Carta ao robô da Nasa

robô da nasa

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Robô da Nasa,

como vão as coisas? Te mandaram uma garrafa de Absolut? Falta esse toque soviético ao vácuo. Hoje beberei por nós dois. Toca o foda-se pra Huston, vai ser beatnik em Marte, focar no espiritual. Você tem pendor contemplativo, agora é abraçar o budismo kitsch. Vai ser gauche na morte, se envolver com basalto de má fama, ver novos nadas.

O sol de Marte vai curar seu jeitão hesseano. O existencialismo é subproduto da hipovitaminose? Você tinha que ir pra Salamanca ver o mar andaluz, uma cigana insensível no colo determinada a pisar no seu coração sob pérgolas luso-brasileiras neocoloniais, entre calêndulas e jasmins-de-madagascar e laranjeiras da Índia.

Penso em você nessas tardes de vento quente – não é vento, é estagnação móvel. Você é o ponto mais sozinho do universo, te vejo catando pedrinhas nos promontórios da mesmice. Aquele coral ligetiano do silêncio abissal entre os orbes na parade prafrentex do infindo pélago vazio do real.

Te gestaram pra orfandade, irmão, pros platôs de cinzas e pros pampas do tédio, a substância mesma do cosmos. Quando aqui nada restar senão um vhs do Brasileirinhas eternizado em âmbar, atestando no tribunal do transiente os grandes feitos e peitos humanos, te vejo ainda aí, cutucando o nada com um trabuco high-tech, um tarado cósmico.

Ouvi que Marte é um cemitério de mares: é mesmo assim? Meus crisântemos aos Atlânticos decíduos. Já não mando rios alsacianos por PAC registrado, hoje os mares se extraviam, e os correios já não são os mesmos, desde que deu na Tribuna de Petrópolis não haver destinos.

Quero uma gulosa das estrelas — não essas estrelas, estrelas maiores. Vou catar pedrinhas contigo no nada. Seremos varões do marasmo infinito, transões da impermanência, michês da mineralidade bastarda, nesse mangue deserdado da cornitude apodítica, do bullying ontológico, do joão-klebismo metafísico.

Forte abs, meu feroz.
D.

 

Daniel Liberalino

Daniel Liberalino

Escritor, desenhista, músico e pesquisador.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês