Em tempos de tantas discussões e debates sobre a “velhofobia”, ou “etarismo”, como vocês queiram chamar. Fiquei pensando além do preconceito e tentando entender como é cruel viver numa sociedade que acredita que a vida de uma pessoa acima de 40 anos não vale nada e que são valorizadas apenas as pessoas jovens, produtivas e bonitas.
Quando nascemos a gente já leva uma carimbada do tempo, nem entendemos a vida e nossos pais já nos colocam dentro das expectativas que eles acham que serão as melhores pra gente e não temos o direito algum de opinar. Sendo mulher, essa questão pesa ainda mais, e vem carregada de obrigatoriedades. É menstruar aos 14, a festa de debutante aos 15, vestibular e todas as suas graduações a partir dos 18 e neste meio tempo, casar, ter filhos, cuidar de uma família e ser bem-sucedida em tudo, além de ter que, como num conto de fadas, ser feliz para sempre.
A vida da gente vem com uma receita de bolo e na verdade não é assim que acontece para grande maioria das pessoas. A mulher que envelhece é descartada e se não segue estas regras é julgada enquanto os homens são vistos como experientes, ousados, viris e produtivos. Uma realidade competitiva triste e dolorosa.
Quando a gente se dá conta, passamos a maioria do tempo nos cobrando para seguir estas regras e quando ousamos desconstruir isso é preciso passar anos de terapia para não nos sentir diminuídas, derrotadas e sabotadas pela ideia de ousar sair da receita e incrementar a vida com novas possibilidades e isto pode ser sim possível.
A cobrança é tão real que tem mudado o comportamento de milhares de pessoas. Tem gente pagando caro e mutilando o corpo para brigar com os efeitos do tempo e gente que está mergulhada no Burnout, que é a síndrome do esgotamento profissional e que provoca distúrbios emocionais com sintomas de exaustão extrema, por tanto desgaste em correr atrás de ser extremamente competente e responsável e acha que o tempo não é suficiente. É como se a toda hora você precisasse ser perfeito em tudo e seguir a linha reta da vida ganhando todos os méritos e é para uma pessoa que está nesta roda-viva que eu digo: pelo amor das deusas, descanse! A gente pode ser feliz quando não criamos tantas expectativas, quando acolhemos as possibilidades de novos caminhos e vibramos com as realizações conseguidas nele.
Eu segui uma regra até os 18 ou 20 anos quando depois de fazer 5 vestibulares em que eu não passava, e tinha que ser pra Direito, profissão digna, como diziam meus pais. Eu me via tendo que estar ao patamar das minhas irmãs que são médica e dentista. Não era pouca coisa esta pressão, viu? Eu pirava nessa cobrança, até que um belo dia cheguei em casa e disse que queria trabalhar, que não aguentava mais e que precisar viver o mundo para poder escolher o meu caminho. Foi uma confusão danada com os falatórios deles. Mesmo assim segui firme e arrumei um emprego de telefonista. Meses depois já era coordenadora financeira. Já fui gerente e assistente de tudo no mundo, vendedora e cheguei ao RH e fiquei por 25 anos. Paguei minha universidade e fui da 1ª turma de Gestão de Pessoas do Estado aos 35 anos. Fiz MBA em seguida e neste meio tempo eu já queria ser professora universitária (meu eu geminiano sempre querendo mudar e mudando as minhas rotas e fazer uma coisa nova; é sempre assim).
Lembro que neste tempo eu estava tão feliz correndo atrás desta possibilidade de construir o meu futuro que nem lembrei que deveria ter casado, e sobre a maternidade pior ainda, nunca nem sonhei com isso. Não me aprofundava em relação nenhuma porque o foco era mudar a minha vida. Eu sempre me achei um fracasso pra namoros porque sempre estava à frente dos meninos que chegavam perto de mim, e até tentei viu? Tive até um noivado que demorou, mas se mostrou falido e tóxico, e este me rendeu grandes traumas. Depois disso, eu liguei o “foda-se” para relacionamentos. O que eu queria mesmo era trabalhar, viver, ter meu dinheiro pra curtir, viajar e conhecer gente pelo caminho. E assim o fiz.
Aos 38 anos eu crio um projeto paralelo e viro Carlota, uma banca itinerante de camisetas, uma marca, uma ideia e uma nova história. Trabalhava três expedientes por dia e foi aí onde minha vida girou novamente. É como se o tempo, como cantou Caetano, fosse sempre o grande compositor do meu destino, e eu, nesta roda-viva, resolvo realmente empreender e abro uma loja física, coordeno mais três outros pontos de vendas, uma feira e uma mostra de arte, começo a fazer discotecagem em festas, palestro nas escolas e empresas por conta do empreendedorismo raiz que faço, entro no judô aos 40 anos e faço a grande transição da minha vida. Veja bem, eu aos 40, estava produzindo mais do que muita novinha de 25. Estou no auge da minha vida sem seguir regra nenhuma.
Todo mundo quer parar o tempo e encaixar as coisas dentro dele, mas não se consegue, isto é fato. Alguns acham até que sim, mas é uma ilusão. Eu sempre acho que falta tempo aos meus dias e também sofro de Burnout e tem dias que choro por não dar conta. A vida real é assim: tem dias que é só agonia e a gente só tem tempo para reclamar e sofrer.
Uns dizem que o tempo é de Deus, e eu acredito, mas quem escreve a vida dentro do tempo somos nós e as nossas escolhas. Hoje estou com 47 anos, às vésperas de fazer 48 e as cobranças sobre mim hoje são outras. Já fui questionada por ainda morar com meus pais, por não ter filhos (quem vai botar papa na sua boca quando você envelhecer? Disse uma amiga.) Por ainda não ter dinheiro suficiente para viver viajando, ter carro, casa própria; Mas depois de viver tudo o que já vivi, saindo da curva e me aventurando, não permito que nenhuma destas cobranças impostas influenciem minhas escolhas e prevejam o meu futuro. Quero apenas seguir firme dentro das minhas responsabilidades e vontades. E me permitir ser leve e feliz com o possível e eu estou sendo muito feliz agora, quando a esta altura da vida entendo o meu valor, o valor do meu trabalho, aceito o meu corpo e o seu limite, tenho o acolhimento da minha família, o companheirismo e a lealdade dos meus amigos e agora vivo a descoberta de um amor lindo, leve, divertido e que me faz sonhar com um futuro possível, junto e parceiro talvez até em outro lugar do mundo. Quem sabe não seja este o tempo de viver mais uma vez o novo e se permitir recomeçar tudo novamente?
Nestes tempos em que tudo é beleza e vaidade e que a vida virou refém do tempo eu nunca me senti tão bonita, vibrando tanta energia boa, sexualmente ativa, inteligente, bem relacionada, bem disposta e lúcida. Eu estou viva, apesar dos pesares no meu melhor momento, mesmo que todo o mundo queira me provar o contrário. Eu estou vivendo o MEU TEMPO com qualidade e estou me achando incrível! Quem vai me dizer o que eu posso fazer dentro do limite da minha idade e o que fazer com o tempo, que na minha história da vida está determinado até os meus últimos dias? Ninguém. Absolutamente, ninguém.