Croniketa da Burakera #30, por Ruben G Nunes
Tava ali. Ali. Justo ali. No caminho da bala perdida. Tiroteio entre polícia e traficantes. Lá no Favela do Lixão, Duque de Caxias, Rio. Isso foi em julho de 2017. Saiu em toda a imprensa. Lembram?
Barrigona de quase 8 meses. Bebezão Arthur se remexendo numa boa na barriga da mãe. O tiro entrou pelas ancas da mãezona. Pegou espinha e pulmões do Arthur. Abortado de urgência pelos médicos, foi entubado. Ia ficar paraplégico. Mas veio um coágulo na cabeça. Arthur nem paraplégico ficou. Não teve tempo. Tempus fugit…
Se foi. Praonde? Diz aí, praonde? Sei lá, véi!… acho que pros Grandes Mistérios donde veio.
Tempus fugit, carpe diem… quiporraé?
Abro parêntesis. A expressão “Grandes Mistérios” tem a ver com o inexplicável, o impenetrável, o inacessível. Isto é: aquilo que o Homem não consegue de algum modo compreender e explicar. Seja principalmente, na Ciência, ou na Religião, os fenômenos ou problemas em que o saber humano não alcança plena ou razoável explicação, são tratados como um Mistério ou Grande Mistério. Há, por exemplo, o Mistério da Santíssima Trindade, na religião católica. Há também o mistério da Encarnação. O mistério da vida após a morte, etc. Já na Ciência há os mistérios dos Buracos Negros, ou o mistério da Energia Escura, ou a questão da origem da vida humana, ou a existência da vida extraterrestre, do BigBang, do Apocalipse, etc. Fecho parêntesis.
Ei, mano! Vamos olhar para todas as alturas e profundezas. Lá em cima, lá embaixo, fora e dentro de nós.
Ei, quiporraé? Ei, vocês aí dos Grandes Mistérios! Cês‘tão me ouvindo? Que veio fazer bebezão-Arthur aqui? Um feto ainda. Nem ponto inicial nem ponto final. Ele foi antes de vir.
Arthur foi um quasenada. Arthur foi só reticências… só reticências… antes e depois… nas lembranças e sonhos… como todos nós!… como todos nós?… quiporraé, mano?
Tempus fugit, carpe diem… quiporraé?
Quem ficou louco? A politicagem, polícia, a bandidagem? Ou todos os nós-de-nós da sacerdotagem das religiões? Ou o autor ou autores dessa geringonça… o Nada, a Deusa, as Deusas, os Deuses, o Deus… os hackeadores divinos… esses todos Mistériosilenciosos?
A vida são redes (in)finitas de reticências… cada fase da vida humana tem sua intensidade própria e porrilhões de sonhosdesejos a saciar. E nada chega a um fim-final pra valer. Tudo reticências rindo da gente. Três pontinhos sacaninhas no inicio e no fim de tudo, fazendo um carnaval.
Vivermorrendopraquê, dotô?! Quiporraé, chefia?!
A falta(in)finita é nossa marca humana constitutiva. Um nunca acabar-se-acabando. Uma bemaventurança, um experimento, ou uma sacanagem dos deuses solitários? Sei lá, velha-guarda!
Mas é o que nos move. Reticências, sempre. Não há inicio do inicio, só reticências. Não há fim do fim, só reticências. Ninguém sabe, ninguém viu. Só Mistério inexplicável. Um forever-de-forever, e tamusconversados! Quiporraé, dizaí, mano?
Dentro de nossa biofinitude, temos a ânsia inalcançável da infinitude. Deuses, avatares e zumbis, saem de nós.
Em “A Essência do Cristianismo”, 1841, Feuerbach, filósofo alemão, ateu humanista, aluno de Hegel, como foi também Marx, declara que “Os deuses são os desejos do homem realizado”.
Nietzsche, filósofo alemão, XIX-XX, cuja filosofia é uma exaltação à vida, à vontade de viver; e uma crítica à tradição filosófica e cultural, e também ao cristianismo. No seu instigante e louco “Assim falou Zaratustra” (“livro para toda gente e para ninguém”), 1883, diz:
“Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura… para saber da felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão… (…)… Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar… (,,,)… Agora sou leve, agora vôo; agora, vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.
Todavia, além das Filosofias críticas, há também uma certa escavação, uma certa busca dos Mistérios e transcendências, por parte das Ciências, das Artes, das Religiões. Busca interminável.
Somos eternos cavadores natos. Seja através de categorias lógicas da Razão e seus projetos. Seja através dos voos livrescriativos do Imaginário e seus sonhos. Seja através d’amores e d’amantes.
Essas todas noções teóricas ou práticas, que desencavamos – o (in)consciente, as encarnações, as clonagens, os congelamentos-pós-morte – tudo isso converge pra essa nossa perene escavação do Infinito, em busca de nós mesmos. Tiramos não coelhos, mas deuses e transcendências da cartola-de-mistérios do Infinito.
Somos todos cavadores do Infinitaço que nos atravessa, nos cerca, nos sufoca, nos embala, nos liberta… e dá um nó-de-nós-em-todos-nós…
Essa ânsia, de sempre sair-de-si buscando alguém, algum, algo…
Essa movência, buscando a si mesmo, buscando o ponto final dos desejos: o céu, o paraíso, a graça, o nirvana, a outra, o outro, os etceteras… somos seres-etceteras…
Mas o que é um etcetera? No latim-velho significa “os restos… o restante…”.
Mas quem são os “restos” nesse Infinitaço-por-aí que é nosso pasto? Um resto de resto de resto… Sapralá, véi! Mistérios dos Grandes, sô!
Tempus fugit, carpe diem… quiporraé?
Essa pulsão do infinito dentro de nós-seres-finitos, i.é, seres-criados-pra-morrer, se depara com as reticências da nossa incompletude diante de deuses criadores imortais…
… diante do tempo sempre fugindo…
… dos projetos sempre em re(des)construção…
… das viagens sem retorno…
… das coisas-se-recoisando…
… e é batuque batucando batu batucando cando tocando caningando catrevando … diz aí porra!.. ondequando?… nos ziriguiduns da vida !…
Somos nômades de nossa liberdade de vivermorrendo. Ciganos de nós mesmos.
Seja na esfera do pensar, do conhecer, do agir. Seja nos sofreres e gozâncias do sentir… há sempre um inacabamento absurdo e sem sentido…
… uma falta da falta da falta, etc, etc…e mais eteceteras… uma eteceteragem adoidada, mané!
Que zune pelos presentes-dos-presentes, pelos presentes-do-passado, pelos presentes-do-futuro…
Os aqui-agora, os pontos finais, são só aparências. Na verdade são danças dos momentos … ritmos das reticências… balas do destino… balas do tempo perdidas forever…
Tempus fugit, carpe diem… quiporraé?
A razão comum não dá conta. Não dá conta mesmo dessa realidade inquieta, viva, absurda e sem sentido. Que nos move e na qual nos movemos.
O que resta a nosotros? Digaí, roqueiro-velho!
Talvez só a fé. Mas, peraí… só pra quem tem fé, táligado!
Talvez só nos reste uma razão aloucada fazendo-se-re-fazendo sempre, em perene construção, in fieri… e que encare a beleza e o sentido-do-sem-sentido e o absurdo das reticências que nos movem…
… esse nadatudo, tudonada… e a gente tudonadando-se a 2 milhões de km/h, junto com a galáxia… esse querer ficar quieto num canto, please, ouvindo nossos silêncios… esse sentirouvir a música do (in)finito de cada um… esperando a última estrela riscar nossos olhudos-olhos e daí o check-in sem volta dos tempos… quem pediu pra nascer? quem pediu pra morrer? quem pediu pra nascermorrer?… essa loucura da loucura…
… essa loucura da loucura… esse vivermorrendo a cada momento… esse morrervivendo a cada momento… momentos-des-momentando-momentos…
… como um porre-da-porra … como “essa pura inquietude da vida… O verdadeiro é, assim, o delírio báquico no qual não há membro que não esteja embriagado…”.
… mas não foi isso que voinho Hegel, esse monumental desfilósofo, disse na Fenomenologia do Espírito sobre essa dialética do existir do “vivente”, sobre “o efetivamente real” ?…
… essa embriagues, esse “delírio báquico”, esse mover histórico e infinito do tempo onde existimos numa vidamorrente sem mais nem menos, sem quênempraquê…
Por conta desses leros, doiduras e mistérios, não só na velhice, mas talvez com mais intensidade na velhice, é preciso ouvir atento o aviso do poeta romano Horácio (65-9 AC), em sua Odes I, 11.8, há mais de 2000 anos… “tempus fugit; carpe diem…”.
Aviso-poema que ecoa sempre pelas gerações dos que já partiram. Como na belezura de filme Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weil com Robin Williams, de 1990.
No filme, o nada convencional professor de Literatura John Keating (Robin Williams) instiga os novos alunos de famosa Academia americana a pensarem sobre a fragilidade da vida no tempo.
Daí estimula a turma a aproveitar de modo mais prazeroso e inteligente seus momentos. Destarte, induz os alunos calouros a ouvir das fotos de antigos alunos, já idosos, ou já idos, o famoso aviso-poema de Horácio: “… o tempo foge; curta o dia” (… tempus fugi; carpe diem…).
Também a banda Metallica, de heavy metal, no seu lançamento Reload, 1997, relembra o aviso do poeta romano Horácio, no hard rock Carpe Diem Baby … onde não só relembra a maldade do Tempo nos espremendo até a morte. Mas dá o troco humano.
Se está tudo louco e agitado, então vamos agitar e enloucar o mundo. Precisamos matar o Tempo espremendochupando, degustando, pra valer o Dia… e então num make love roqueiro – “me faça sentir tua falta” – deixar nos juntar pra sentir nossas faltas…
So take this world and shake it (então pegue este mundo e agite)
Come squeeze and suck the day (venha espremer e chupar o dia)
Come carpe diem baby, suck it (venha curtir o dia baby, chupe)
…
Then make me miss you (então me faça sentir tua falta)
Oh yeah, then make me miss you (Oh sim, me faça sentir tua falta)
Tempus fugit, carpe diem… quiporraé-isso, baby?
1 Comment
Sem começo, nem fim… O que há então?
O ontem (na lembrança), o hoje…e o amanhã?
Como diz a música: “como será o amanhã? responda quem puder”. Portanto, Tempus fugit, carpe diem…
Essa croniketa é fantástica. Um soco na alma.