A rotina como denúncia, a repetição como metáfora e o silêncio como linguagem. É nesse território poético e político que se inscreve “Ocasos Familiares”, espetáculo criado pelos grupos sílabAs cdança e Jurema Coletivo de Dança, que estreia neste sábado (5), no Conselho Comunitário de Ponta Negra, em Natal. As sessões acontecem às 14h e às 19h, com entrada solidária: 1kg de alimento não perecível. Os ingressos já estão disponíveis na plataforma Sympla.
Inspirado na canção “Cotidiano”, de Chico Buarque, o espetáculo parte de uma cena aparentemente simples e repetitiva: uma mulher prepara o café da manhã para dois homens. O gesto se repete dia após dia, como um mecanismo automatizado. Mas, no palco, o que parece banal se torna potente: emerge como símbolo de opressão, invisibilidade e exaustão que marcam a vida de inúmeras mulheres.
Com concepção e direção de Mauricio Motta — que também atua ao lado de Mônica Belotto e Jack Leidson — a montagem foi criada em Caicó (RN), em 2024, e propõe uma reflexão urgente sobre os papéis de gênero, as estruturas conservadoras das relações familiares e a persistência da misoginia mesmo em tempos de conquistas sociais.
“A proposta é provocar o público a refletir sobre o que está naturalizado. A repetição cotidiana muitas vezes mascara situações insustentáveis. A arte entra como convite ao olhar atento e à transformação”, afirma o diretor Mauricio Motta.
Com uma linguagem coreográfica baseada na dança contemporânea e na dramaturgia dos corpos, “Ocasos Familiares” se constrói a partir de gestos mínimos e silêncios que gritam. O simples fazer do café, o servir, o retirar e o recomeçar revelam um ciclo que aprisiona, mas que, ao se tornar visível, também pode ser rompido.
A realização é dos coletivos sílabAs cdança e Jurema Coletivo de Dança, com apoio da Prefeitura de Natal e incentivo do Fundo de Incentivo à Cultura (FIC), por meio do Edital Clarice Palma.