Das celebridades que um dia conheci

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Eu já vi um santo em carne e osso. Não acredita, caro leitor? Pois vi, sim. É verdade que o avistei à distância, ele passando, conduzido na carroceria de um veículo especial, um ar de bonomia na face corada.

Ora, direis, ver santo!… Certo perdeste o censo – parece-me ouvir o leitor a dizer isto. E, no entanto, eu vos direi que vi um santo. Não era o simpático São Francisco de Assis, não era Santo Antônio, o casamenteiro, tampouco Santo Onofre… Era o Papa João Paulo II. Não foi ele canonizado, por obra e graça do seu colega Bento XVI?

Quando Sua Santidade veio a Natal, nos idos de 1991 houve ocasião em que ele desfilou, no papamóvel, por diversas ruas e avenidas da cidade, e foi então que, como tantos outros natalenses, tive o privilégio de vê-lo.

Mas, cá pra nós, leitor, eu gostaria bem mais era de ter visto outro santo, também papa: João XXIII. Este, sim, ostentava auréola de santidade. Aliás, o verbo “ostentar” não está adequado, pois o bom Ângelo Roncalli, que adotou o nome João XXIII, era de uma simplicidade extraordinária. Grande, grandíssima figura humana, projetou suas inúmeras virtudes na Igreja, transformando-a – sábio e, verdadeiramente, santo.

Vejo muitos pontos de afinidade entre João XXIII e o atual Sumo Pontífice, o Papa Francisco. Ambos franciscanos, isto é, desligados das coisas materiais, e muito humanos, solidários, portadores daquele “leite da bondade humana”, de que nos fala Shakespeare em uma de suas obras-primas.
Não me surpreenderei se o Papa Francisco vier a ser canonizado.
Santo ele já é.

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Andando, certa vez, pela Feira do Livro de Lisboa, deparei-me com um senhor idoso, de paletó, sentado a uma mesa, junto ao quiosque de uma livraria, parecendo estar ali de plantão para conceder autógrafos. Pouca gente o procurava. Aproximei-me. Com pouco veio um jovem e estendeu-lhe um livro, em que ele, gentilmente, após dedicatória. Não tive dúvidas: aquele senhor, de aparência tão modesta, era José Saramago.

Àquela altura já se formara pequena fila diante da sua mesa. Fiquei por alguns instantes, apreciando a cena, mas não achei motivos para lhe falar.

Prêmio Nobel de Literatura (1998), Saramago tornou-se uma celebridade internacional; sua fama, há muito, transpôs as fronteiras de Portugal. Dentre os escritores portugueses contemporâneos ele é, no Brasil, o mais conhecido e admirado.

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Foi em um evento literário realizado, há algum tempo, no auditório da Reitoria da UFRN. O Cônsul de Portugal em Natal apresentou-me a um cara ainda jovem, um tanto magro, estatura mediana, cabelos castanhos quase louros, vestes bem simples – calça e camisa esporte – e um ar de tranquilidade na fisionomia bem composta.

-Apresento-lhe o escritor Mia Couto – disse o Cônsul.

Demos um aperto de mãos, ele esboçando leve sorriso, a simplicidade em pessoa.

Eu fiquei admirado, não pensava que um homem tão famoso pudesse ser assim tão simples. Dirigindo-se a mim, cordial mas espontâneo, sem a mais leve sombra de pose, parecia estar falando com alguém de sua igualha. Desculpou-se por não dispor, naquele momento, de um livro de sua autoria para me ofertar.

Nunca vou esquecer esse breve encontro com o grande romancista moçambicano.

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A I Semana de Cultura Nordestina, promoção da UFRN em convênio com o Governo do Estado, por volta de 1978, reuniu alguns dos mais ilustres escritores brasileiros num ciclo de palestras e mesas redondas realizadas no Teatro Alberto Maranhão, de Natal.

Eu, que tinha então 35 anos de idade, e já publicara quatro livros de minha autoria, fiquei embevecido com aquela constelação de literatos. Assisti a quase todas as palestras. Foi quando conheci pessoalmente o coordenador do evento, poeta Homero Homem, de quem viria a me tornar amigo, mantendo mais tarde correspondência com ele.

Conheci também naquela oportunidade outros monstros sagrados. Gilberto Freyre foi o que melhor impressão me causou. Após a sua fala, aproximei-me dele timidamente e lhe dei um exemplar do meu livro “Martins – Sua Terra, sua gente”. Ele, com ares de grão-senhor, porém afável, tomou o livrinho em suas mãos, olhou-o com aparente interesse e perguntou-me:

– Martins é nome de pessoa ou de lugar?

E eu, tendo lhe dado o esclarecimento devido, me despedi satisfeito, ancho com a boa acolhida do mestre.

Abordei também R. Magalhães Júnior, que mal me agradeceu o livro que lhe presenteei e logo retirou-se, petulante, de mau humor, sem me dar a menor atenção.

Vi de longe Rubem Braga sentado sozinho diante de um birô, no hall do teatro, a cara fechada, fazendo jus à fama de “urso”.

Osman Lins, já então às voltas com o câncer, e sua esposa, Julieta de Godoy Ladeira esbanjavam cordialidade. Não perdeu a calma quando Jaime Hipólito Dantas interrompeu a sua palestra de modo provocador.

Consta dos Anais da I Semana de Cultura Nordestina que estiveram presentes outras notabilidades – Manuel Diegues Júnior, Ledo Ivo, João Ubaldo Ribeiro, Eduardo Portela, Afrânio Coutinho, Fausto Cunha, Odylo Costa, filho, José Américo de Almeida – mas, se os vi, não me ficaram na memória.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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