Um clássico cervejeiro superestimado: a Vintage Ale da Fuller’s

Vintage Ale

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Saudações, cervejeiros vintage! Hoje falaremos de um clássico cervejeiro, amado por uns, e por outros… nem tanto!

Eu fico com o segundo grupo e argumentarei em prol desse pensamento.

Estou falando da cerveja Vintage Ale, da cervejaria inglesa Fuller’s.

A princípio, cabe fazer o comentário introdutório que, em regra, há algum tempo já, eu tenho evitado citar diretamente cervejas ou cervejarias, principalmente as nacionais, quando escrevo meus textos. Por mais que eu faça algumas inferências e deixe no ar algumas indiretas capazes de fazer com que os leitores mais perspicazes identifiquem de qual cerveja ou cervejaria estou falando, tento não citá-las diretamente.

Contudo, no texto de hoje, suplantarei essa premissa básica, para que o texto possa fluir com maior direcionamento e para que o argumento baseado no entendimento que a Vintage Ale da Fuller’s é uma cerveja superestimada possa prosperar ao final desse escrito.

Assim, convido-os, principalmente aqueles que tem alguma edição dessa cerveja guardada, a abri-la enquanto se deleitam com a leitura.

Saúde!

Constância e receita na clássica Vintage Ale: “Algo errado não está certo”

O argumento mais forte em prol da Vintage Ale ser considerado um clássico cervejeiro reside na sua “consistência” ao longo dos anos. Ou seja, ela se estabeleceu no mercado cervejeiro artesanal, anos após anos, demonstrando solidez em sua composição, alçando-a a categoria de “clássica”.

Contudo, eu acredito que essa análise é passional, para se dizer o mínimo sobe a Vintage Ale. Inicialmente, há de se ter em conta que ela é uma cerveja relativamente recente, já que sua primeira edição data de 1997. Ademais, a receita dela é mutável ano após ano, com pequenas variações em sua base maltada, e uma ampla variância em termos de lúpulos utilizados.

Não que eu tenha alguma restrição conceitual com a estrutura da receita da Vintage Ale, por fazer ajustes e variações ano após ano. Eu só acredito que esse modelo de receita não faz com que um clássico seja gerado. Claro que sempre há variações mínimas de receitas ano após ano nas receita, em virtude do clima, da colheita e de alguns outros fatores de produção.

Porém, a citada “constância de um clássico”, acaba sendo posta de lado quando a variedade na receita não é um pormenor acessório, e sim, uma premissa inarredável de produção. A constância pode até ser alcançada no resultado pretendido pela cervejaria (algo que eu discordo, mas é outro departamento), mas não serve como embasamento para julgá-la como um clássico.

Os valores inflados da Vintage Ale

Outro fator que contribui sobremaneira para que o resultado sensorial da Vintage Ale tenha um decréscimo quando comparada com outros clássicos é o seu preço. E não estou nem falando (apenas) dos preços absurdos cobrados por ela no Brasil, onde as versões mais antigas (beirando os 10 anos) costumam passar facilmente dos 300 golpinhos temerários.

Até mesmo na Europa e principalmente no Reino Unido (onde ela é produzida), os preços praticados na Vintage Ale não são nada convidativos (inflados, indubitavelmente) – ainda que proporcionalmente mais atrativos que os operados aqui em Pindorama.

Por não ser uma cerveja que se utilize de insumos deveras custosos, nem raros, nem nada do tipo, parece que o valor a ela atribuído advém mais de um “proto-hype” do que efetivamente de seu resultado sensorial. Ademais, ela não é uma cervejaria envelhecida em barris, algo que poderia justificar seu acréscimo de preço, dada a dificuldade em obter uma reprodutibilidade duradoura ano após ano. A única característica distintiva em termos de produção reside no fato de ela ser “refermentada na garrafa”.

Dessa forma, o super dimensionamento na precificação da cerveja acaba retirando, de alguma forma, o seu status de clássico, haja vista que, outras cervejas igualmente consideradas como clássicas e também de guarda (mesmo que não envelhecidas). Como, por exemplo, a Chimay Blue (leia um pouco mais sobre esse verdadeiro clássico aqui), a qual costuma ter um custo infinitamente menor, tanto aqui quanto na Europa.

Eu acredito que o caráter “clássico” de uma cerveja não advém unicamente de seus préstimos sensoriais, em grande parte, ele advém da constância temporal e também na sua popularidade, daí o preço ser um fato determinante para que uma cerveja seja considerada ou não como clássica.

Estilo e guarda: A Vintage Ale segura a “responsabilidade”?

Primeiramente, eu acredito piamente que há uma ligeira imprecisão no enquadramento estilístico da Vintage Ale da Fuller’s. Ela costuma ser colocada como sendo uma Old Ale, um estilo cervejeiro inglês conhecido por ter um direcionamento maltado mais proeminente.

De fato, em termos de balanceamento entre o malte e a lupulagem, a Vintage Ale pende mais para o primeiro. Contudo, o segundo ponto mais relevante para ser uma Old Ale é que ela seja mais expressiva que os demais estilos ingleses comuns, tais como A Bitter (ou English Pale Ale) e a Strong Ale (ainda que claramente menos destacada que uma Barley Wine).

Em termos de complexidade, a Vintage Ale está longe de uma Barley Wine, e não costuma apresentar um elemento claramente distintivo para com uma Strong Ale. Tal elemento, usualmente, quando se fala em Old Ale, é o envelhecimento em barris, tanto que alguma variação de rusticidade (como acidez) é aceitável no estilo, mas inaceitável nas Strong Ale’s.

Apesar de a cervejaria fabricante anunciar que o degustador pode esperar uma ampla capacidade de envelhecimento e notas de “Sherry” (ou Xerez, tipo de vinho fortificado espanhol) ou “Cognac” (ou Conhaque, destilado de uva produzido na França) na Vintage Ale, parece ser um exercício meramente imaginativo captar tais nuances, até porque não há sinal algum de aromas e sabores terciários, comumente associados ao envelhecimento em barril. Tal ponto nos conduz ao seguinte questionamento: a Vintage Ale é uma cerveja de guarda?

Tendo bebido alguns exemplares com 10 anos (ou mais), acredito que a resposta a essa pergunta não pode ser afirmativa. Claro que notas oxidativas são necessariamente esperadas nas cervejas de guarda, contudo, também são aguardadas notas evolutivas que acompanhem a “oxidação positiva”, e isso não é encontrado na Vintage Ale.

É quase impossível associá-la, sensorialmente, a nenhum dos destilados descritos no rótulo, nem a qualquer outro comumente assemelhados nas cervejas de guarda. O que há de ser percebido são notas maltadas com os devidos acréscimos oxidativos, e isso, por si só não gabarita uma cerveja a ser tida como “cerveja de guarda”. Assim, nesse quesito, tanto a Vintage Ale acaba não sendo um clássico (ainda que nem toda cerveja clássica seja, necessariamente, de guarda) como também não se qualifica como uma “cerveja de guarda”.

Saideira

Clássicos são clássicos.

Por mais tautológico que isso seja, essa frase é uma “verdade” (no sentido de que encontramos clássicos por serem exatamente o que eles são). Contudo, da mesma forma que os clássicos cervejeiros são estabelecidos eles também podem (e devem) ser passíveis de contestação e análise.

Dessa maneira, no texto de hoje, buscamos perscrutar as raízes do caráter clássico atribuído à Vintage Ale da Fuller’s, tida por seus entusiastas como uma cerveja capacitada para ser envelhecida por anos e anos, e que melhora significativamente com o tempo adquirindo mais complexidade.

Para além do descompasso sensorial que a qualificaria como sendo um clássico cervejeiro absoluto, muito em virtude do seu estilo e também de ela não ser envelhecida em barris, há o fato de que ela é superestimada, principalmente, pelos altos preços praticados em suas garrafas. E os preços elevados não são uma exclusividade nacional, até mesmo onde ela é produzida os valores praticados não são convidativos, fazendo com que, além de não ser um clássico, ela também se torne deveras inacessível.

Recomendação Musical

Clássico é clássico, e vice-versa, e quem tem uma música denominada Classic, como hit oitentista, como Adrian Gurvitz, certamente entende do que está falando!

Nada mais clássico que uma música dos anos 80, não é mesmo? Saudosista e clássica, eu diria!

Assim, deixo-a como recomendação musical da semana!

Saúde!

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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