Cervejas com tampas enceradas e a sua grande inutilidade

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Saudações, cervejeiros!

Depois de mais uma semana de molho, por motivos de saúde, retornemos!

Vamos falar hoje sobre um acessório eminentemente inútil na (alta) cultura cervejeira: as cervejas que possuem cera sobre as tampas!

Pode parecer bonitinho a uma primeira vista, contudo, em termos práticos e de alguma utilidade, pode ser atribuído valor zero a tal invenção. Além disso, ela gera um incômodo e uma dificuldade maior ainda para ser aberta.

Após discorrer um pouco sobre a grandiloquente inutilidade de tal proposição cerada, vamos discutir um pouco sobre as possibilidades de abertura das cervejas quando vierem com esse invólucro de cera. Quais as melhores opções para aliviar esse tormento de abertura.

Portanto, convido-os a tentar abrir uma garrafa “cerada” sem passar raiva após a leitura do texto!

Saúde e coragem!

Tampa com cera não serve para nada

Existem algumas várias teorias que tentam justificar a aplicação de cera sobre as tampas de cervejas. Há de se notar, logo de cara, que a maioria das cervejas que possuem esse “tratamento extra” costumam ser as cervejas de maior complexidade e, algumas, que costumam se intitular como “cervejas de guarda”.

Não vou me aprofundar nas teorias mais malucas que tentam justificar o uso da cera, contudo, vou me ater ao ponto mais comum entre elas: o uso da cera serviria para prolongar a vida útil da cerveja. Principalmente se ela for tida como uma cerveja de guarda.

O argumento central na tentativa de prolongar a vida útil das cervejas por meio do uso da cera reside no “fato” que a cera formaria uma barreira física, impedindo a entrada de ar na vedação. Obstaculizando, portanto, a oxidação do líquido precioso.

Em tese, esse pressuposto é fantástico, já que a oxidação é o maior inimigo do tempo (para os cervejeiros). Contudo, na prática, as coisas não funcionam tão bem quanto na teoria.

Primeiramente, porque não há comprovação alguma que de fato a cera impeça a oxidação das cervejas após uma longa guarda. Secundariamente, a cera, por mais robusta que ela possa ser ou parecer, acaba ficando rígida e rachando. Na pior das hipóteses, a cera simplesmente derrete, nos locais mais quentes do globo.

Desse modo, seu uso é meramente decorativo e de nenhuma utilidade.

A cera como adorno cervejeiro

Se você realmente acha que a cera deve ser utilizada esteticamente como um adorno na cerveja, por favor, volte duas casas no jogo da vida. Ou melhor, compre um abajur, ou quem sabe um lustre. Eles são belos adornos.

A cera na cerveja como elemento embelezador só serve de uma coisa: fomentar o hype. E, obviamente, encarecer o preço final do produto. Já que de nada serve e se você está procurando um item embelezador, talvez esteja procurando no lugar errado para poder pagar mais caro.

Claro, cervejas que levam cera em sua “vedação” costumam ser mais caras porque o tratamento “refinado” com a cera acaba elevando o custo final do produto. Ou ao menos é o que vão justificar os idólatras do hype. Afinal de contas, um produto feito com cola (ou silicone) e giz (de cera) não é capaz de encarecer uma cerveja, por mais cara que ela já seja antes da aplicação da camada encerada.

Ademais, como já aconteceu em uma cerveja que leva Hype em seu nome, o uso e a aplicação da cera pode servir apenas para atrasar a linha de produção e fazer com que o produto leve mais tempo até chegar no consumidor. Ou seja, uma inutilidade que pouco embeleza e que ainda traz prejuízos.

Fico me perguntando, quem realmente acha que a cerveja fica mais bonita por causa disso e ainda prefere que ela demore a chegar em suas mãos justamente porque a cera demorou a ser aplicada??

Coisas sem sentido da alta cultura cervejeira.

A dificuldade em abrir algo que não serve de nada

Talvez se a cera simplesmente fosse decorativa. Ou se ela só não servisse para nada mesmo e apenas fosse algo fosco e brilhante no enrosco da tampa. Ou talvez se a cera servisse só para encarecer o preço final da cerveja… diante desses três péssimos argumentos, eu até poderia ceder e aceitar o seu uso.

Contudo, ainda há algo pior, em se tratando de cervejas ceradas!

A dificuldade homérica em se abrir a tampa justamente por causa das grossas camadas de cera aplicadas na vedação.

Mais uma vez, ressalte-se, por mais grossa que seja essa camada de cera, ela continua sem servir de nada, uma hora ela ressaca e a barreira física antioxidante não vai ser útil em nada, literalmente, nada!

Mas, claro, vai servir para dificultar a abertura da cerveja!

Quanto mais grossa a capa de cera, pior de abrir. Algumas cervejas ignorantemente usam centímetros de cera para uma cerveja que deve ser consumida em menos de um ano! Segundo indicação de validade das próprias cervejarias, provando que, de fato, de nada serve a camada encerada.

Afinal, como abrir essas garrafas enceradas?

A ingrata tarefa de abrir uma garrafa com tampa encerada requer certos cuidados, pois existem basicamente 3 formas de se abrir as cervejas com essa vedação.

A mais usual e também a mais perigosa é com uma faca ou canivete bem amolado. A propósito, não recomendo, acidentes podem acontecer, principalmente com pessoas que não possuem muita coordenação motora, como eu mesmo.

Ainda assim, é a forma mais usual, fazer um corte profundo na camada de cera e ir abrindo pouco a pouco transversalmente a vedação. Claro, quanto mais grossa a camada, mais afiado terá que ser o instrumento cortante, e maior o risco, consequentemente. Definitivamente, não é recomendado.

Outra forma de fazer a abertura da tampa com cera é aplicar uma fonte de calor para que ela derreta. Por mais que seja possível fazer diretamente na boca do fogão ou com um isqueiro, um maçarico (culinário ou para acender charutos) é o instrumento mais indicado.

Com a aplicação da chama, alguns minutos depois, restará apenas a tampa, sem cera alguma. O ponto negativo nessa forma de abrir a cerveja é a sujeira que ela faz. A cera vai derreter e melar tudo em seu caminho.

Indicado para quem tem pouca coordenação motora e um lugar que possa ser sujado indiscriminadamente.

A terceira forma é com um abridor apropriado. Encontrei um abridor chamado de “corta cera” denominado de abridor Tubarão Baleia (Whale Shark Wax Cutter, em inglês).

Vendido apenas nos Estados Unidos, o abridor promete ser a solução para a intrépida tarefa de abrir cervejas vedadas com cera. Ele possui uma base de madeira e uma incursão serrada para cortar a cera, e após furar essa barreira, fazer a alavanca para abrir a tampa da cerveja.

Parece uma alternativa promissora, não testei. Seu grande problema é não ser vendida no Brasil e ter um custo elevado, entre 25 e 35 Bidens.

Saideira

Definitivamente, quem primeiro teve a ideia de aplicar cera na vedação das tampas das cervejas teve uma péssima ideia. Nessa esteira, para piorar o que já era ruim, os arautos do Hype ainda tiveram a desfaçatez de apregoar a ideia do uso da cera para as “cervejas de guarda”, sem respaldo efetivo algum…

Por causa dessa combinação de fatores inglórios hoje temos um mercado de cervejas de maior complexidade inundado com cervejas com tampas vedadas com cera que de nada servem e dão um trabalho gigante para abrir. Além de inúteis, perigosas quando se tenta abrir com uma faca bem afiada.

Concludentemente, se você quer deixar sua garrafa bonita e mais “chique”, use uma rolha de cortiça e não cera.

Recomendação Musical

Levando em conta que a forma mais usual e corriqueira de se abrir uma cerveja com tampa encerada é com uma faca, a recomendação musical possui um perfil afiado e cortante!

A recomendação é a emotiva canção Knife Party da banda de alternative metal americana Deftones.

Para além do nome óbvio (festa da faca, numa tradução literal), os vocais sussurrados do Chino Moreno clamando “Go get your knife” e o breakdown atmosférico no meio da música casam muito bem com a atmosfera de uma cerveja com cera…

Saúde!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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2 Comments

  • Odilene Monteiro

    Lauro, é muito perspicaz o seu posicionamento tão eloquente quanto respaldado de fato. A beleza pode ser comprada em outros itens que não seja a mencionada cerveja! A inutilidade da cera é absoluta nesse caso. Obrigada por compartilhar seu conhecimento sempre tão profícuo!

    • Lauro Ericksen

      Exatamente!

      Não adianta nada deixar a garrafa mais bonita se há uma dificuldade enorme para abrir a cerveja.

      A beleza se sobrepondo à utilidade é um contrassenso, não é?

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