deixando, igualmente, de conhecer novas cervejarias. Ele fica sempre adstrito ao que uma única cervejaria escolhe e também à disponibilidade mais reduzida de estilos cervejeiros, consequentemente.
Fidelizando pelo clube de cervejas: modalidades e estratégias
Por outro lado, ao ver o incremento no consumo das cervejas artesanais e na mudança de hábito dos consumidores, as cervejarias também tiveram a sagaz ideia de fidelizar a demanda por meio de um clube cervejeiro próprio.
É bem verdade que na época que eu escrevi o primeiro texto, referido logo no primeiro parágrafo, já havia alguns clubes próprios de cervejarias, alguns de nível nacional (um deles até já encerrou as atividades) e outros apenas locais. O ponto é que já havia o embrião do clube próprio para cada uma das cervejarias.
Todavia, o que acontece hoje é uma disseminação ainda maior dos clubes próprios, de modo que quase todas as cervejarias com alguma representatividade no cenário nacional já possuem um clube próprio. O ponto é que não há exatamente uma unidade de propostas para além da fidelização.
Exemplificativamente, algumas cervejarias apenas disponibilizam cervejas Barrel Aged em seus clubes. Outras disponibilizam esse tipo de cerveja envelhecida apenas ocasional ou sazonalmente em seus clubes, mas mantêm outros tipos de cervejas de forma exclusiva em seus clubes. Outras, por sua vez, não possuem nenhum tipo de exclusividade, apenas vendem as cervejas diretamente, por meio do clube, por preços mais atrativos ao consumidor (que por sua vez tem que “pagar a carência do clube”).
Assim, cada cervejaria adequa seu próprio clube ao que ela acha mais vantajoso, e como ela imagina ser mais adequado para fidelizar o cervejeiro em seus envios mensais. Cada uma com suas modalidades e suas estratégias nos clubes.
Eu, particularmente, não vejo muito sentido em assinar um clube de cervejas que não tenha alguma forma de exclusividade no que é oferecido. Beber algo que poderia ser adquirido de uma outra forma, por terceiros ou por PDV, tira um pouco a própria essência de um clube de assinatura, que consiste, precipuamente, em vantagens particulares e em exclusividade nos produtos lançados.
Mas, fica o questionamento, o que te faria assinar um clube de cervejas de uma cervejaria em específico? Preço mais atrativo? Exclusividade nos lançamentos? Ou quem sabe, em outras vantagens competitivas, como brindes, eventos e demais acessórios cervejeiros?
Com certeza ninguém assina um clube apenas pela “curadoria” do Sommelier envolvido, não é mesmo?
Saideira
As mudanças e as alterações nos cenários da cultura cervejeira se dão em uma velocidade bastante acelerada. Isso ocorre também porque essa mudança de hábitos vem em carreada de uma maior disseminação das próprias cervejas artesanais como um todo.
Comparando o que escrevi há poucos anos atrás sobre clubes de cervejas, e observando o cenário atual, dá para ver que os hábitos culturais dos consumidores acabaram moldando as transformações assinaladas nos clubes de cervejas. Os consumidores querem uma diversidade menor de estilos e querem sempre algo que agora lhes é mais familiar, dentro do mundo das cervejas artesanais.
Para além disso, a forma como as cervejarias tentam fidelizar o consumidor passa também pela assinaturas de seus próprios clubes de cerveja. Ou seja, cada cervejaria que se preze tem que ter seu próprio clube, para poder incrementar ainda mais seu portfólio, seus clientes, e, porque não, seu próprio Hype.
Isto é, um clube para chamar de seu!
Recomendação Musical
Ao escrever o texto de hoje, e nomeá-lo como “um clube de cerveja para chamar de seu”, a associação musical com a canção, na performance de Ney Matogrosso, Mesmo que seja Eu foi inevitável. Majoritariamente, por causa do verso: “Um homem para chamar de seu”!
Assim, brindo-vos com essa pérola musical da MPB, na voz icônica do melhor Ney dos últimos tempos, o Matogrosso.
Saúde!
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CRÉDITO DA FOTO: Imagem publicada no blog Clube do Cervejeiro