O famoso “Chopp de Vinho” e sua versão artesanal

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Saudações, cervejeiros que também gostam de um bom vinho! O texto de hoje é para vocês.

Certamente, em algum momento da vida, todos já ouviram falar, viram alguma propaganda ou até mesmo puderam experimentar uma bebida que se popularizou como sendo chamada por “Chopp de Vinho”. Por mais que o nome seja intuitivo, nem sempre, o “Chopp de Vinho” é apenas a junção dessas duas palavras (como pode soar bem simples por justaposição entre as duas…).

Assim, o “Chopp de Vinho” não é nem apenas adicionar vinho (como se isso fosse algo intuitivo) ao “Chopp”, e também não é apenas colocar uma porção de “Chopp” (algo que também não diz muita coisa) a um vinho (talvez essa seja uma indicação menos incorreta). O conceito “popular” de “Chopp de Vinho”, certamente, não é algo intuitivo. Não tem como saber as proporções, muito menos se ele se assemelha mais a uma “cerveja” (já que “Chopp”, usualmente é a cerveja não pasteurizada) ou a um vinho. Se a sua graduação alcoólica, é alta (como em um vinho) ou mais baixa (como em uma cerveja do estilo Lager, por exemplo). É algo bem incerto, e vamos expor melhor isso adiante.

Não obstante, o “Chopp de Vinho” é uma bebida bastante comum e muito bem aceita pelo paladar brasileiro. Seu apelo comercial costuma ser bem eloquente e já há uma certa “tradição” na venda desse produto nos bares e restaurantes de todo o Brasil.

Vamos tentar, em um primeiro momento esclarecer qual o enquadramento do “Chopp de Vinho”, ou seja, explicar a qual categoria de bebida alcoólica ele pertence, explanando melhor quais suas características, seus aromas e seus sabores. Posteriormente, vamos falar de um estilo, digamos, ainda que, imprecisamente “cervejeiro” chamado Italian Grape Ale, que seria o “Chopp de Vinho” artesanal (ou gourmet, ou especial, podem chamar como preferirem), ou seja, uma versão mais bem elaborada da bebida que comumente chamamos apenas de “Chopp de Vinho”.

Convido a todos a ler, seja com um “Chopp” ou com um vinho em mãos, e aproveitem a jornada!

“Coquetel Composto”: Enquadrando o “Chopp de Vinho”

O “Chopp de Vinho”, ainda que não seja uma nomenclatura deveras elucidativa, é, em última instância, uma mistura de uma bebida com a outra. Digo que o nome não é muito claro em duas frentes: “Chopp” não é exatamente um tipo de cerveja, sequer é o nome de uma bebida propriamente dita, embora tenha se popularizado no Brasil como sendo a cerveja não pasteurizada; e, ademais, o acréscimo da palavra “Vinho” a uma bebida que seja uma variante da cerveja pode fazer alguma confusão com o estilo cervejeiro denominado de “Barley Wine”, já que Wine é vinho em inglês (a tradução livre de Barley Wine mais aproximada seria “vinho de cevada” ou “vinho de cevada maltada”).

Por causa dessas imprecisões entre o que é “Chopp” e o que é “Vinho” (quando associados à cultura cervejeira) é necessário fazer o devido enquadramento do que é o popular “Chopp de Vinho”, dentro do esquadro legal de bebidas alcoólicas, definindo que tipo de mistura entre cerveja e vinho dá origem a esse combinado.

A definição mais apropriada para o “Chopp de Vinho” é a de “Coquetel Composto”, ainda que se possa fazer alguma confusão com outro termo usualmente associado a bebidas que misturam cerveja com alguma outra bebida alcoólica, a chamada “Bebida Alcoólica Mista” (quem já bebeu Skol Senses, BPM, e bebidas associadas pode ter notado essa denominação no rótulo das bebidas – e nesse caso, o enquadramento está correto[1]).

A definição legal de “Coquetel Composto” é fornecida pela redação do artigo 69 do Decreto no 6.871, de 2009. O texto em apreço define que “Coquetel Composto” é a bebida com graduação alcoólica de quatro (4%) a trinta e oito por cento em volume (38%), a vinte graus Celsius (20°C), tendo, obrigatoriamente, como ingrediente vinho ou derivado da uva e do vinho em quantidade inferior a cinquenta por cento (50%) do volume.

Assim, o “Coquetel Composto” é confeccionado com a seguinte composição. Deve ter sua elaboração feita, alternativamente, com bebida alcoólica; álcool etílico potável de origem agrícola; destilado alcoólico simples de origem agrícola; ou uma mistura de um ou mais produtos anteriormente citados. Além disso, ao “Coquetel Composto” deve ser adicionada (alternativa ou cumulativamente): uma bebida não alcoólica; um de suco de fruta; uma outra substância de origem vegetal; uma outra substância de origem animal; ou uma mistura de um ou mais produtos já anteriormente definidos.

De maneia bastante simples, o “Chopp de Vinho” é a elaboração de um “Coquetel Composto” em que se usa até 50% de vinho e a ele é adicionado “uma outra substância de origem vegetal”, no caso, a cerveja (ou o “chopp”, como ele é popularmente conhecido). Importante destacar que não existe um estilo cervejeiro base para que o “Chopp de Vinho” seja produzido, pode se utilizar qualquer um: Lager ou Ale; e dentre eles, Pilsen, Standard American Lager, Cream Ale, Saison… qualquer um que se adeque a ideia de um “Chopp de Vinho”.

Por mais que não haja nenhum estilo pré-definido, comumente se adiciona ao vinho utilizado como base do Coquetel (geralmente um vinho tinto mais doce – ou seja, um vinho tinto suave) uma cerveja mais leve e refrescante, na maioria das vezes, uma versão não-pasteurizada de uma Standard American Lager. A combinação faz com que a bebida seja bastante doce (em virtude de o vinho utilizado ser suave) e ao mesmo tempo leve e com alta drinkability, ainda que seja usual que ela possua um teor alcoólico relativamente alto, acima dos 10%.

Em síntese, o “Chopp de Vinho” é tecnicamente um “Coquetel Composto”, que se utiliza, na maioria das vezes, de um vinho tinto suave, adicionado de uma cerveja não-pasteurizada, do estilo Standard American Lager, produzindo uma bebida super leve, popular, bem doce e de fácil comercialização, e que faz um sucesso estrondoso em bares mais acessíveis ao grande público.

Italian Grape Ale

O “Chopp de Vinho” é a versão massificada e mais popularizada que existe do que a “lei” chama de “Coquetel Composto”, e como visto, não existem muitas balizas específicas do ponto de vista cervejeiro. Desde que seja uma composição entre uma certa quantidade de vinho, e uma certa quantidade de uma outra bebida alcoólica (ou não), de origem vegetal, podendo conter frutas, é considerado um “Coquetel Composto”, e daí poder vir a ser comercializado pelo nome popular de “Chopp de Vinho” (ainda que não possa conter a alusão ao Chopp em seu rótulo, algo pouco obedecido nos restaurantes e bares Brasil afora). Não obstante existir certa “vagueza” nas definições de aroma e de sabor do “Chopp de Vinho” é comum que nele se utilize um vinho tinto suave.

Já na versão “artesanal” (por assim dizer) do famigerado “Chopp de Vinho”, podemos asseverar que ela possui mais “regramentos cervejeiros”. Essa cerveja é denominada de Italian Grape Ale, e possui a classificação X3 no Beer Judge Certification Program (BJCP), ainda que possa se sugerir seu enquadramento na categoria 29, como sendo uma “Fruit Beer”, em função da adição da uva ou do mosto de vinho a sua composição.

Uma distinção um tanto quanto singular da Italian Grape Ale para o “Chopp de Vinho”, é que a IGA (sigla com as iniciais do estilo) não possui uma uniformidade no uso das uvas (ou melhor, nos derivados de uva, seja o vinho ou o mosto utilizado) na sua produção, uma vez que o popular “Chopp de Vinho” tem o costume de se valer de vinhos tintos suaves. Por causa dessa variedade (na utilização dos derivados vitiviníferos), a Italian Grape Ale pode apresentar as mais diversas colorações. Assim como os vinhos, elas podem ser mais claras, ou brancas, ter uma cor próxima do rosé, ou até mesmo uma expressão de cor mais encarnada, tendendo ao vinho tinto, assim como o “Chopp de Vinho”. Sumariamente, equilíbrio é a palavra-chave, mas as cores podem variar de clara e cristalina a rubra e intensa. Um dos resultados da miríade de cores que as IGA’s exibem é o reflexo em suas variações de complexidade, que podem ir domais refrescante ao mais elaborado ou elegante.

Não existe necessariamente um estilo base para a Italian Grape Ale, no entanto, pode se asseverar que usualmente se usa uma base de Saison (clique aqui para saber mais sobre o estilo “Elitismo cervejeiro”), e ela tende a ser elaborada pelo método tradicional de espumantes, com uma costumeira segunda “refermentação” em garrafa. Claro que nem o estilo nem a metodologia de elaboração são mandatórias, contudo, a maioria das IGA’s do mercado seguem essas premissas de produção.

Ainda que possa variar bastante, a Italian Grape Ale deve ter no seu aroma elementos característicos da uva utilizada (ou de seus derivados), no entanto, ela não pode dominar o conjunto por completo, aniquilando outros aromas. O perfil de uva (ou de vinho) deve estar bem presente e não deve ter defeitos como oxidação ou diacetil. Apesar de restrito, o perfil maltado deve ser minimamente perceptível, enquanto o caráter lupulado tende de mediano a baixo, ou até mesmo absente. Tal qual alguns vinhos, é possível se perceber, em alguns exemplares mais complexos, como, por exemplo, aromas caprílicos, sous-bois, cheiro de couro e estábulo. Nos exemplares mais exóticos, até aromas de queijo e sulfurosos podem ser captados.

No sabor, a Italian Grape Ale pode ter uma variância enorme, a depender da uva ou do mosto de uva utilizado. As uvas brancas tenderão a contribuir com notas cítricas, de frutas de caroço e ter uma “tropicalidade” e um perfil mineral bem destacados. As uvas mais escuras (tintas) tendem a render sabores de frutas escuras, como groselha, mirtilo e cereja, perfil achocolatado ou altamente torrado é sempre considerado um sabor indesejado. O caráter maltado pode ser facilmente perceptível, mas jamais poderá obnubilar a persistência vínica da cerveja.

Tanto quanto nos vinhos, a acidez também é um fator importante na análise sensorial da Italian Grape Ale. Ela pode ser mais suave, nas uvas que tendem a ser mais discretas nesse aspecto, mas também pode exibir um caráter mais intenso, o que pode ressaltar variedades mais complexas e mais ácidas, como sempre, a depender da varietal da uva ou do derivado da uva utilizado na produção. O perfil amadeirado, derivado de elementos terciários, pode ser encontrado nesse “estilo cervejeiro” também, mas não deve ser prevalente nem predominante em comparação com outros sabores. O amargor nas IGA’s costuma ser ameno ou quase ausente, já que não deve ser o destaque no estilo produzido.

Em resumo, podemos dizer que a Italian Grape Ale é o exemplar artesanal (ou gourmet) do famoso “Chopp de Vinho” tão usualmente popularizado no Brasil. Ainda assim, cumpre salientar, como o nome alude, que a Italian Grape Ale é um estilo que vem ganhando representatividade a partir das produções dos cervejeiros artesanais italianos, e representa a comunhão entre a cerveja e o vinho (tanto que o resultado é um “Coquetel Composto”), promovido através de uma ampla oferta local de diferentes varietais vitiviníferas por toda a “bota”. A Italian Grape Ale pode ser tida como uma expressão do território, da criatividade e da biodiversidade de cada produtor (não só dos italianos, eu diria).

Saideira

O “Chopp de Vinho” é uma bebida alcoólica bastante popular no Brasil (de longa data, eu ouso dizer!), ao passo que a Italian Grape Ale é um “estilo cervejeiro” deveras novo, que vem ganhando popularidade apenas há uns dois pares de anos em seu país de origem (Itália) e agora vem tendo alguns exemplares nacionais também no mercado cervejeiro. O elo entre eles é a classificação “normativa” como “Coquetel Composto”, algo que confere um amplo raio de atividade e de produção (não somente “cervejeiro”, diga-se de passagem).

O grande ponto de inflexão, portanto, é o cruzamento dos limites entre o que é vinho, o que é cerveja, e qual a junção dos dois, seja no meio mais popular (com o “Chopp de Vinho”) quer seja nos meandros mais artesanais (com a Italian Grape Ale). O importante é testar os limites e expandir o conhecimento em termos de cultura cervejeira e de análise sensorial também!

Recomendação musical para degustação

Seja com o famoso “Chopp de Vinho” ou com uma Italian Grape Ale, em maior ou menor expressão, vamos ter a percepção de estar bebendo vinho. Então, a recomendação de hoje não poderia ser mais convidativa que a música Bebendo Vinho da banda de Rock nacional Ira!

Só não pode se entorpecer, como indica a letra da música indicada!

Saúde, bons vinhos, seja em forma de “Chopp” ou de IGA!


[1] Legalmente, a definição de “Bebida Alcoólica Mista” não pode conter vinho e seus derivados, uma vez que ela é definida como: “a bebida alcoólica por mistura com graduação alcoólica de treze (13%) a dezoito por cento em volume (18%), a vinte graus Celsius 20°C, obtida da maceração ou infusão de substância vegetal, adicionada de álcool etílico potável de origem agrícola, com adição ou não de açúcares”

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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1 Comment

  • […] cervejas do tipo Italian Grape Ale podem se inserir como um dos seus derivados – para saber mais CLIQUE AQUI); e a excepcionalidade para bebidas alcoólicas que contenham 10% ou mais de álcool (nesse caso, […]

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