Hey, Kiddos!
Hoje é dia da seção mais técnica da coluna, quando eu visto minha fantasia de Lulinha paz e amor (versão 2002) e falamos de algum estilo específico de cerveja. Geralmente algum estilo não tão conhecido, buscando trazer novas informações para os meus queridos leitores.
O estilo que será abordado e explanado hoje é conhecido como American Wild Ale, um estilo de cerveja ácido, selvagem (ui!), complexo, e, frequentemente, com adição de frutas.
Como regra geral, pode-se dizer, de modo bem básico, que é um tipo de Sour (ou uma variação turbinada dele), que, apesar de assemelhado com as Lambics (que é uma Denominação de Origem Controlada – DOC da Bélgica) e as Ouds belgas, delas se diferencia por motivos de métodos de produção e variação na fermentação.
O importante é denotar que as American Wild Ales estão ganhando cada vez mais espaço no mercado e mais cervejarias brasileiras se aventuram nesse estilo. Então, vamos se dedicar exclusivamente a ela na coluna de hoje.
I’m a Wild Child…
A tradução direta do nome do estilo (American Wild Ale) para o português seria: “cerveja americana selvagem”.
No entanto, por mais que, por selvagem queira se indicar a fermentação espontânea (em detrimento das Lagers ou das demais Ales), o termo em comento não se orienta necessariamente para essa variação de fermentação (como as Lambics se direcionam, por exemplo), e, sim, pelo uso de outros micro-organismos no processo de fermentação, que não sejam do gênero Saccharomyces (no caso, para as Ales, a da espécie cerevisiæ).
De toda forma, a denominação American Wild Ale inclui uma miríade de cervejas que não se enquadram em outras classificações (usualmente europeias), e acabam sendo abarcadas por esse denominação mais ampla.
Assim, a cerveja base utilizada para a produção de uma American Wild Ale pode ser uma Berliner Weisse, uma Saison (Farmhouse), eventualmente, até mesmo uma Blonde Ale, de modo que a cerveja base é trabalhada, por meio da fermentação e da maturação em barris (ainda que essa etapa não seja obrigatória), até que se chegue à American Wild Ale.
Para que se alcance o elemento selvagem (Wild) dessa cerveja alguns tipos de levedura podem ser utilizados, como, por exemplo, a Brettanomyces bruxelensis, mais conhecida como Bretta, mas não é incomum que também se utilizem Pediococcus e Lactobacillus, leveduras iguais a usadas na clássica bebida da infância, o Yakult (que contém Lactobacillus vivos).
Tudo vai depender das características que se quer dar à cerveja. Com a Bretta se consegue um funky mais destacado, com notas cítricas, tonalidades esterificadas de abacaxi, e uma acidez sutil. Com Pediococcus obtém-se um azedume mais intenso, até mesmo um avinagrado (acético). Com os Lactobacillus se alcançam notas láticas mais proeminentes.
Essas são as características selvagens que esse estilo busca alcançar. Ainda que muitas outras leveduras diferentes dessas também possam habitar os barris onde a cerveja é maturada.
…Come and Love me…
Esse estilo de cerveja vem crescendo bastante entre os beer geeks e, de modo geral, na cultura cervejeira.
No Brasil, várias cervejarias começam a se dedicar ao estilo, tendo pelo menos duas grandes cervejarias no cenário nacional, a Zalaz e a Cozalinda, que se dedicam exclusivamente a esse estilo, ainda que outras grandes, como a Dogma, também se aventurem nele, ainda que esporadicamente e sem uma recorrência tão grande como as outras duas citadas.
A Zalaz, por mais que tenha uma produção mais ampla e não totalmente focada nas American Wild Ales (pode se estimar que aproximadamente 80% de sua produção é nesse estilo), é uma das que mais vem se destacando, principalmente com a sua série Ybirá, que costuma blendar (caso não recorde o termo, clique AQUI e leia mais) e misturar várias cervejas já produzidas, aumentando ou diminuindo o teor wild em cada uma de suas produções a partir dos seus blends, com cervejas maturadas com outras não maturadas em barris, e também misturando os tipos de madeira utilizadas nos barris ou o líquido que anteriormente eles abrigavam.
A Zalaz orgulhosamente diz possuir um terroir próprio em suas cervejas, ou seja, uma denominação organoléptica de sabor e aroma que remetem instintiva e naturalmente às suas cervejas, em virtude das técnicas de produção e de fermentação de seus produtos.
Ainda que talvez soe um pouco prematuro em se falar em terroir próprio (uma associação sinestésica complexa, entre solo, métodos de produção, clima, leveduras e insumos de modo geral), é certo que a produção da Zalaz é de alto nível e suas cervejas, principalmente as American Wild Ales, são formidáveis.
A Cozalinda, diferentemente da Zalaz, não produz outro tipo de cervejas que não sejam American Wild Ales. A produção deles está em franca expansão e seus processos de blends são realmente valorosos e muito bem executados, haja vista que algumas de suas cervejas levam até dois anos maturando nos mais diversos barris que eles possuem em seu rol produtivo.
Eles também são conhecidos por experimentar bastante, usando barris compostos de diversos tipos de madeira, várias tostas diferentes na mesma construção material do barril, dentre algumas outras nuances associadas ao processo de envelhecimento que eles utilizam.
Eles não possuem uma distribuição muito forte em todo o Brasil, principalmente no Nordeste, onde raramente ela chega, mas isso não impede que a Cozalinda rompa os horizontes cervejeiros e a faça criações inusitadas de American Wild Ales.
…I want You!
Apesar de já terem uma parcela consolidada no mercado cervejeiro americano, as American Wild Ales começam agora a se desenvolver (lentamente) no Brasil, em parte porque a sua produção de fato é mais lenta (como citado, algumas cervejas da Cozalinda demoram 2 anos maturando) e demoram mais a chegar até o consumidor final.
Também por ser algo desconhecido e com características que afugentam o grande público à primeira vista (por seu caráter azedo, acético, às vezes, caprílico, com notas de estrebaria, por exemplo) sua aceitação ainda é reticente. Todavia, pode-se dizer que essa barreira também vem sendo quebrada, aos poucos.
Beba local
No cenário local, podemos destacar a série Botanique, da cervejaria potiguar HopMundi, que, nesta série, dedica-se a criar American Wild Ales.
A série conta, atualmente, com 4 rótulos já lançados: Péche (com adição de pêssego), Vierge (American Wild Ale base, sem adição de frutas, apenas maturadas em barris de microflora própria), Rouge (maturada junto com mosto de vinho tinto feito com a varietal Cabernet Sauvignon), e Blanc (maturada junto com mosto de vinho branco feito com a varietal Chardonnay).
Uma ousada produção local e de alta qualidade de um estilo em franca expansão.
A Saideira
Importante destacar que o estilo, quando envelhecido (maturado) em barris não deve apresentar como característica predominante, nem no sabor nem o aroma, tonalidades amadeiradas. Isso seria considerado um desvio ao estilo padrão. Afinal o que se tenta extrair dessa maturação e desse envelhecimento é aquilo que a microflora do barril pode oferecer em termos de transformação bioquímica da cerveja, e não uma mera transposição do caráter terciário que o barril é capaz de imprimir (através da madeira – ou seja, um perfil amadeirado, com notas de coco e baunilha, por exemplo, comum a outros estilos de cerveja envelhecidas em barris).
Música para degustação
Como todas as seções da coluna de hoje foram trechos da música Wild Child da banda americana de heavy metal W.A.S.P., deixo-a como recomendação de degustação para uma boa American Wild Ale:
“I’m a wild child, come and love me
I want you
My heart’s in exile I need you to touch me
‘Cause I want what you do”
Saúde!