Conhecendo estilos #4: Belgian Dark Strong Ale ou Quadrupel

quadrupel

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Olá, cervejeiros “trapistas” (não, você não é um “trapo”)!

Hoje vamos falar de um estilo que usualmente costumam chamar de “cerveja trapista”. Não se trata exatamente de um “erro” (ops, é sim), contudo, é uma confusão nomear todas as cervejas desse estilo como sendo trapistas. Ainda que algumas trapistas se enquadrem no estilo em pauta.

Desta maneira, um dos objetivos primordiais do texto é desfazer a confusão que geralmente ocorre, e explicar um pouco mais sobre o estilo. Para isso que serve a seção da coluna “conhecendo estilos”.

Nesse compasso, buscarei descrever um pouco analiticamente as cervejas do estilo Belgian Dark Strong Ale (doravante, BDSA), ou Quadrupel, como alguns a nomeiam. Também vamos mostrar que alguns exemplares são acessíveis, fáceis de encontrar até mesmo na prateleira do supermercado.

No geral, vai se perceber que as BDSA trapistas, além de mais famosas, acabam sendo, na média, melhores, dado o esmero dos monges!

Deixo o convite para abrir uma boa Quadrupel e degustar o texto!

Quadrupel é uma cerveja trapista?

Inicialmente, precisamos deixar estabelecido que uma cerveja “trapista” não é exatamente um estilo cervejeiro, e sim, um selo de uma ordem religiosa.

Sim, por mais incrível que pareça, trapista é uma ordem mais católica que a sua avó que reza 10 rosários por dia. Sim, ser religioso não tem a ver com ser abstêmio. Sem falar que os monges dessa ordem entendem mais de cerveja que aquele seu tio que diz que conhece a Brahma de Agudos “só pela água”.

De fato, uma cerveja ser trapista não significa que ela é boa ou que ela pertence a algum estilo específico.

Na verdade, ser trapista quer dizer que a cervejaria segue vários preceitos de produção da Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância (ou, Ordem Trapista). Dentre os vários regramentos estão: ser produzida pelos monges ou sua supervisão; não ter finalidade lucrativa (amém!) e alto nível de qualidade.

Historicamente, as “cervejas de abadia” eram o que provia a mantença corporal (e espiritual) aos longos jejuns monásticos. Por não ser considerado “alimento proibido” (por não ser sólida), a cerveja (ou pão líquido) era que servia como fonte de nutrientes durante os períodos de abstenção alimentícia.

Dentre os estilos mais famosos produzidos pelos mosteiros trapistas estão os estilos belgas (apesar de nem todas as trapistas serem belgas, a mais famosa, a La Trappe, é holandesa, e até pouco tempo havia uma trapista norte-americana, a Spencer), dentre eles, Quadrupel, ou BDSA.

1, 2, 3… Quadrupel

O estilo por hoje descrito possui muitas nomenclaturas. A variabilidade de nomes advém em parte de sua carga histórica (cervejas muito antigas, receitas monásticas e outros fatores religiosos) e em parte da não-recepção dessa nomenclatura nos manuais (BJCP ou Brewers Association).

Assim, a Quadrupel acabou recebendo o nome de Belgian Dark Strong Ale ou Belgian-Style Strong Dark Ale, que no frigir dos ovos, dizem exatamente a mesma coisa.

Acredito que o termo Quadrupel seja o mais adequado, dada sua alusão histórica.

Não obstante, existe certa aura mítica que tente diferenciar as Quadrupel das BDSA, como se aquela fosse uma subdivisão desta, ou que tenta justificar pela quantidade de malte utilizada a expressão quaternária contida no sufixo “Quad” de Quadrupel (ou, quatro vezes a carga de malte). De modo que o elemento histórico tende a ser prevalente para fins de nomeação.

Nenhuma dessas invencionices possui algo de concreto, além da própria narrativa. O fato é que em termos produtivos, a Quadrupel é para todos os fins uma BDSA, exibindo as mesmas características de aroma, sabor, coloração e também de potência maltada.

De toda forma, faz mais sentido utilizar o termo Quadrupel, dentro do enquadramento das Ale’s belgas, já que temos a Dubbel, a Tripel… logicamente, 1, 2, 3, Quadrupel!

Expressividade sensorial no aroma e no sabor

Comparativamente, é possível traçar alguns paralelos da Quadrupel com suas congêneres belgas numeradas.

Pareada com uma Dubbel, a Quadrupel é mais corpulenta, estruturada, e contém um perfil maltado mais rico. De outra banda, não é tão amarga ou lupulada quanto uma Tripel, contudo, exibe a mesma potência (em termos de expressão sensorial e alcoólica).

O foco principal do estilo cervejeiro em apreço, qualquer que seja o nome dado, é, certamente, o malte (e também a expressão do fermento belga). O seu perfil maltado é o seu grande diferencial, como há de se perceber com o breve comparativo feito com suas “irmãs” também de estilos belgas.

A interação entre a carga maltada e o já mencionado fermento belga é capaz de produzir uma cerveja muito expressiva no aroma e no sabor. São comuns as notas esterificadas de frutas secas como ameixa, uvas passas e figos, sem falar em notas expressivas de banana (caramelizada). Igualmente comuns também são nuances sensoriais de nozes e leve toque de baunilha.

Outro ponto de especificação das Quadrupel’s é o seu caráter fenólico bem evidenciado. Todavia, diferentemente dos demais estilos belgas, em que o fenólico aparece com notas de canela ou cravo, no estilo em questão, o perfil dos fenóis tende a conferir um caráter levemente picante ao conjunto cervejeiro.

Por causa de sua expressividade advinda do malte, as Quadrupel’s são usualmente descritas por seu dulçor mais pronunciado, principalmente, pelo seu baixo amargor. Ainda assim, sua finalização nunca é pesada ou com gosto de xarope. Suavidade e harmonia são seus pontos fortes, tanto em termos de aroma quanto de sabor.

Peculiaridades sensoriais das Quadrupel’s Trapistas

A alta qualidade das cervejas trapistas é algo que já faz parte da tradição e do deleite em degusta-las. Com as Quadrupel’s produzidas dentro das cercanias dos mosteiros trapistas não é diferente, elas possuem certas peculiaridades que as diferenciam das demais cervejas do estilo.

Além da coloração, que é a primeira impressão do espectro visual, bastante diferente das demais não-trapistas, as Quadrupel feitas pela ordem monásticas costumam ser bem mais secas. Isto é, as Quadrupel’s trapistas tendem a ter um dulçor bem menos pungente e persistente.

Nesse passo, por serem mais secas, tem um corpo bem menos pesado em termos de densidade. Haja vista que, tradicionalmente, as cervejas trapistas são mais digeríveis que as comuns do mercado.

Ademais, as trapistas costumam ser refermentadas na garrafa. Assim, as Quadrupel’s feitas pelos monges são engarrafas ainda com algumas leveduras ativas (trata-se, portanto, de uma cerveja não-pasteurizada) que continua a consumir os nutrientes (açúcares) contidos no líquido. Tudo isso ocorre mesmo após a cerveja já estar pronta e envasada.

Tal característica confere uma carbonatação única às cervejas. Elas são dotadas de uma espuma (ou colarinho, como prefiram) esfuziante e perene, que produz um creme em forma de mousse cervejeiro no topo da taça.

Aliás, as taças adequadas a servir uma Quadrupel trapista são um show à parte. São verdadeiros cálices e remetem à toda a liturgia religiosa existente por trás desse líquido, literalmente, sagrado.

Saúde!

Saideira

O estilo belga denominado Quadrupel (ou BDSA) é um dos grandes representantes dessa escola secular, se não, o maior de todos. Sua carga maltada deveras expressiva combinada com suas cepas de leveduras distintas fazem com que a experiência de degustar uma cerveja desse estilo seja única, algo que fica muito mais engrandecido se for uma trapista.

A boa notícia em relação ao estilo, e também com relação às trapistas, é que as Quadrupel’s não são assim tão difíceis de achar, pelo menos as mais comuns do estilo. Dois exemplares facilmente encontrados em supermercados são a trapista Chimay Blue (se pronuncia “chimé” e não “chimei”), e a Delirium Nocturnum, que não é trapista, todavia, o elefante rosa mais famoso do mundo representa bem o estilo.

Assim, não tem muita desculpa para não provar uma boa cerveja belga desse estilo belga e conhecer um pouco mais esse estilo cervejeiro icônico.

Recomendação Musical

A recomendação musical de hoje vem a reboque do estilo “trapista”.

A música em questão ficou famosa recentemente por causa do meme do “Dorime” (um rato vestido de monge dançando a versão remixada). Mas não há dúvidas que a música Ameno, da banda de New Age (que mistura música clássica, ópera e canto gregoriano com outros estilos contemporâneos) francesa Era, é um clássico absoluto e tem tudo a ver com a temática proposta!

Saúde, muita cerveja boa (trapista) para todos!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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